O Globo
Com chapa Boulos-Marta, Lula replica ideia
que levou a aliança com Alckmin e mostra maior poder de articulação que
Bolsonaro
Desde que começou seu caminho de volta à
Presidência, Lula parece ter aprimorado uma qualidade que sempre lhe foi
atribuída: promover encontros improváveis na política. Foi um espanto
generalizado quando vieram a público as primeiras conversas para a composição
da chapa Lulalckmin. Quem se lembrava dos impropérios lançados de parte a parte
na eleição de 2006 jurava ser impossível unir o petista e o ex-tucano na mesma
chapa. E olha no que deu.
O segundo turno foi pela mesma linha, com a criação da frente ampla que juntou no barco a ex-oponente Simone Tebet, que virou ministra. Na composição do governo, o presidente eleito resolveu exercitar o dom de convencer quem está confortável numa posição a aceitar outra para lá de espinhosa. Funcionou com José Múcio, deu errado com Josué Gomes.
Na virada de 2023 para 2024, Lula fez duas
apostas mais arriscadas: tirar Ricardo Lewandowski das perspectivas vantajosas
de aposentadoria do STF e portas abertas na iniciativa privada para assumir o
Ministério da Justiça; e levar Marta Suplicy de volta ao seio petista. E não é
que ambas vão avançando casas a passos largos?
A chapa Guilherme Boulos e Marta vem da mesma
incubadora que gestou Lulalckmin. Parte do mesmo diagnóstico sobre a
polarização: a necessidade de quebrá-la e de tornar o cabeça de chapa — antes o
próprio Lula e depois Boulos, em quem todos veem profundas semelhanças com o
líder metalúrgico que ascendeu nos anos 1970 — mais palatável ao complexo
eleitor de São Paulo. Funcionou em 2022.
A diferença no Estado de São Paulo entre
Bolsonaro e Lula foi bem inferior à registrada entre Bolsonaro e Fernando
Haddad quatro anos antes, e esse resultado foi tão importante quanto a vitória
no Nordeste para determinar a eleição do petista.
Com Marta, a missão será dupla: conquistar
corações e mentes num eleitorado de centro, ou mesmo conservador não radical,
mas também neutralizar a rejeição à ex-prefeita entre os simpatizantes do
próprio PT e da esquerda.
Existe um estigma para quem deixa o PT,
partido sem sombra de dúvida com a mais clara identidade (ame-o ou odeie-o) da
política brasileira. Para o petista, o desertor sempre será um traidor. Para os
demais, sempre será um petista. Marta sofreu com essa escrita nos anos em que
permaneceu fora do partido.
Sua oposição ferrenha ao bolsonarismo e sua
militância aguerrida para ajudar na composição da frente ampla, somadas ao fato
de nunca ter rompido pessoalmente com Lula, lhe renderam a reabilitação, mesmo
tendo votado pelo impeachment de Dilma Rousseff. Um caso único, pode-se dizer.
Não se sabe como isso será assimilado de
forma orgânica pelo eleitor e por Boulos, que claramente recebeu um prato feito
de alguém a quem não pode contrariar caso deseje ser, de fato, um candidato com
chance de vitória e bom cenário de governabilidade caso ela se efetive.
Marta tem na aproximação de seu chefe até
ontem, Ricardo Nunes, o álibi perfeito para trocar de time de forma tão
abrupta. Terá de equacionar a presença na chapa com uma espécie de voto de
silêncio para não criticar a gestão de que fez parte. Não é impossível, dado
seu legado concreto de obras e políticas públicas na cidade, mas é algo que
será explorado exaustivamente pelo time de marketing de Nunes e, caso seja
candidato, de Ricardo Salles, o bolsonarista raiz cuja candidatura ainda não
está garantida.
O jogo em São Paulo vai ganhando, assim,
contornos definitivamente nacionais. E Lula dá uma chave de corpo em Bolsonaro
saindo na frente na montagem de seu lado do tabuleiro, enquanto o ex-presidente
brinca de fazer muxoxo entre os dois possíveis candidatos de seu campo. O
discurso para a frente ampla, parte 2, está pronto para ser colocado em campo.
Verdade.
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