Folha de S. Paulo
No ano passado, arrecadação federal como
proporção do PIB caiu, mas não por ação do governo
A carga tributária federal baixou em 2023,
primeiro ano de Lula 3. Ainda não há números bons para os estados depois de
outubro de 2023, mas a não ser em caso de exorbitância extrema do Sobrenatural
de Almeida, a carga estadual também terá diminuído em 2023.
A fim de tentar desanimar quem venha com
"argumentos de twitter", "zap" e "opiniões",
recorde-se que "carga tributária" é apenas uma proporção, uma fração:
o total de dinheiros recolhidos pelos governos por meio de tributos e similares
dividido pelo valor do PIB.
Se a carga tributária baixou em certo ano não quer dizer, necessariamente, quase nunca, que alíquotas de impostos diminuíram. É possível que, devido ao ritmo da economia em tal ou qual setor, menos tributos tenham sido recolhidos.
No caso federal de 2023, foi o que aconteceu.
Na maior parte, o governo arrecadou menos porque receitas relativas ao setor de
commodities (petróleo, ferro, no caso) diminuíram, assim como aquelas com
concessões à iniciativa privada. Dado ainda que o PIB cresceu relativamente
bem, a carga baixou.
Não foi obra de Lula 3, até porque um governo
pode fazer pouco para fazer a economia andar mais rápido ou aumentar a receita
de impostos em seu primeiro ano de mandato.
A receita total do governo federal foi de
21,6% do PIB em 2023. Em 2022, de 23%. Descontado o que a União tem de repartir
com estados e municípios, a queda foi de 18,4% do PIB para 17,5% do PIB, na
receita líquida, um desastre. Dado ainda o aumento brutal de gastos, o déficit
público foi ruim.
Note-se ainda que este não é o cálculo
oficial da carga tributária, conta que será publicada daqui a alguns meses
pela Receita
Federal, com diferenças ligeiras de método.
E daí? Meio que nada.
Primeiro, no período de um par de anos, a
carga tem variações significativas. Mas a carga total (governo central mais
estados e municípios) tem flutuado faz 20 anos em torno de 32,4% do PIB (a
federal, em torno de 22,1%, a bruta, sem repasses a estados e municípios). No
saldo de duas décadas, a receita de governos cresce tanto quanto o PIB.
O último período de grande aumento de carga
federal ocorreu sob FHC —5 pontos percentuais do PIB. O governo deixou de
contar com ganhos da inflação, a Constituição elevou a despesa social, o gasto
da Previdência acelerou e era preciso ter superávit primário (receita maior do
que despesa, afora a de juros). Sem aumentar a carga de modo forçado, o corte
de despesa deveria ser brutal, mas inviável. As contas estourariam e iríamos a
uma breca pior do que a de 1999.
Um quarto de século depois, a nossa situação
não é lá muito diferente, mas a carga tributária é maior (a receita federal
bruta era de 16,7% do PIB em 1997). O gasto social cresce. O investimento cai a
quase nada. O governo toma emprestado para gasto corrente. É disfuncional e
insustentável.
Resumo desta ópera: a conversa sobre redução
da carga tributária é fiada, ingênua ou um plano de quem quer mais que dizimar
o gasto com Previdência, benefícios sociais e servidores. Essas despesas em
particular são um problema, sim. Mas em um país que tem déficit primário grande
e que precisa aumentar o investimento público, essa solução seria viável apenas
com tiro, pancada e bomba, autoritária e violenta.
Pela aritmética, uma solução seria possível
se o PIB viesse a crescer rápido, por muitos anos, além de 4% ao ano, e a
velocidade do aumento de despesa e receita fosse reduzida. Isso depois que se
chegasse a um equilíbrio nas contas primárias ("déficit zero"), com
inflação contida e juros bem mais baixos. Quem tiver essa receita, cartas para a Redação.
Afora isso, mesmo com despesa mais contida
(pelo frouxo arcabouço fiscal) e que o PIB venha a crescer bem (hoje em dia,
mais que 2,5% ao ano por muitos anos), não há hipótese de redução de carga, em
termos financeiros, sociais e politicamente razoáveis.
Será necessário aliás aumento de carga
(cobrar mais imposto de ricos, em vez de tomar emprestado deles),
racionalização de despesas e reformas previdenciárias, em especial em estados e
municípios. Se tudo der certo, é programa para uma década.
Pois é.
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