domingo, 7 de janeiro de 2024

Vinicius Torres Freire - O golpismo está forte e sacudido

Folha de S. Paulo

Políticos usam a data para demonstrar lealdade ao plano autoritário, por ação ou omissão

"Democracia Inabalada", o ato de repúdio à intentona golpista do 8 de Janeiro, terá muita ausência notória e previsível.

É uma cerimônia para rememorar um grande ataque contra a República. Muitas lideranças políticas não querem que se recorde o vandalismo, pois apoiavam o governo que insuflou a baderna subversiva. Também não querem que fique na memória que participaram de um protesto contra uma tentativa de derrubada do regime democrático, ainda menos de um ato liderado por Luiz Inácio Lula da Silva e por ministros do Supremo, alvos de ódio do bolsonarismo e da extrema-direita.

Eles têm de manter a fama de maus, o prestígio com o eleitorado extremista, com as falanges bolsonaristas. Precisam de votos, de recursos e propaganda nas redes; precisam manter viva a mobilização antidemocrática.

É verdade que algumas lideranças políticas estão mesmo de férias ou são relapsas; dado o seu eleitorado, calculam que não valeria a pena interromper a folga e pagar o jatinho. Outras, porém, fazem questão de recusar o convite para o ato com uma defesa dos golpistas.

Trata-se, por exemplo, do manifesto de 30 senadores a respeito do "Democracia Inabalada". Espalhados entre elogios cínicos à democracia e críticas da violência, aparecem ataques ao Supremo, a tentativa de atribuir a este governo a responsabilidade pelo 8 de janeiro e a defesa dos vândalos, que estariam sendo condenados a penas muito duras.

Quase todos os líderes e signatários do manifesto foram ministros de Jair Bolsonaro ou são militantes da causa. Logo, são cúmplices ou comparsas do projeto golpista, de mentiras criminosas de fraude eleitoral e das tantas promessas de que não haveria eleição e de que decisões do Supremo não seriam cumpridas.

São cúmplices de um idiota necrófilo, que fez campanha homicida contra medidas sanitárias na epidemia, que diz ser adepto do estupro, da tortura e do assassinato como instrumento político. São também cúmplices governadores, deputados, empresários, líderes religiosos e militares.

Os autores do manifesto são cínicos a ponto de escreverem tal coisa: "...ressaltamos como pilar de atuação a lealdade à democracia brasileira e apelamos novamente aos chefes dos Poderes da República a voltarem a atuar dentro dos ditames constitucionais com a consequente volta à normalidade democrática".

Agora é que temos problemas com a "normalidade democrática"? De fato, temos. Um deles, dos maiores, foi a campanha autoritária articulada em torno de Bolsonaro.

O bolsonarismo tem voto, parte dele repulsa a Lula, ao PT, à esquerda, à expansão de direitos civis e sociais e ao Estado. Parte é de adeptos do autoritarismo ou coisa pior.

Parte relevante da elite econômica e social do país não teve problema algum de adotar Bolsonaro como um instrumento político capaz de implantar o "liberalismo", de acabar com impostos, de sufocar a esquerda, de reprimir o reconhecimento da diversidade humana e seus direitos e de largar os mais pobres à própria sorte.

É como aquela gente que elogia o ditador assassino Pinochet por ter "colocado a economia do Chile no rumo certo", como já disseram tanto economista e empresário que andam por aí a falar de déficit e reformas. Podendo-se matar e torturar gente por tempo suficiente, muito programa econômico pode dar certo, por tentativa e erro sob terror.

Parte da elite se engajou nisso. Quase deu certo, plano prejudicado também por parte menor da elite, mais civilizada, que se levantou, enfim, em agosto de 2022. Mas a ideia do vale tudo está viva, forte e sacudida, esperando para ressuscitar. Vide a reação ao 8 de Janeiro.

 

2 comentários:

  1. Antigamente se usava muito o termo ''sacudido''.

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  2. Os bolsonaristas tentam de todas as formas MINIMIZAR a importância da tentativa de golpe e ocultar as óbvias relações dos manifestantes com a pregação de Bolsonaro.

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