Folha de S. Paulo
Políticos usam a data para demonstrar
lealdade ao plano autoritário, por ação ou omissão
O "Democracia
Inabalada", o ato de repúdio à intentona
golpista do 8 de Janeiro, terá muita ausência notória e previsível.
É uma cerimônia para rememorar um
grande ataque contra a República. Muitas lideranças políticas não
querem que se recorde o vandalismo, pois apoiavam o governo que insuflou a
baderna subversiva. Também não querem que fique na memória que participaram de
um protesto contra uma tentativa de derrubada do
regime democrático, ainda menos de um ato liderado por Luiz Inácio
Lula da Silva e por ministros do Supremo, alvos de ódio do
bolsonarismo e da extrema-direita.
Eles têm de manter a fama de maus, o prestígio com o eleitorado extremista, com as falanges bolsonaristas. Precisam de votos, de recursos e propaganda nas redes; precisam manter viva a mobilização antidemocrática.
É verdade que algumas lideranças
políticas estão mesmo de férias ou são relapsas; dado o seu
eleitorado, calculam que não valeria a pena interromper a folga e pagar o
jatinho. Outras, porém, fazem questão de recusar o convite para o ato com uma
defesa dos golpistas.
Trata-se, por exemplo, do manifesto de 30
senadores a respeito do "Democracia Inabalada". Espalhados entre
elogios cínicos à democracia e críticas da violência, aparecem ataques ao
Supremo, a tentativa de atribuir a este governo a responsabilidade pelo 8 de
janeiro e a defesa dos vândalos, que estariam sendo condenados a penas muito
duras.
Quase todos os líderes e signatários do
manifesto foram ministros de Jair Bolsonaro ou são militantes da causa. Logo,
são cúmplices ou comparsas do projeto golpista, de mentiras criminosas de
fraude eleitoral e das tantas promessas de que não haveria eleição e de que
decisões do Supremo não seriam cumpridas.
São cúmplices de um idiota necrófilo, que fez
campanha homicida contra medidas sanitárias na epidemia, que diz ser adepto do
estupro, da tortura e do assassinato como instrumento político. São também
cúmplices governadores, deputados, empresários, líderes religiosos e militares.
Os autores do manifesto são cínicos a ponto
de escreverem tal coisa: "...ressaltamos como pilar de atuação a lealdade
à democracia brasileira e apelamos novamente aos chefes dos Poderes da
República a voltarem a atuar dentro dos ditames constitucionais com a
consequente volta à normalidade democrática".
Agora é que temos problemas com a
"normalidade democrática"? De fato, temos. Um deles, dos maiores, foi
a campanha autoritária articulada em torno de Bolsonaro.
O bolsonarismo tem voto, parte dele repulsa a
Lula, ao PT,
à esquerda, à expansão de direitos civis e sociais e ao Estado. Parte é de
adeptos do autoritarismo ou coisa pior.
Parte relevante da elite econômica e social
do país não teve problema algum de adotar Bolsonaro como um instrumento
político capaz de implantar o "liberalismo", de acabar com impostos,
de sufocar a esquerda, de reprimir o reconhecimento da diversidade humana e
seus direitos e de largar os mais pobres à própria sorte.
É como aquela gente que elogia o ditador
assassino Pinochet por ter "colocado a economia do Chile no rumo
certo", como já disseram tanto economista e empresário que andam por aí a
falar de déficit e reformas. Podendo-se matar e torturar gente por tempo
suficiente, muito programa econômico pode dar certo, por tentativa e erro sob
terror.
Parte da elite se engajou nisso. Quase deu
certo, plano prejudicado também por parte menor da elite, mais civilizada, que
se levantou, enfim, em agosto de 2022. Mas a ideia do vale tudo está viva,
forte e sacudida, esperando para ressuscitar. Vide a reação ao 8 de Janeiro.
2 comentários:
Antigamente se usava muito o termo ''sacudido''.
Os bolsonaristas tentam de todas as formas MINIMIZAR a importância da tentativa de golpe e ocultar as óbvias relações dos manifestantes com a pregação de Bolsonaro.
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