O Globo
Se não traduzir suas ideias, ministro da
Justiça arrisca virar alvo fácil para o bolsonarismo
O novo ministro da Justiça defende que o
combate à violência precisa ir além da “enérgica ação policial”. Ricardo
Lewandowski estreou com um discurso progressista sobre segurança pública.
Criticou o encarceramento em massa, elogiou as penas alternativas e cobrou mais
esforço para reduzir a desigualdade, que definiu como um “apartheid social”.
Na cerimônia de posse, Lewandowski sustentou
que não há “soluções fáceis” para enfrentar o crime. “Não basta, como querem
alguns, exacerbar as penas previstas na legislação criminal, que já se mostram
bastante severas”, disse.
O ministro também criticou a ideia de restringir mecanismos de progressão penal, como as chamadas “saidinhas”. “Tais medidas, se levadas a efeito, só aumentariam a tensão nos estabelecimentos prisionais e ampliariam o número de recrutados para as organizações criminosas”, sentenciou.
A agenda de Lewandowski é apoiada por
especialistas, mas contraria o senso comum e a opinião majoritária do
Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, quer mudar a Constituição
para criminalizar a posse de drogas em qualquer quantidade. No mês passado, ele
atacou as regras que permitem a saída temporária de presos. Disse que a lei tem
“pretexto de ressocializar”, mas serve como “meio para a prática de mais
crimes”.
Pesquisas mostram que a segurança é o segundo
tema que mais preocupa os brasileiros. Só perde para a saúde, que costuma
liderar o ranking de queixas. A extrema direita sabe explorar o medo e quer
levar a violência para o centro do debate nas eleições municipais. No Rio,
escalou um delegado para disputar a prefeitura. Em São Paulo, deve indicar um
coronel da PM que já comandou a Rota como vice na chapa de Ricardo Nunes. É
questão de tempo para que os dois comecem a acusar Lewandowski de defender
bandidos e abandonar o “cidadão de bem”.
O discurso do novo ministro não é novidade no
governo Lula. Na quarta-feira, Flávio Dino também condenou o populismo penal e
disse que o Brasil será mais civilizado quando a população carcerária passar a
cair, em vez de crescer a cada ano. A diferença é que o ex-ministro tinha
disposição para enfrentar os bolsonaristas e sabia traduzir suas ideias para a
linguagem popular. Menos afeito ao embate político, Lewandowski ainda precisará
de treino para se livrar do juridiquês. Ontem ele falou em “omissão inescusável”,
“fragmentação federativa” e “competências arroladas”.
Pois é.
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