sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Bernardo Mello Franco – Polícia para quem precisa

O Globo

Se não traduzir suas ideias, ministro da Justiça arrisca virar alvo fácil para o bolsonarismo

O novo ministro da Justiça defende que o combate à violência precisa ir além da “enérgica ação policial”. Ricardo Lewandowski estreou com um discurso progressista sobre segurança pública. Criticou o encarceramento em massa, elogiou as penas alternativas e cobrou mais esforço para reduzir a desigualdade, que definiu como um “apartheid social”.

Na cerimônia de posse, Lewandowski sustentou que não há “soluções fáceis” para enfrentar o crime. “Não basta, como querem alguns, exacerbar as penas previstas na legislação criminal, que já se mostram bastante severas”, disse.

O ministro também criticou a ideia de restringir mecanismos de progressão penal, como as chamadas “saidinhas”. “Tais medidas, se levadas a efeito, só aumentariam a tensão nos estabelecimentos prisionais e ampliariam o número de recrutados para as organizações criminosas”, sentenciou.

A agenda de Lewandowski é apoiada por especialistas, mas contraria o senso comum e a opinião majoritária do Congresso. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, quer mudar a Constituição para criminalizar a posse de drogas em qualquer quantidade. No mês passado, ele atacou as regras que permitem a saída temporária de presos. Disse que a lei tem “pretexto de ressocializar”, mas serve como “meio para a prática de mais crimes”.

Pesquisas mostram que a segurança é o segundo tema que mais preocupa os brasileiros. Só perde para a saúde, que costuma liderar o ranking de queixas. A extrema direita sabe explorar o medo e quer levar a violência para o centro do debate nas eleições municipais. No Rio, escalou um delegado para disputar a prefeitura. Em São Paulo, deve indicar um coronel da PM que já comandou a Rota como vice na chapa de Ricardo Nunes. É questão de tempo para que os dois comecem a acusar Lewandowski de defender bandidos e abandonar o “cidadão de bem”.

O discurso do novo ministro não é novidade no governo Lula. Na quarta-feira, Flávio Dino também condenou o populismo penal e disse que o Brasil será mais civilizado quando a população carcerária passar a cair, em vez de crescer a cada ano. A diferença é que o ex-ministro tinha disposição para enfrentar os bolsonaristas e sabia traduzir suas ideias para a linguagem popular. Menos afeito ao embate político, Lewandowski ainda precisará de treino para se livrar do juridiquês. Ontem ele falou em “omissão inescusável”, “fragmentação federativa” e “competências arroladas”.

 

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