segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Diogo Schelp - Manifestação coreografada

O Estado de S. Paulo

Ato serviu para apertar os laços de lealdade que prendem alguns políticos a Bolsonaro

“Essa fotografia vai rodar o mundo”, disse Jair Bolsonaro em seu discurso diante de milhares de apoiadores na Avenida Paulista, ontem. A frase, com toda sua frivolidade, resume bem o que foi o ato. Primeiro, por expressar o quanto Bolsonaro anseia por ser reconhecido como um ator imprescindível da política nacional. Segundo, por expor que o real objetivo ali era o de produzir uma prova visual irrefutável da sua força política. E, terceiro, por sintetizar a ausência de conteúdo do seu discurso.

A manifestação coreografada cumpriu seu objetivo. Conseguiu confirmar que nenhum outro político no Brasil consegue mobilizar as massas com a mesma facilidade. Demonstrou a obediência dos apoiadores, que cumpriram a determinação de não exibir cartazes com mensagens golpistas e que foram capazes de se conter nas palavras de ordem contra o ministro Alexandre de Moraes, mesmo quando o pastor Silas Malafaia gritou que ele tinha sangue nas mãos pela morte na prisão de um dos réus do 8 de Janeiro.

O ato serviu, também, para apertar os laços de lealdade que prendem alguns políticos a Bolsonaro. Não é possível ser neutro em um ato de defesa a um ex-presidente suspeito de tentar um golpe de Estado. Isso ficou claro no discurso de Tarcísio de Freitas. “Eu tenho certeza que vocês estavam com saudade de vestir verde e amarelo”, disse o governador de São Paulo.

Vale lembrar que a última vez que militantes bolsonaristas marcharam com suas camisas da seleção foi para invadir as sedes dos três Poderes em Brasília.

Bolsonaro não cumpriu a promessa de apresentar sua defesa às suspeitas que embasam as investigações da Polícia Federal. Nos parcos trechos em que fez menção ao caso, ele disse que preparar um decreto de estado de sítio não é golpe e que golpe precisa de tanques nas ruas e conspiração. Ou seja, deu a entender que, quaisquer que fossem suas intenções, agiu de acordo com a Constituição, e omitiu os indícios de que houve uma tentativa de pessoas do seu círculo próximo (conspiração) de obter apoio para uma intervenção militar (tanques nas ruas).

“Creio que está explicada essa questão”, disse Bolsonaro, acrescentando que é preciso virar essa página da nossa história. Do ponto de vista do seu destino jurídico, essas palavras e a foto da multidão na avenida são inócuas. Do ponto de vista histórico, mantêm muitas lacunas a serem preenchidas, em vez de páginas viradas.

 

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