quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ataques de Trump à aliança atlântica geram instabilidade

O Globo

Ao lançar diatribes contra a Otan, virtual candidato republicano sabota principal pilar da paz global

Desde que se lançou na corrida para a eleição presidencial deste ano, Donald Trump retomou suas provocações contumazes. O último alvo foi a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), acordo militar entre Estados Unidos, Canadá e países europeus. Em comício de campanha, ele relembrou a pergunta do líder de “um grande país” da Europa quando era presidente: “Se não pagarmos e formos atacados pela Rússia, você nos protegerá?”. Trump disse que respondeu: “Não, eu não os protegeria. Na verdade, eu os encorajaria a fazer o que diabos quisessem”.

A declaração de Trump é lastimável por colocar em dúvida o artigo número 5 do tratado, segundo o qual um ataque a qualquer integrante da aliança deve ser encarado como ataque a todos. Isso significa que os países mais fortes se comprometem a defender os mais fracos quando agredidos. Esse poder de dissuasão tem evitado há décadas uma guerra entre países da Otan e a Rússia.

É verdade que o petardo de Trump contra a aliança atlântica poderia não passar de mais uma bravata dele. Afinal, apesar de todos os ataques, das inclinações isolacionistas e dos acenos explícitos de Trump ao russo Vladimir Putin durante seu governo, a Otan resistiu incólume. Com a agressão da Rússia à Ucrânia, até cresceu com a adesão de dois países nórdicos antes neutros (Suécia e Finlândia). Mas há indícios de que, desta vez, caso eleito, Trump terá mais poder para pôr em marcha seus desígnios. E de que, por força da guerra em curso na Europa, eles venham a ser testados.

Em recente entrevista, o ministro da Defesa da Dinamarca, Troels Lund Poulsen, constatou uma mudança nos cenários traçados no continente. Para Poulsen, não se pode descartar a possibilidade de a Rússia, que invadiu a Ucrânia justamente para evitar que ela entrasse na Otan, pôr à prova a solidariedade atlântica nos próximos anos, algo que não era cogitado no ano passado. “Está vindo à tona agora”, disse.

Trump encara a aliança atlântica como um negócio. Em 2006, os países da Otan concordaram em gastar no mínimo 2% do PIB em defesa. No primeiro ano da Presidência de Trump, apenas quatro dos 29 integrantes atingiam a meta. No último ano de governo, eram nove. Os gastos com defesa de europeus e canadenses saíram de US$ 277 bilhões em 2017 para US$ 314 bilhões em 2020. Trump vê os países que não cumprem a meta como “inadimplentes”. Mas, mesmo com a saída dele da Casa Branca, os europeus continuaram a aumentar o gasto, que alcançou US$ 356 bilhões em 2023. A razão é óbvia: a instabilidade gerada pela guerra na Ucrânia. A Polônia, com vasto histórico de agressões russas, investiu 3,9% do PIB em defesa no ano passado.

Por décadas, a tendência isolacionista no eleitorado americano era combatida por um esforço bipartidário. Se Trump vencer, ficará mais difícil. Ele já tem agido para bloquear um novo pacote de ajuda à Ucrânia no Congresso.

Os Estados Unidos detêm as armas mais poderosas do mundo e gerações de soldados com experiência em combate. O apoio europeu é um enorme ativo para dissuadir russos e chineses de ações militares. Não é preciso criatividade para imaginar o risco para o planeta do afastamento americano da Otan. Basta lembrar que ela tem mantido o mundo em estado de paz relativa — com vários conflitos regionais, mas sem enfrentamento direto de grandes potências — desde a Segunda Guerra.

Minas Gerais e Santa Catarina erram ao dispensar carteira de vacinação

O Globo

Exigência para matrícula escolar é eficaz para elevar cobertura vacinal e reduzir risco de contágio por doenças

Nos últimos anos, os índices de vacinação no Brasil caíram. Em 2023, foi constatada ligeira melhora depois de sete anos de queda. Das oito vacinas recomendadas até 1 ano de idade, só uma (contra catapora) não avançou. Mas a boa notícia deve ser vista com cautela. De modo geral, a cobertura se mantém abaixo da meta preconizada pelo Ministério da Saúde e necessária para atingir o nível de imunidade coletiva que detém a circulação dos causadores das doenças, em torno de 95% do público-alvo.

Níveis abaixo disso podem abrir espaço à volta de moléstias já controladas. Um exemplo é o sarampo. Em 2016, o Brasil recebeu o certificado de erradicação da doença. Dois anos depois, em meio à cobertura insuficiente, ela ressurgiu no Norte e se espalhou. Com reforço na imunização, a situação pôde ser novamente controlada, e o país aguarda nova certificação.

Diante de tal quadro, são temerárias as decisões dos governadores de Minas GeraisRomeu Zema (Novo), e Santa CatarinaJorginho Mello (PL), de dispensar a exigência de vacinação nas matrículas escolares. Em vídeo, Zema afirmou que todo aluno, independentemente de ter se vacinado, terá acesso às escolas. Mello também divulgou vídeo dizendo que nenhuma criança ficará fora da escola por não ter tomado vacina contra Covid-19 (incluída no calendário oficial neste ano).

Não demorou para que Mello fosse seguido pelas prefeituras de diversos municípios catarinenses. Ao se manifestar sobre o assunto, o Ministério Público de Santa Catarina disse que os decretos excluindo a vacina da Covid-19 do calendário oficial são inconstitucionais. E lembrou que o Supremo Tribunal Federal (STF) já dera parecer favorável à vacinação obrigatória de crianças.

A vacinação infantil não pode ficar ao sabor de inclinações políticas. O artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) afirma taxativamente: “É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Pesquisa do Ministério da Saúde relacionou os obstáculos que contribuem para os índices baixos. As campanhas antivacina são apenas um. Há problemas logísticos, como localização e horário de funcionamento dos postos, falta de doses e a visão equivocada de que doenças já controladas — como poliomielite — não trazem risco. É um engano perigoso, pois elas só estão adormecidas devido à vacinação maciça.

Em situações de emergência, a demanda por vacinas cresce. Na vacinação de rotina, porém, a procura infelizmente tem ficado aquém do esperado, a ponto de vacinas que custaram caro irem para o lixo. Elevar os índices de cobertura vacinal no país é tarefa de todos. As escolas podem cumprir papel importante nesse esforço, não só pela capilaridade e proximidade com o cidadão, mas também porque são espaços propícios para educar e informar. Exigir a carteira de vacinação no ato da matrícula ou para ter direito a programas sociais do governo é medida fundamental para a saúde dos brasileiros.

Disputas de poder não podem paralisar agenda econômica

Valor Econômico

Tudo indica que há caminho de concertação entre Lira e o Planalto

A semana passada terminou com certa distensão na relação entre Executivo e Legislativo. O presidente Lula tenta um equilíbrio frente às amarras que se colocou ao, antes de assumir o cargo, dar o apoio ao deputado Arthur Lira (PP-AL) para se reeleger no comando da Câmara dos Deputados, em troca da aprovação dos R$ 165 bilhões para a PEC da Transição. Lira quer agora assegurar o beneplácito do governo a seu sucessor e, ao mesmo tempo, manter seu comando estrito da distribuição de emendas parlamentares, que avançam sobre as despesas discricionárias do Orçamento na mesma proporção em que estas diminuem.

Lira tem feito um jogo de colaboração e antagonismo com o Executivo. As principais medidas do governo contaram com sua colaboração ou anuência, como o novo regime fiscal, a reforma tributária e as mudanças no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Desde que recebeu as rédeas da Câmara de um governo que não queria fazer política, como o de Jair Bolsonaro, o deputado alagoano organizou uma base dispersa entre partidos do Centrão por meio das emendas bilionárias, cuja distribuição comandou, mais em função da fidelidade do que das hierarquias partidárias. Esses recursos são uma de suas principais ferramentas políticas e uma das bases de seu poder.

O poder de Lira, porém, tem prazo de validade e ele sabe disso. “Não sou um pato manco”, disse em seu discurso carregado de advertências ao governo no início do ano legislativo. A imagem significa a perda de cacife político de um líder em algum momento de seu mandato e sua transformação em figura decorativa no que resta dele. Lira não pode mais se candidatar, e o governo tem interesse em que a influência de Lira entre em um arco declinante nos próximos meses.

Há vários componentes nocivos nesta disputa. Um deles, que se tornou óbvio, é o domínio crescente da Câmara e do Senado sobre o orçamento, por meio das emendas parlamentares, que se multiplicam. É atribuição do Executivo apresentar o plano orçamentário, considerando integradamente as necessidades nacionais. As emendas impositivas de bancadas e individuais, depois as do relator e a recém-criada de comissões, não têm compatibilidade com o planejamento orçamentário. São uma miríade de projetos de acordo com interesses locais e, por isso, fonte de má alocação de recursos e desvios.

Houve um equilíbrio político na distribuição de poder configurada no Orçamento, agora modificado pela maior participação parlamentar sobre as emendas. As emendas individuais e de bancada somam um quinto dos gastos livres (R$ 44,6 bilhões), ante pouco mais de 4,65% há dez anos. Essa proporção é também maior do que a de uma amostra de 29 países, segundo levantamento de O Globo (4 de fevereiro). O Congresso, no exame do orçamento em 2023, criou as emendas de comissão e atribuiu-lhes dotações de R$ 5,6 bilhões. O presidente Lula vetou esses recursos ao sancionar o orçamento, causando nova irritação a Lira.

O empoderamento orçamentário do Centrão ampliou o déficit de transparência no uso de recursos públicos. As emendas PIX - em que o dinheiro é enviado para prefeituras e Estados sem que haja qualquer definição de projetos ou destinação específica de gastos - consumirão este ano R$ 8 bilhões. O Legislativo tentou, em ano eleitoral, estabelecer até um calendário obrigatório para empenho e liberação das verbas, independentemente do fluxo de arrecadação da União, quando a Constituição estabelece que a efetivação orçamentária é uma incumbência do Executivo.

Lira está contrariado não só porque o presidente Lula cortou o dinheiro das emendas de comissão. Ele reclama dos empecilhos supostamente criados pelo Ministério da Saúde para liberação das emendas do orçamento secreto, julgado ilegal pelo Supremo Tribunal Federal, mas objeto de acordo com o governo. Além disso, o governo parece ter começado a se mover para influir na sucessão na Câmara, fazendo mesuras para potenciais candidatos que não são os preferidos de Lira. O deputado alagoano mirou o mensageiro, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, por discordar de decisões que são na verdade do presidente Lula e do círculo palaciano. O PSB, aliado do PT, deve retirar-se do bloco do PP, e Lira viu nisso mais uma trama do Planalto para retirar-lhe poder.

No entanto, Lira parece ter feito um armistício com o presidente Lula em reunião na sexta. Lula colocará o ministro da Casa Civil, Rui Costa, como interlocutor. Volta-se então ao status quo anterior, em que houve atritos, mas prevaleceu a colaboração produtiva. No último ano de mandato, Lira sabe que também precisa do Executivo para exercer sua liderança, manter unido o Centrão e transmitir seu cargo a alguém de sua confiança. Independentemente da disputa de poder, Executivo e Legislativo deveriam assegurar a continuidade de uma agenda de interesse nacional. Está a caminho a regulamentação da crucial reforma tributária, surgiu a chance de reforma administrativa e a reforma do ensino ainda está sob exame da Câmara, por exemplo. A paralisia legislativa seria péssima para o país. Mas tudo indica que há um caminho de concertação.

Mundo se tornou um barril de pólvora

Folha de S. Paulo

Instabilidade geopolítica causa recorde em gastos militares e, associada a populismo no Ocidente, recomenda cautela à diplomacia do Brasil

Nunca se gastou tanto quanto em 2023 com defesa no planeta, salvo em períodos de guerras mundiais. No ano passado, as despesas militares somadas de 173 países atingiram US$ 2,2 trilhões, o equivalente ao PIB brasileiro.

Esse montante, estimado pela organização britânica Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, disparou e deixou de emular o ritmo do crescimento econômico, como era o padrão, passando a refletir nova corrida armamentista.

A guerra na Ucrânia, deflagrada pela invasão russa em fevereiro de 2022, tornou-se um catalisador dessa militarização. O efeito não se resume a Moscou e Kiev; abrange fortemente países europeus que compõem a aliança ocidental da Otan, cujo dispêndio saltou 40% em apenas um ano.

Os EUA, líderes no ranking do gasto militar que consomem o mesmo que as 14 nações subsequentes, aceleraram despesas de olho no recrudescimento da ameaça da Rússia e, paralelamente, na rivalidade estratégica crescente com a China.

A polarização aguda entre Washington e Pequim tem sido outra alavanca do armamentismo global, estimulando o dispêndio militar dos dois gigantes e de outras nações na região indo-pacífica. Conflitos e escaramuças locais, como no Oriente Médio, também impulsionam a corrida bélica.

Se países se armam até os dentes, é porque percebem mais instabilidade geopolítica. Os vaticínios mais otimistas após a implosão da União Soviética, de que a Rússia e a China se pacificariam pela integração econômica em escala planetária, revelaram-se equivocados.

O barateamento dos artefatos de destruição —e o financiamento de governos estrangeiros interessados em fustigar adversários indiretamente— elevou a capacidade de causar estragos de grupos insurgentes e terroristas.

A validade da teoria de que potências nucleares teriam maior imunidade contra agressões estrangeiras está sendo colocada à prova. O fanatismo religioso e o ultranacionalismo que embasam plataformas de aniquilação do inimigo tampouco dão mostras de esmorecer.

Não bastassem as tribulações em nações que jamais se distanciaram da autocracia, os regimes de tradição ocidental enfrentam dentro de suas fronteiras uma onda populista que desafia fundamentos como a separação e a limitação dos poderes institucionais.

O quadro é delicado o suficiente para recomendar cautela à navegação diplomática de um país como o Brasil. Nesse ambiente, a escolha de aliados e de causas no plano internacional pode facilmente alimentar os adversários internos da democracia representativa.

Paliativo contra evasão

Folha de S. Paulo

Governo define ajuda a alunos no ensino médio, que ainda precisa de reforma

Com duas portarias do Ministério da Educação, o governo começou a regulamentar o programa destinado a oferecer ajuda financeira a alunos pobres do ensino médio. Dada a ainda elevada taxa de evasão nessa etapa da vida escolar, no mais das vezes causada pela desigualdade social, a iniciativa tem objetivos corretos.

Serão quatro tipos de incentivo: para matrícula (R$ 200 por ano); para frequência (R$ 1.800, em nove parcelas mensais); para realizar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem, R$ 200); e para a conclusão de cada série (R$ 1.000 anual).

Neste último caso, o valor é acumulado em poupança e só será resgatado ao término dos estudos.

Poderão participar apenas alunos de escolas públicas que cursem o ensino médio ou o programa Educação de Jovens e Adultos (EJA), que tenham entre 14 e 24 anos de idade e façam parte de família inscrita no cadastro da baixa renda —terão prioridade aquelas que recebam o Bolsa Família.

Os números atestam a importância de tal política pública.

Segundo o Censo Escolar, em 2022 a taxa de evasão no ensino médio chegou a 6,5% —1,5 ponto percentual acima da verificada no ano anterior. Pesquisa do IBGE de 2019 mostrou que 39,1% das pessoas entre 14 e 29 anos que não concluíram a educação básica deixaram a escola para trabalhar.

A adesão ao ensino integral também é afetada pela vulnerabilidade social. Em São Paulo, por exemplo, 50% das escolas do estado seguem esse modelo, mas apenas 17% dos alunos estudam nelas. Aqueles que precisam trabalhar vão para o ensino parcial ou abandonam a escola.

Também é baixo o interesse pelo Enem, principal forma de ingresso no ensino superior. Em 2023, dos 4 milhões de inscritos, só 2,7 milhões (68%) fizeram a prova.

Segundo o MEC, o gasto com o novo programa será de R$ 7,1 bilhões ao ano, com previsão de 2,5 milhões de estudantes beneficiados. Não se detalharam ainda os parâmetros que embasam as cifras.

Trata-se de política meritória que demandará execução criteriosa e avaliação de custos e eficácia. Em qualquer cenário, continua necessária a reforma do ensino médio.

Prioridade errada

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que temos transferência de renda às avessas: o Brasil gasta muito com o ensino superior para a minoria rica, enquanto oferta educação básica péssima para a maioria pobre

A educação pública brasileira costuma ser um terreno fértil de erros e inversão de prioridades que geram atrasos e desigualdades, impondo um horizonte sombrio para milhões de crianças e jovens. O estudo divulgado recentemente pela Secretaria do Tesouro Nacional (Despesas por Função do Governo Geral) reafirmou em números um desses equívocos. Mapeando dados consolidados até 2022, constata-se que, no ensino superior, o Brasil exibe gasto no padrão de países ricos, enquanto fica aquém em etapas da educação básica como o ensino fundamental 2 e o ensino médio. Não difere muito nas despesas com educação infantil e fundamental 1, mas no conjunto de despesas gerais com a educação (4,49% do Produto Interno Bruto – PIB) o País fica abaixo de vizinhos da América Latina e de economias avançadas.

É importante notar, de acordo com o estudo, que o Brasil vinha ampliando sistematicamente o volume de despesas com educação entre 2010 e 2019 – de R$ 397 bilhões para R$ 520 bilhões no período, ainda que proporcionalmente em relação ao PIB tenha sido verificada uma certa estabilidade entre 2011 e 2018. Entre 2019 e 2021, no entanto, iniciou-se um período de redução e, nela, a educação básica foi especialmente atingida, graças à pandemia de covid-19 e à retração que se verificou tanto nos governos estaduais e municipais quanto em nível federal. O ano de 2022 inverteu a trajetória decrescente.

Essa curva não inverte o essencial: em matéria educacional, o Brasil tem um sistema de transferência de renda e geração de oportunidade às avessas, distorção que já vem sendo apontada há bastante tempo por especialistas. Enquanto a uma esmagadora maioria pobre se oferta um péssimo ensino básico público, a minoria rica tem a seu dispor boas universidades públicas e gratuitas. Existe padrão internacional nas escolas privadas, não faltam magníficas exceções entre as escolas públicas da educação básica e há trágicos exemplos de má qualidade entre universidades públicas, mas o retrato geral é desabonador, completado e aprofundado pela defasagem do ensino técnico e profissionalizante.

Isso significa estar na contramão do que ensinam boas práticas apontadas pela literatura especializada. A lição internacional indica dois pilares essenciais: prioridade para a educação básica e a qualificação de professores. No abecedário dos erros do Brasil, falha-se em ambos.

Em setembro do ano passado, o relatório Education at a Glance, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mostrou que desde 2010 o Brasil investe menos de um terço do que os países ricos para cada aluno da educação básica pública: US$ 3.583 por aluno/ano, enquanto a média entre as nações desenvolvidas é de US$ 10.949. Em contrapartida, o Brasil investe no ensino superior público quase US$ 14.800 ao ano por aluno, o mesmo valor da média da OCDE, além de ter um dos menores porcentuais de estudantes matriculados na educação profissional, considerando os 45 países analisados. Um ano antes, o Anuário Brasileiro da Educação Básica já apontava tendências similares.

Esse pode ser um recado particularmente útil para o presidente Lula da Silva. As primeiras gestões lulopetistas dedicaram especial atenção à ampliação de vagas no ensino superior, tanto pela abertura de novas universidades públicas federais quanto pelos incentivos às universidades particulares por meio de mecanismos como o Prouni. Lula e o PT se mostram garbosos até hoje ao falar dos números exuberantes das gestões anteriores, entre novos campi universitários (181), novas universidades federais (18) e os chamados institutos federais (422). Obras e prioridades que jamais se converterão em mudança efetiva para a vida de crianças e adolescentes diante de uma educação básica que fracassa em quantidade e qualidade, na atração de recursos e na gestão.

Enquanto alunos de escolas privadas têm desempenho similar ao dos norte-americanos, a esmagadora maioria que vem da escola pública ingressa na vida profissional só com as frágeis ferramentas do ensino básico. Tal descompasso não é uma imposição do destino, e sim o resultado de más escolhas públicas.

Boas práticas anticorrupção

O Estado de S. Paulo

Dados comprovam o bom senso: para os sintomas da corrupção, o melhor remédio é a pressão popular por mais Estado de Direito; para a sua causa, o desenvolvimento socioeconômico

Sejam lá quais forem os questionamentos que se possam fazer em relação à metodologia do Índice de Percepção da Corrupção (IPC) da Transparência Internacional e sejam lá quais tenham sido os impactos e usos políticos da última edição, que constatou um declínio da trajetória já medíocre do Brasil, dois fatos permanecem: o IPC é o mais reputado indicador de percepção da corrupção e a corrupção está entre as maiores preocupações dos brasileiros. Segundo a pesquisa Atlas Intel publicada no início do mês, entre os maiores problemas do País, a corrupção é o segundo mais citado (57%), só atrás do crime organizado (59%), ambos bem acima do terceiro colocado: pobreza, desemprego e desigualdade (19%). Desde novembro, as menções à corrupção aumentaram sete pontos porcentuais.

Assim, antes de matar o mensageiro, as autoridades deveriam utilizar indicadores como o IPC e outros para diagnosticar as causas da corrupção e buscar a sua cura.

Comparando-se os países do topo e da base, há uma evidente correlação entre corrupção e desenvolvimento socioeconômico. A corrupção tende a ser menor em países mais ricos, em economias baseadas no conhecimento e em sociedades mais tolerantes, plurais e democráticas. As evidências comprovam o que é intuitivo: o meio mais eficaz de combate à corrupção é desenvolver o capital humano para alavancar o crescimento econômico e fortalecer a democracia.

Mas, se esses fatores são determinantes, não são definitivos. Há países em condições similares às do Brasil, como Chile ou Uruguai, muito menos corruptos há décadas. E há outros em condições piores que evoluíram mais vigorosamente. Exemplos clássicos de progresso rápido e sustentável incluem Hong Kong, Cingapura, Libéria, Georgia, Botswana, Estônia e Coreia do Sul.

O caso da Coreia do Sul é particularmente elucidativo. Segundo o IPC, no final da década de 90, o país tinha índices similares aos do Brasil (na faixa dos 30-40 pontos, de 0 a 100). Hoje tem índices similares aos do Chile (60-70 pontos). A evolução é corroborada por outros levantamentos.

Embora a Coreia seja considerada hoje um país desenvolvido, a transição foi relativamente recente. Como o Brasil, ela cresceu rapidamente nos anos 60 e 70 sob ações governamentais de um Estado autoritário e se consolidou como uma democracia nos anos 80. E, como no Brasil, a sociedade coreana era, e em certa medida ainda é, dividida em redes de confiança agrupadas em torno de indivíduos poderosos que competem por influência, poder, empregos e recursos públicos – em outras palavras, o capitalismo de compadrio.

Apesar de reformas ambiciosas para conter o clientelismo e promover a transparência e a responsabilização na governança corporativa, a corrupção política e empresarial ainda se faz sentir. No entanto, outras reformas se mostraram bastante bem-sucedidas.

A prioridade em um processo meritocrático de recrutamento e promoção dos servidores é consensualmente considerada um fator decisivo na redução da corrupção coreana, especialmente na administração pública. A transparência e a abertura do governo foram fortalecidas por uma série de leis, especialmente rigorosas em relação à transparência do orçamento e das compras e procedimentos governamentais. Essa dinâmica foi turbinada por massivos investimentos em plataformas digitais facilmente acessíveis ao público. A Coreia tem hoje um dos maiores sistemas de licitação digital do mundo, o que ajuda a fiscalizar e excluir empresas corruptas.

Mas na Coreia, como em outros casos, a precondição do sucesso foi algum nível de liderança e vontade política de enfrentar a corrupção. A pressão da sociedade civil, por sua vez, foi decisiva para estimular essa vontade política. A comparação internacional mostra que, no combate aos sintomas da corrupção, um Judiciário e um funcionalismo autônomos, eficientes e meritocráticos, assim como a transparência e a participação popular na definição de políticas e gastos públicos, são os melhores remédios. Quanto à causa da corrupção, a melhor cura é o crescimento socioeconômico.

O festim dos títulos incentivados

O Estado de S. Paulo

Fim do uso indevido desses papéis prova que solução era fácil e poderia ter vindo antes

Fazer uso de brechas legais faz parte do jogo. Não é crime encontrar meios de caminhar no limite da lei sem, no entanto, infringi-la. Cabe ao formulador evitar que a estrutura legal apresente fissuras que permitam esses desvios. Dito isso, pode ser considerado previsível e até natural o movimento constatado nos últimos anos no mercado de títulos de renda fixa. Numa ação crescente, incentivos criados para financiar o setor imobiliário e o agronegócio acabaram sendo usados por diversos outros segmentos, num completo desvirtuamento da ideia original.

Mas, ora, seria muita ingenuidade não reconhecer que parte considerável dos ganhos dos investimentos financeiros consiste justamente na capacidade de achar um caminho legal de potencializar os rendimentos. Para aumentar a participação privada no financiamento a projetos considerados prioritários, o governo concedeu isenção de Imposto de Renda a investidores em títulos específicos. Vieram LCI, LCA, CRI, CRA e LIG. Todos os “is” e “as” das siglas são referentes a imobiliário e agrícola, os setores que se pretendia alcançar.

Não demorou para que a engenharia comum no mercado encontrasse um meio de vincular a emissão de debêntures a esses títulos. O que demorou foi a reação do governo. Foram, ao menos, oito anos de crescente uso da brecha, já um enorme buraco, até que o Conselho Monetário Nacional (CMN) enfim instituísse, na primeira reunião deste ano, um novo regramento para evitar o uso indiscriminado dos títulos.

O volume da movimentação financeira não deixa dúvidas sobre o custo dessa demora. Somente no ano passado, 55% das emissões lastreadas em títulos agrícolas ou imobiliários não passariam pelo novo crivo do CMN, o que corresponde a R$ 46 bilhões, como informou a Coluna do Broadcast, envolvendo uma gama de segmentos tão distintos quanto varejo e saúde. Uma distorção que, por certo, há muito já havia sido detectada pela autoridade monetária e pela equipe econômica. Prova disso foram as inúmeras tentativas de retirar o incentivo tributário.

Seria uma visão simplista demais rotular de vilões os segmentos que se beneficiaram dessas emissões para se capitalizar. O que ocorreu foi um caso clássico de aproveitamento de uma má formulação. E a facilidade da solução encontrada faz questionar qual a razão para a demora em aplicá-la, se nem mesmo houve necessidade de tramitação de nova lei no Congresso. Uma mera decisão do CMN restabeleceu a normalidade ao incentivo.

Da mesma forma como a atuação do órgão superior do sistema financeiro pôs fim, ainda que tardiamente, ao festim do mercado de renda fixa, espera-se que atitudes reguladoras desse tipo passem a ser rotineiras – e não apenas no mercado financeiro. Afinal, mecanismos de incentivo são necessários e, em alguns casos, imprescindíveis para sustentar o crescimento econômico, a qualidade de renda e a redução da desigualdade no País. Mas também são necessários e imprescindíveis o monitoramento e a fiscalização para garantir que sua finalidade não seja comprometida.

Enfim, o ano começa no país

Correio Braziliense

O que se espera é que em lugar de atritos políticos ocorram entendimentos em prol de toda a sociedade

Para os foliões que pularam carnaval nos últimos dias, movimentando o corpo e a economia de milhares de cidades Brasil afora, a Quarta-Feira de Cinzas marca o fim da fantasia e o reencontro com a realidade. Para o Brasil é o momento de retomada de discussões importantes no Judiciário e no Legislativo, que deram início aos seus trabalhos de 2024 na semana passada. Como esse começo foi atropelado pelo carnaval, a engrenagem efetiva será a partir de agora.

E o que se espera é que em lugar de atritos políticos ocorram entendimentos em prol de toda a sociedade. Ainda que a reoneração da folha de pagamento de 17 setores e os vetos do presidente Lula ao Orçamento, com corte de R$ 5,6 bilhões de emendas parlamentares, possam significar impasse, é preciso que se busque o consenso e que Executivo e Legislativo cheguem a bom termo para destravar a pauta de votações no Congresso em ano encurtado pelas eleições municipais.

No Congresso é preciso que se votem os projetos que vão regulamentar a reforma tributária, para que ela seja efetivamente concluída e gere os benefícios esperados, e também as propostas para efetivar o Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover), que, embora receba críticas, é a peça que está motivando montadoras a confirmarem investimentos de R$ 41,7 bilhões em novos produtos e descarbonização no país. Câmara e Senado devem avaliar ainda a reforma do Código Civil, a regulação da inteligência artificial (IA), as mudanças eleitorais, o projeto para regulação do mercado de carbono e do mercado de hidrogênio verde, sem falar no projeto de combate às fake news.

Do lado do Executivo, o que se espera é que efetivamente sejam tomadas medidas para que os projetos de investimentos previstos e anunciados com pompa e aos quatro ventos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comecem a tomar forma. São esses recursos em projetos de infraestrutura, saúde, educação e segurança que podem dinamizar a economia neste ano, para que não se confirmem as projeções de um crescimento cerca de 50% menor do que a expansão de 2023, que será conhecida em 1º de março.

Com o setor agrícola perdendo tração por causa das mudanças climáticas e do El niño e pela redução dos preços das commodities - soja e milho tiveram queda de 50% - em 2023 e tendência de estabilização agora, será preciso que o consumo das famílias dê suporte para a expansão dos serviços e da indústria para que o Produto Interno Bruto (PIB) possa mais uma vez surpreender e crescer além das previsões de janeiro. Hoje, os economistas e analistas ouvidos pelo Banco Central projetam crescimento de 1,6% do PIB, o Banco Mundial espera alta de 1,5% e o Fundo Monetário Internacional, 1,7%.

Esse crescimento é baixo para o potencial da economia brasileira, que deu uma pequena mostra do que apenas o setor de eventos e audiovisual pode gerar de impacto em termos de receitas e abertura de emprego. A estimativa é de que a folia de Momo tenha alavancado negócios da ordem de R$ 9 bilhões, com dezenas de milhares de brasileiros trabalhando na folia. Que esses recursos, que renderam impostos, sejam revertidos na dinamização econômica dos locais onde foram alocados. É preciso agir para acelerar o crescimento econômico e a geração de empregos, agora que o ano está começando.

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