Folha de S. Paulo
Priorização do acionista minoritário não é
cláusula pétrea da governança corporativa
A Petrobras está
sob nova gestão e o mercado financeiro luta para manter sua "vaca
leiteira". A decisão do Conselho de Administração da empresa de reter
lucros excedentes à regra de distribuição de dividendos não tem nada de
voluntarista; ao contrário, busca resgatar a capacidade de planejamento da
maior empresa do Brasil.
São constrangedoras, portanto, as piruetas
retóricas de comentaristas na imprensa defendendo a primazia do acionista
minoritário, como se fosse uma cláusula pétrea da governança corporativa. A
banda não toca mais assim... no mundo!
A governança corporativa focada no
extrativismo de curto prazo (resultados trimestrais) fragilizou as economias de
mercado ao encurtar o horizonte de planejamento das empresas.
Segundo William Lazonick (University of Massachusetts Lowell), tal modelo produziu concentração de riqueza, desvirtuação da gestão corporativa, aumento da insegurança operacional –como o pavoroso caso da Boeing–, atrofia do ímpeto inovativo e esmagamento da classe média, a qual perdeu os bons empregos de colarinho azul para a insaciável cultura de corte de custos.
Ciente desses resultados, a mais influente
associação de empresários dos EUA (Business Roundtable) anunciou, em agosto de 2019,
"nova Declaração sobre o Propósito de uma Corporação", assinada por
181 executivos, que prometeram "liderar suas empresas para o benefício de
todas as partes interessadas –clientes, funcionários, fornecedores, comunidades
e acionistas".
Nesse novo modelo de governança, o interesse
e a ansiedade do acionista por lucros trimestrais não dominam a gestão.
Dilata-se o horizonte das ações corporativas, incorporam-se outros interesses e
reconhecem-se custos que antes as empresas empurravam para a sociedade
(poluição, tratamento de resíduos etc.).
A mudança surgiu em meio à crescente
percepção de que o aumento da desigualdade de riqueza e a crescente
concentração da propriedade dos ativos financeiros poderiam produzir distorções
na alocação de capital. A crise de 2008 e a pandemia escancararam a incapacidade
do "capitalismo dos acionistas" em lidar com uma crise sistêmica. A
paralisia generalizada da elite global em Davos em face da crise climática é
exemplo destes descaminhos do grande capital.
Dois prêmios Nobel de Economia, Joseph Stiglitz e Michael Spence, defenderam esse modelo de "capitalismo
de interesses amplos" (stakeholder capitalism). Para Spence, o arranjo
"estabelece novos limites para a busca de retornos sobre o capital
–limites que se destinam a proteger os cidadãos (funcionários, clientes mal
informados, fornecedores, gerações futuras)" que, sem poder de mercado,
não têm como se proteger. Stiglitz fez a ressalva de que o Estado deve
disciplinar as corporações para que cumpram as promessas de mudança.
Exemplo desse novo paradigma corporativo, a
petroleira estatal norueguesa Equinor também cortou os dividendos
extraordinários distribuídos
aos acionistas e o preço da ação caiu 7%. Lá, o Estado detém 67% das ações e sofre críticas
por investir no "mercado pouco rentável" de energias renováveis e
soluções de baixo carbono.
Da mesma forma, a Petrobras deve direcionar
as volumosas rendas de monopólio à transição energética. É inadiável que se
reduza a distribuição de dividendos ordinários ao mínimo de 25% do lucro
líquido (R$ 29,2 bilhões em 2023), estabelecido pela lei das S/As, em vez da atual regra de 45% do fluxo de
caixa livre (R$ 72,4 bilhões em 2023).
Os acionistas majoritários da Petrobras são
os mais de 200 milhões de brasileiros e brasileiras e rejeitam a interferência
política dos acionistas minoritários, fixados em seu retorno financeiro de
curto prazo.
É preciso colocar nossa mais estratégica
empresa a serviço da reindustrialização, para o bem do Brasil.
*Professor de economia da Unifesp e doutor em
economia do desenvolvimento pela FEA-USP
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