Folha de S. Paulo
Julgamentos dos líderes do golpe dirão quem
somos como nação
Sabemos, hoje, que o golpe de verdade seria
assestado em dezembro de 2022, não no 8 de janeiro de 2023. A trama foi
virtualmente desvendada, por meio de provas documentais e testemunhais. O que o
STF fará com os golpistas?
Compara-se, geralmente, o 8 de janeiro de Brasília com o 6 de janeiro de 2021 de Washington, o dia da invasão do Capitólio pelas hordas de Trump. As semelhanças saltam à vista de todos: um presidente autoritário contestando sua derrota eleitoral, a invasão dos edifícios-símbolos do poder democrático por uma turba de vândalos. Contudo, há uma diferença crucial entre os dois eventos: no 6 de janeiro deles, Trump ainda ocupava a Casa Branca; no nosso 8 de janeiro, a presidência já havia sido transferida a Lula.
Ninguém –nem mesmo Bolsonaro!– é tão estúpido
a ponto de apostar suas fichas principais num golpe de Estado adiado para
depois da entrega das chaves do Palácio. O 8 de janeiro foi uma tentativa
derradeira, desesperada, de reativar os motores de uma tentativa golpista
fracassada. Não por acaso, o líder da intentona assistiu ao evento da segurança
prudente de uma mansão na Flórida.
"Tentativa de golpe com minuta é
ridículo", argumentou Mourão no Senado, procurando um caminho tortuoso
para salvar seus companheiros de armas da responsabilização judicial. O vice
enjeitado simula não saber que máfias são antros de desconfiança e traição.
Nelas, guardam-se provas incriminadoras contra comparsas, para efeitos de
chantagem ou vingança. O núcleo golpista operou segundo padrões mafiosos.
Deles, surgiram gravações de reuniões conspirativas e até, preservada, a tal
"minuta do golpe".
A delação de Mauro Cid e os depoimentos do
general Gomes Freire e do brigadeiro Carlos de Almeida Baptista, motivados
pelas ofensas do general Braga Netto contra o primeiro, uniram as pontas
soltas. Inexiste, agora, mistério. A PF tem em mãos uma sólida acusação, que
fará seu caminho até o STF. O triunvirato do golpe abrange Bolsonaro, o chefe
da gangue, o militar e ex-ministro da Defesa Braga Netto e o civil e
ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Meia dúzia de outras figuras, com ou
sem farda, completam o núcleo subversivo. Qual será o destino deles?
Alexandre de Moraes escolheu um machete
afiado para julgar os mais notórios entre os culpados inúteis do 8 de janeiro,
a areia grossa do caminhão bolsonarista. O relator somou cinco crimes,
inclusive dois que significam essencialmente a mesma coisa: tentativa de golpe
de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito. Da
interpretação legal implacável emergiram sentenças de até 17 anos de prisão.
Não faltam juristas que enxergam excesso: justiça exemplar, um outro nome para
o desvio político da justiça.
Mas, a partir desse precedente, o que fazer
com os líderes do golpe de verdade, que não são feios, sujos e malvados, mas
componentes da fina flor das elites militar e política? A regra universal da
proporcionalidade solicita sentenciá-los a penas bem mais longas que as dos
palermas sem sobrenome do 8 de janeiro, sonsos capazes de produzir fotos e
vídeos de seus próprios atos de vandalismo.
Os julgamentos dos líderes do golpe dirão
quem somos, como nação, ou ao menos iluminarão a natureza de nosso sistema
judicial. Só sentenças duras –mais pesadas que as dos apenados do 8 de janeiro–
obedecerão ao requisito inegociável da igualdade perante a lei. A finalidade
delas não será promover vingança ou exemplo, mas dissuasão: inflacionar o custo
do planejamento da derrubada da ordem democrática até o patamar suficiente para
prevenir aventuras futuras.
Os presidentes vindouros devem saber o preço
de ultrapassar a fronteira da democracia. As Forças Armadas precisam aprender,
de uma vez por todas, que servem, exclusivamente, às instituições civis. O STF
não tem o direito de assar uma pizza.
Magnoli, hoje, está coberto de razão. Esqueceu por algumas horas seus preconceitos e suas mentiras.
ResponderExcluirNão,Daniel,quem esqueceu foi vc. Na verdade, vc não se esqueceu. É que o texto dele lhe serve, assim como o de Dora Kramer.
ResponderExcluirMAM
■Magnóli sempre sensacional, com poucas exceções e algum limite ideológico na abordagem de certos aspectos.
ResponderExcluir=》É bem difícil alguém que conhece tanto história, teoria política e geografia humana para comparar com Magnóli.
Este ano temos eleições municipais,se cada lado político que perdesse resolvesse quebrar as prefeituras e câmaras das cidades,haja quebradeira,as punições ficam como exemplo.
ResponderExcluir