O Estado de S. Paulo
‘Recalibrar os contornos’ do foro privilegiado para manter Bolsonaro no STF?
Assim, como não quer nada, o ministro Gilmar
Mendes levou a julgamento pelo plenário virtual do Supremo, em plena
Sexta-Feira Santa, uma questão deveras complexa sobre foro privilegiado. Por
que agora? Por que no meio do feriadão? Por que no plenário virtual? Há quem
tenha ficado com a pulga atrás da orelha: será que é para garantir que os
inquéritos de Jair Bolsonaro sejam mantidos no STF, evitando recursos em
sentido contrário? É uma dúvida.
Em 2018, o Supremo decidiu que o foro seria mantido para crimes praticados durante o exercício da função pública e relacionados a essa função, mas só enquanto o deputado, senador, ministro ou presidente da República, no caso dos que têm foro no Supremo, mantivessem o cargo. Depois, o processo cairia para a primeira instância.
Na prática, um deputado suspeito ou acusado
por crime cometido enquanto detinha o mandato na Câmara, em 2020, por hipótese,
só pode ser investigado pelo Supremo se foi reeleito em 2022. Caso tenha sido
derrotado ou eleito para cargo ou função distinta, ele perde o foro e cai para
outras instâncias.
O que Gilmar Mendes levou ao plenário virtual
foi uma mudança significativa: mesmo saindo da função onde teria cometido o
crime, a autoridade carrega consigo o foro. Em outras palavras: em vez de
privilegiar a função atual do investigado, como está, a intenção é passar a
focar no cargo ou função onde esse crime tenha sido cometido.
Vamos a Bolsonaro. Depois de perder a
reeleição em 2022, ele perdeu automaticamente o foro no Supremo. Dependendo do
resultado do pedido de Gilmar Mendes, ele recupera o foro e seus advogados não
terão como, ou terão muito mais dificuldade, para tentar tirar seus processos
da Corte – e, principalmente, das garras do relator, Alexandre de Moraes,
inimigo número 1 da família Bolsonaro.
Outra hipótese para essa tentativa do
ministro do STF de “recalibrar os contornos” do foro é a de sanar uma dúvida
quanto ao deputado Chiquinho Brazão, preso sob suspeita de ser mandante do
assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Quando o crime foi cometido, ele era vereador
e não tinha foro no Supremo. E agora? Uma linha da mudança em julgamento pode
ser a de devolver o foro para quem tem mandato, mas não cometeu o crime no
cargo.
Tudo junto e misturado, é importante
acompanhar bem, com muita atenção, essa mudança no foro privilegiado que está
novamente em discussão no Supremo, até 8 de abril. Com uma lembrança
importante: depois da redução de foro, há seis anos, as ações contra parlamentares
no Supremo caíram 80%.
Pois é.
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