O Globo
País vive maior estabilidade cambial, mas fôlego desse cenário dependerá de Haddad conseguir segurar a deterioração das contas públicas
O comércio mundial mostra-se resiliente,
apesar das turbulências globais e do protecionismo. A guerra comercial entre
Estados Unidos e China levou ao aumento da participação de outros países que
preencheram as lacunas deixadas — foi o caso do maior embarque da soja
brasileira para a China, substituindo o produto norte-americano.
Além disso, a China segue aumentando seu peso
nas trocas mundiais. Suas importações e exportações exibem melhor desempenho do
que o total no mundo, o que reflete o crescimento do consumo das famílias (7,2%
em 2023) em ritmo superior ao do PIB (5,2%), que desacelera.
Em meio aos riscos externos, esse quadro ajuda a blindar o Brasil. O benefício vem também do lado da inflação. Se, de um lado, há sustentação aos preços de commodities, preservando a rentabilidade das exportações, de outro, afastam-se pressões inflacionárias globais.
O fluxo de mercadorias no mundo, com destaque
para as commodities, faz com que os ciclos da inflação ao produtor (ou no
atacado) sejam similares entre os países. Em outras palavras, o comportamento
da inflação mundial influencia particularmente a inflação no atacado nos
países.
Adicionalmente, nota-se grande influência da
China, por ser um importante formador de preços no mundo. A deflação no nível
do produtor na China liderou o mesmo movimento observado nos países em geral,
incluindo o Brasil.
Soma-se a isso a alta sincronizada dos juros
pelos principais bancos centrais, com vistas a combater a inflação, cujo pico
no nível do produtor ocorreu, grosso modo, entre 2021 e 2022.
Assim, reduziu-se o esforço individual de
cada banco central para controlar a inflação. Isso vale também para o Brasil.
Mas nem sempre foi assim. Nem sempre a inflação baixa lá fora nos beneficiou.
Tomando o período do regime de metas de
inflação (desde 1999), a conexão (correlação) entre a inflação ao produtor no
Brasil e no mundo (nos Estados Unidos e na China, para comparar com os países
mais relevantes) foi fraca. Pior, muitas vezes houve grande descolamento,
justamente nos períodos de alta forte do dólar puxando a inflação aqui.
Isso ocorreu de forma intensa na transição do
governo FHC para o governo Lula, pelo temor dos mercados com sua eleição em
2002; no final do governo Dilma, marcado por erros de política econômica que
ameaçaram a estabilidade inflacionária; e entre 2020 e 2021, com os equívocos
do governo Bolsonaro na pandemia, ao cuidar pouco da saúde e inflar os gastos
públicos muito além do padrão observado nos emergentes.
O quadro agora é de maior convergência entre
a inflação dentro e fora do país, fruto do zelo do Banco Central e de outros
fatores que contribuem para a maior estabilidade cambial. Mas o fôlego dessa
normalidade dependerá da expectativa de que o ministro Haddad será capaz de
segurar a deterioração das contas públicas.
Diante de tantas pressões para aumentar os
gastos, nos três poderes, e dos limites políticos para elevar a carga
tributária, essa crença passa por testes frequentes.
A intenção do diretor do BC Gabriel Galípolo
de tornar a política monetária mais previsível, sem gerar volatilidade (ele
afirmou “Let’s make Central Bank of Brazil boring for the first time”)
dependerá da sustentação da expectativa de maior disciplina fiscal adiante. Não
só para permitir uma taxa de câmbio bem-comportada, mas para garantir
expectativas inflacionárias ancoradas.
Se o governo Lula passar no teste, será mais
um passo para os juros baixos e para redução da volatilidade da economia —
muitos choques são causados pela própria gestão da política econômica,
principalmente pelos excessos fiscais e creditícios do governo, que pesam na
inflação e nos juros.
Assim, Lula poderia avançar com seu
compromisso de baratear o custo de vida, isso em um contexto de empobrecimento
das classes médias desde a recessão de 2015-16. O sonho da nova classe média,
que surgiu no governo Lula anterior, foi frustrado.
É necessário, porém, evitar os atalhos que
mais atrapalham do que ajudam. A tentação de utilizar subsídios, geralmente
ineficientes, ou a canetada, como se teme por conta da interferência na
Petrobras, está dobrando a esquina.
Que se avance paulatinamente em agendas
estruturantes para formar melhor a mão de obra, tornar a economia mais
eficiente e reduzir a carga tributária adiante.
Lendo e aprendendo.
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