quarta-feira, 13 de março de 2024

Zeina Latif - A ajuda de fora é bem-vinda, mas insuficiente para a economia brasileira

O Globo

País vive maior estabilidade cambial, mas fôlego desse cenário dependerá de Haddad conseguir segurar a deterioração das contas públicas

O comércio mundial mostra-se resiliente, apesar das turbulências globais e do protecionismo. A guerra comercial entre Estados Unidos e China levou ao aumento da participação de outros países que preencheram as lacunas deixadas — foi o caso do maior embarque da soja brasileira para a China, substituindo o produto norte-americano.

Além disso, a China segue aumentando seu peso nas trocas mundiais. Suas importações e exportações exibem melhor desempenho do que o total no mundo, o que reflete o crescimento do consumo das famílias (7,2% em 2023) em ritmo superior ao do PIB (5,2%), que desacelera.

Em meio aos riscos externos, esse quadro ajuda a blindar o Brasil. O benefício vem também do lado da inflação. Se, de um lado, há sustentação aos preços de commodities, preservando a rentabilidade das exportações, de outro, afastam-se pressões inflacionárias globais.

O fluxo de mercadorias no mundo, com destaque para as commodities, faz com que os ciclos da inflação ao produtor (ou no atacado) sejam similares entre os países. Em outras palavras, o comportamento da inflação mundial influencia particularmente a inflação no atacado nos países.

Adicionalmente, nota-se grande influência da China, por ser um importante formador de preços no mundo. A deflação no nível do produtor na China liderou o mesmo movimento observado nos países em geral, incluindo o Brasil.

Soma-se a isso a alta sincronizada dos juros pelos principais bancos centrais, com vistas a combater a inflação, cujo pico no nível do produtor ocorreu, grosso modo, entre 2021 e 2022.

Assim, reduziu-se o esforço individual de cada banco central para controlar a inflação. Isso vale também para o Brasil. Mas nem sempre foi assim. Nem sempre a inflação baixa lá fora nos beneficiou.

Tomando o período do regime de metas de inflação (desde 1999), a conexão (correlação) entre a inflação ao produtor no Brasil e no mundo (nos Estados Unidos e na China, para comparar com os países mais relevantes) foi fraca. Pior, muitas vezes houve grande descolamento, justamente nos períodos de alta forte do dólar puxando a inflação aqui.

Isso ocorreu de forma intensa na transição do governo FHC para o governo Lula, pelo temor dos mercados com sua eleição em 2002; no final do governo Dilma, marcado por erros de política econômica que ameaçaram a estabilidade inflacionária; e entre 2020 e 2021, com os equívocos do governo Bolsonaro na pandemia, ao cuidar pouco da saúde e inflar os gastos públicos muito além do padrão observado nos emergentes.

O quadro agora é de maior convergência entre a inflação dentro e fora do país, fruto do zelo do Banco Central e de outros fatores que contribuem para a maior estabilidade cambial. Mas o fôlego dessa normalidade dependerá da expectativa de que o ministro Haddad será capaz de segurar a deterioração das contas públicas.

Diante de tantas pressões para aumentar os gastos, nos três poderes, e dos limites políticos para elevar a carga tributária, essa crença passa por testes frequentes.

A intenção do diretor do BC Gabriel Galípolo de tornar a política monetária mais previsível, sem gerar volatilidade (ele afirmou “Let’s make Central Bank of Brazil boring for the first time”) dependerá da sustentação da expectativa de maior disciplina fiscal adiante. Não só para permitir uma taxa de câmbio bem-comportada, mas para garantir expectativas inflacionárias ancoradas.

Se o governo Lula passar no teste, será mais um passo para os juros baixos e para redução da volatilidade da economia — muitos choques são causados pela própria gestão da política econômica, principalmente pelos excessos fiscais e creditícios do governo, que pesam na inflação e nos juros.

Assim, Lula poderia avançar com seu compromisso de baratear o custo de vida, isso em um contexto de empobrecimento das classes médias desde a recessão de 2015-16. O sonho da nova classe média, que surgiu no governo Lula anterior, foi frustrado.

É necessário, porém, evitar os atalhos que mais atrapalham do que ajudam. A tentação de utilizar subsídios, geralmente ineficientes, ou a canetada, como se teme por conta da interferência na Petrobras, está dobrando a esquina.

Que se avance paulatinamente em agendas estruturantes para formar melhor a mão de obra, tornar a economia mais eficiente e reduzir a carga tributária adiante.

 

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