O Globo
Rio e São Paulo, duas metrópoles acossadas
pela violência e pelo crack
Com aquela habitual esperteza de sindicalista de resultados, Lula da Silva busca transformar as eleições municipais numa espécie de terceiro turno. Bolsonaro, fraquejado atrás das orações de Michelle, agradece. Para Rio e São Paulo, duas metrópoles acossadas pela violência e pelo crack, com muitas franjas sob o domínio de diferentes franquias criminosas, o banal lero-lero de ambos não dá camisa a ninguém. Dos dois extremos, por trás de uma verborragia de frases feitas, sobressaem descaso e despreparo diante de uma realidade áspera e cada vez mais desumana.
Atormentado com o miasma da cana dura, e
ouvindo vozes, Bolsonaro ainda não produziu, em nenhuma das duas cidades, um
candidato do seu coração desfibrado. Alexandre Ramagem, no Rio, corre
desesperadamente da cela, para não ser obrigado a dividir a escova de dente com
o chefe; Ricardo Salles, em São Paulo, debateu-se histericamente como um
afogado — e morreu no pasto. De seu lado da moeda, Lula preferiu praticar
maldades e humilhou Marta Suplicy com o convite para ser vice de Guilherme
Boulos, do PSOL. A ex-prefeita engoliu a seco as acusações de corrupção antes
dirigidas ao PT e, tal a metamorfose ambulante copiada a Lula, mandou uma
banana à coerência e à militância. Logo ofereceu uma refeição ao companheiro de
chapa.
A esta altura, o prezado leitor poderia me
perguntar: o que tais senhores e senhoras (desculpe a gasta deferência), sem
ser a reza, propõem de fato às nossas cidades? Com a sinceridade aprendida na
arquibancada, responderia: não sei. Mas, infelizmente, não carregaria qualquer
arrependimento com a confessada ignorância. Pela banal razão de que nenhum
deles, a palo seco, sabe o que fazer para melhorar a qualidade do asfalto ou
elevar ao estágio humano os motoqueiros de aplicativos — acho que ouvi vindo do
PT a proposta de arrancar de todos eles uma… contribuição sindical!
Estamos sós.
A história do comunismo de um lado e de outro
a extrema direita desde criancinha, toda essa bobajada, mais seus altíssimos
impostos, apenas deixam a população com as mãos para o alto. Antes metrópoles
referenciais, como faróis de uma modernidade e de uma alegria contagiantes, Rio
e São Paulo agora esvanecem — e à sociedade é dado escolher… entre esquerda ou
extrema direita! Como se apenas semelhante simplicidade anêmica trouxesse
soluções para a quantidade de mendigos nas ruas. Acho que ouvi vindo do PT a ideia
de isenção de impostos aos carros populares — socorro! Outro idoso foi
atropelado na calçada, esburacada e estreita, por uma bicicleta elétrica.
Em tempos diversos, várias cidades já
enfrentaram decadência, estiveram sob a ameaça do crime e de governantes
ociosos — e não foi apenas Gotham City. Algumas se salvaram; muitas outras, na
verdade a maioria delas, feneceram. Seria útil a leitura do fenomenal
“Metrópole — A história das cidades, a maior invenção humana”, de Ben Wilson,
recém-lançado no Brasil. Ali surgem o esplendor e glória de ícones como Bagdá
(onde surgiu a primeira fábrica de papel do mundo), Alexandria (com seu acervo
da sabedoria antiga) e Atenas (com as escolas de filosofia). Primeiro como
centros de inteligência e criatividade, mas depois entregues ao acaso e ao
esquecimento sob reiteradas políticas causadoras de esvaziamento e abandono. Na
Idade Média, lembra o autor, 19 das 20 maiores cidades eram muçulmanas ou
integravam o império chinês. Apenas Constantinopla, hoje Istambul, escapava de
tal perfil. Era católica.
Roma, a primeira cidade a alcançar 1 milhão
de habitantes na História humana, para depois minguar até 100 mil almas,
experimentou a decadência e então o renascimento. Nem todas tiveram a mesma
sorte. Londres (basta ler Dickens) e Nova York (está em “Taxi driver”) já
viveram o caos urbano e o descontrole da criminalidade. Superaram e hoje
enfrentam outros problemas, agora trazidos pela riqueza e pelo mimetismo, como
congestionamentos ou alto custo de vida.
Em meados do século XVIII, o Rio Tâmisa, em
Londres, transformara-se num esgoto a céu aberto. Porque a sociedade cobrou,
foi recuperado nas últimas décadas. Não chega a ser potável, mas crianças nadam
em suas águas sem mais doenças. Nas cidades brasileiras, mesmo as menores,
normalizou-se o roubo de celulares. Como também a falta de creches ou as mortes
por enchentes no Rio ou São Paulo — socorro! Acho que não ouvi nenhuma solução
vinda de lá ou de cá.
Estamos sós.
Há muito que não vejo uma crônica tão bem feita, sabiamente crítica, de humor áspero e ferino, como deve ser.
ResponderExcluirChegou a lembrar-me Nelson Rodrigues, rapidamente.
Pena que dolorida, e dolorosa, verdadeiramente!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirExcelente texto! Mas o colunista erra num ponto: Ricardo Salles não morreu no pasto. Ele ainda segue pastando e tentando passar o restante da sua boiada! Ele tem que ser levado prum confinamento de segurança máxima, já que não podemos usá-lo pra alimentar os morcegos hematófagos (ele iria intoxicá-los).
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