sexta-feira, 1 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ministério Público não pode defender regalias

Folha de S. Paulo

Conselho que deveria fiscalizar e disciplinar age como órgão corporativo em temas como o do auxílio-moradia

Toda atenção é pouca quando um órgão com o histórico do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) edita portarias e resoluções que versam sobre pagamentos a promotores e procuradores.

No papel, a instituição surgiu para incrementar a fiscalização administrativa e disciplinar do Ministério Público; na prática, sua conduta se distingue pouco daquela esperada de uma entidade corporativa.

Em novembro passado, por exemplo, o conselho lutou contra a transparência e dificultou a busca de dados sobre remuneração de membros do Ministério Público.

Anos antes, fez ainda pior: autorizou que a licença-prêmio fosse convertida em pecúnia, uma medida que, de 2019 a 2022, custou R$ 439 milhões aos cofres públicos.

E o que dizer do auxílio-moradia? Em 2014, uma decisão provisória do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu a ajuda de custo a todos os juízes federais, pouco importando o local em que trabalhassem.

Como se pode imaginar, não tardou para a regalia ser estendida a todos os magistrados brasileiros. Diante dessa escalada esdrúxula, como reagiu o Ministério Público? Enfrentou a mamata? Não: pediu para se refestelar na pândega.

Agora o CNMP se vê mais uma vez às voltas com o auxílio-moradia. Ainda que a distribuição indiscriminada dessa benesse tenha sido encerrada em 2018, sempre parece haver alguém disposto a explorar as brechas legais.

No fim de 2023, Elizeta Ramos, então na condição interina de procuradora-geral da República, resolveu ampliar o valor máximo do benefício, elevando-o de R$ 4.377 para pouco mais de R$ 10 mil mensais.

Em 5 de fevereiro deste ano, o titular do cargo, Paulo Gonet, repetiu a canetada. No mesmo dia, porém, baixou outra ordem, determinando que o teto do auxílio seria de R$ 4.377. Eis que, menos de duas semanas depois, o valor mudou de novo e passou para R$ 5.691.

Seja qual for a cifra, nenhuma faz muito sentido. Membros do Ministério Público são a elite salarial do funcionalismo e não precisam de ajuda de custo. Seus contracheques com frequência ultrapassam o limite constitucional, porque somam regalias aos vencimentos.

Apesar do absurdo patente, há quem defenda os enormes gastos com o sistema judicial brasileiro. É o caso do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, para quem soa irrelevante o fato de o Brasil deter o custo recorde entre 53 países analisados pelo Tesouro Nacional.

Como a atuação do CNMP atesta, muito desse custo decorre de privilégios injustificáveis, garantidos por sequências tão tortuosas que a sociedade às vezes nem sabe se a confusão esconde alguma trama ou se revela certa incompetência.

O lago da Otan

Folha de S. Paulo

Entrada da Suécia consolida renovação da aliança gerada pela invasão da Ucrânia

Em 2014, apenas 3 dos então 28 membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte cumpriam a meta estabelecida pela aliança militar liderada pelos Estados Unidos de gastar ao menos 2% do seu PIB com o setor de defesa.

O grupo fundado em 1949 para conter a União Soviética na Europa vivia uma crise existencial, evidenciada depois pelos ataques que sofreu durante a Presidência de Donald Trump —levando o líder francês Emmanuel Macron a decretá-la sob "morte cerebral" em 2020.

As intervenções a pedido dos EUA no Afeganistão e na Líbia se provaram desastrosas, mas Vladimir Putin, ao invadir a Ucrânia, forneceu há dois anos o roteiro para a renovação da missão da Otan.

A contínua expansão da organização militar a leste do continente europeu após a Guerra Fria foi usada por Moscou como justificativa para a tensão recente.

Coroa o processo a adesão de dois países nórdicos, Finlândia e Suécia, ao grupo. Helsinque foi admitida já no ano passado, e só nesta semana a russófila Hungria aprovou a entrada de Estocolmo, selando a unanimidade necessária entre membros para o ingresso.

Quando celebrar seus 75 anos, na cúpula de julho, a Otan será outra em relação àquela de dez anos atrás. Cumprirão a meta de gasto 18 dos seus agora 32 membros.

Trump, candidato a voltar à Casa Branca, provocou o clube ao dizer que não protegeria membros "inadimplentes". Grosseria perigosa, mas à qual diversos líderes europeus passaram recibo.

Se a Finlândia adicionou um Exército respeitável e dobrou as fronteiras da aliança com a Rússia, testemunho de uma derrota estratégica para Putin, a Suécia entra com alta tecnologia militar e o fim de 200 anos de neutralidade.

Pela primeira vez o mar Báltico está todo margeado por aliados contrários aos russos, tornando-se o proverbial lago da Otan a cercear os movimentos do Kremlin.

A escalada militar é inevitável em termos geopolíticos, mas, a depender do ponto de vista, eleva o risco e um confronto. Putin falou disso nesta quinta (29), ao afirmar que um embate com a Otan resultaria nuclear, portanto apocalíptico.

Lula extrapola suas atribuições ao tentar intervir na Vale

O Globo

Custa caro ao Brasil a ideia, disseminada no PT, de que o Estado deve comandar tudo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai além do razoável na pressão para tentar alinhar ao Palácio do Planalto a mineradora Vale, uma empresa privada. Depois de fracassar na tentativa de indicar o economista Guido Mantega para comandar a empresa, Lula afirmou: “A Vale não pode pensar que é dona do Brasil. As empresas brasileiras precisam estar de acordo com o entendimento de desenvolvimento do governo brasileiro”. O presidente está enganado.

Por definição, empresas privadas têm compromisso com seus acionistas, clientes, funcionários e comunidades onde atuam. O setor privado não tem obrigação de dizer amém ao partido no poder. E o governo não detém participação acionária para promover qualquer tipo de ingerência na Vale.

A explicação para a naturalidade com que Lula tenta pressionar o conselho de administração da mineradora, prestes a decidir quem comandará a empresa nos próximos anos, é a ideia prevalente no PT de que o Estado deve mandar em tudo, ainda que em desafio ao mercado ou à realidade da economia.

Tal visão também fica evidente na atual gestão da Petrobras. Seguindo à risca as instruções do Planalto de “ajudar no crescimento”, o presidente da estatal, Jean Paul Prates, ampliou investimentos em áreas duvidosas, como refino ou exploração terrestre, interrompendo um programa exitoso de venda de ativos.

Num clima de desconfiança dos investidores, bastou uma declaração infeliz dele sobre a política de dividendos para a Petrobras perder R$ 35,3 bilhões em valor de mercado. Apesar de a maioria dos acionistas da empresa ser privada, o governo se comporta como se ela fosse 100% estatal. Em administrações anteriores do PT, essa visão do Estado como condutor do crescimento abriu espaço a escândalos de corrupção e causou imenso prejuízo.

O mandato do atual presidente da Vale, Eduardo Bartolomeo, acaba em maio, e Lula já deixou claro que é contra sua recondução ao cargo. A mensagem implícita em suas críticas à mineradora é: “Atendam aos desejos do presidente ou terão o governo como inimigo”. Em seu ataque recente, Lula fez menção a lugares onde a mineradora precisa lidar com passivos ambientais. Esse é um assunto que cabe à Justiça e a outras instituições responsáveis, não ao presidente. Seria um absurdo se a frustração dos desejos de Lula resultasse em punições descabidas na esfera regulatória.

A pressão indevida sobre a Vale atinge todas as empresas brasileiras de capital aberto. O governo federal e as instituições sob sua influência não deveriam intervir nas decisões de nenhuma empresa privada. O simples fato de tal movimentação acontecer enfraquece a imagem do Brasil. Se Lula tiver sucesso na pressão, o estrago será maior. Ficará, aos olhos do mercado, demonstrado que, por aqui, as leis que regem o controle das empresas pouco valem diante da vontade e dos caprichos de quem está no poder.

Num passado não tão distante, quando o governo detinha fatia maior do capital da Vale, administrações petistas não se furtaram a intervir na empresa. A pressão na Vale e a intervenção na Petrobras são retrocessos que já cobram seu preço.

TSE acerta ao estabelecer normas para uso de IA nas eleições deste ano

O Globo

Diante da omissão do Congresso, manipulação de vídeos e áudios poderia desorientar os eleitores

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) faz bem ao impor desde já normas específicas sobre o uso da inteligência artificial (IA) e disseminação de desinformação nas eleições municipais deste ano. Diante da omissão do Congresso para regulamentar tais questões, era urgente estabelecer limites para que as campanhas não se transformem numa guerra para enganar o eleitor em vez de orientá-lo. Não há dúvida de que a manipulação de vídeos e áudios, com ajuda de ferramentas de IA que os tornam verossímeis, pode transformar num caos a vida dos cidadãos e o trabalho das autoridades eleitorais.

Um dos aspectos mais relevantes das resoluções aprovadas pelo TSE é determinar que as plataformas digitais removam conteúdos “sabidamente inverídicos”, mesmo sem decisão judicial prévia. Pelas novas normas, as plataformas ficarão responsáveis por tomar medidas que impeçam a publicação de informação irregular e terão de retirar imediatamente conteúdos que ataquem a democracia ou promovam discursos de ódio (como racismo, homofobia, nazismo etc.). Do contrário, serão responsabilizadas.

As maravilhas proporcionadas pela IA também passam a ter regras claras nas eleições. A manipulação digital de vídeos e áudios conhecida como deepfake —como a simulação de discursos que um candidato não fez ou a criação de imagens que não existem — está proibida. Não será permitido lançar mão de robôs para intermediar contato com eleitores. O uso de IA precisará ser feito com transparência. As campanhas serão obrigadas a informar de forma explícita quando a ferramenta for usada na propaganda.

Não se sabe o impacto que o avanço das novas tecnologias terá sobre os pleitos municipais deste ano, especialmente num ambiente polarizado. Mas pode-se prever. Nas eleições para a Presidência da Argentina, no ano passado, as campanhas dos então candidatos Javier Milei e Sergio Massa usaram e abusaram dos efeitos deletérios das deepfakes para atacar o adversário da forma mais sórdida possível. Em 2022, ainda sem os recursos hoje disponíveis, a corrida ao Palácio do Planalto já foi marcada por uma guerra suja, com muita acusação e poucas propostas. Tudo leva a crer que o clima de conflagração se repetirá neste ano na escolha de prefeitos e vereadores.

Estabelecer normas sensatas não garante que elas serão respeitadas. Mas as campanhas precisam ter em mente que correrão risco ao ignorá-las. Quem recorrer a deepfakes em suas propagandas poderá ser punido com cassação do registro ou mesmo do mandato.

No vácuo legislativo, as resoluções do TSE para as eleições municipais representam um avanço, por tentar lidar com o mundo de hoje. O uso de inteligência artificial nas redes é uma realidade e, se não há como impedi-lo, o melhor é estabelecer regras para enquadrá-lo, antes que os eleitores fiquem perdidos sem saber o que é realidade e o que é ilusão.

Queda de matrículas evidencia atraso das reformas do ensino

Valor Econômico

Além de melhorar a qualidade do ensino, governo precisa avançar na oferta de vagas para o ensino técnico-profissionalizante e definir a reforma do ensino médio

O primeiro ano do governo Lula não foi positivo para a educação. Caiu o número de matrículas em todas as etapas do ensino básico, e a evasão escolar aumentou. A reforma do ensino médio empacou e o Plano Nacional da Educação (PNE) também rateia. Mais do que boa vontade, será necessário um esforço extra para tocar os projetos em frente e agilizar as mudanças prometidas para reverter esse quadro.

O Censo Escolar de 2023 divulgado na semana passada mostrou queda de 0,2% nas matrículas no ensino básico, de 47,4 milhões em 2022 para 47,3 milhões no ano passado. A redução se concentrou nas escolas públicas, que perderam cerca de 500 mil alunos, para 37,9 milhões, um recuo equivalente a 1,3%. Já as escolas privadas registraram aumento de 4,7% nas matrículas, para 9,4 milhões de estudantes.

O governo apressou-se em explicar que as famílias que matricularam seus filhos nas escolas públicas durante a pandemia estavam voltando para as instituições privadas. Mas a realidade é que essa conta não fecha. Além disso, antes da pandemia, em 2019, o número de estudantes do ensino básico era de 47,9 milhões, 600 mil a mais do que os matriculados no ano passado. O ministro da Educação, Camilo Santana, falou também do aumento da evasão escolar, que se estima em 450 mil alunos por ano no ensino médio.

A maior queda de matrículas ocorreu na Educação de Jovens e Adultos (EJA), de 6,9%, para 2,6 milhões, o menor número em 11 anos. Conhecida como a última oportunidade para quem não completou o ensino fundamental ou o médio na idade adequada, a EJA vê queda nos números de matriculados desde 2018. Houve recuo de matrículas também nas outras etapas da educação. No ensino fundamental, foi de 1,5%, para 26,1 milhões de matrículas em comparação com 26,5 milhões em 2022. No ensino médio, considerado mais desafiador pelos estudantes, a queda de matrículas foi de 2,4%, para 7,7 milhões.

Do lado positivo, as matrículas na educação infantil aumentaram 4,8%, notadamente na pré-escola. O crescimento das matrículas em creches, para crianças de até 3 anos de idade, foi de 4,7%, somando 4,1 milhões de crianças. Mas o número ainda está longe da meta de oferecer 5 milhões de vagas neste ano, previsto no PNE. A procura pelo ensino integral e profissionalizante também aumentou. No caso do ensino integral, as matrículas cresceram tanto no ensino fundamental quanto no médio, caso em que o índice foi de 21,9%.

O crescimento mais surpreendente foi o da demanda pelo ensino profissionalizante. As matrículas aumentaram 9,1% em 2023, para 2,4 milhões, em comparação com 2,2 milhões em 2022. Isso representa 11% das matrículas do ensino médio. O percentual certamente seria maior se houvesse mais vagas. Pesquisa feita pelo Ministério da Educação e Cultura mostrou o interesse de 80% dos jovens pela modalidade. A Lei 14.645, que estabelece diretrizes para o ensino profissionalizante, foi aprovada em julho de 2023 e sancionada em agosto, mas até agora aguarda regulamentação.

Outra questão urgente a ser encarada é a reforma do ensino médio, que começou a ser aplicada em 2022, mas foi suspensa em abril do ano passado porque, segundo o MEC, é questionada por alunos e professores. A “reforma da reforma” foi apresentada em outubro no Projeto de Lei 5.320, que redefine a Política Nacional de Ensino Médio, e está em análise na Câmara. Enquanto o projeto não anda, a vida de quase 8 milhões de estudantes do ensino médio fica em suspenso.

A maior oferta de ensino técnico-profissionalizante e a definição das regras do ensino médio fazem parte da solução de um dos piores problemas da educação no país, que é a evasão escolar. Enquanto não leva adiante essas questões, o governo recorre a um paliativo, o programa Pé de Meia, que instituiu estímulos financeiros para combater a evasão no ensino médio e incentivar a participação do Enem. O governo estima que 2,5 milhões de estudantes poderão ser beneficiados, ao custo anual de cerca de R$ 7 bilhões.

Ao falar sobre o programa, o presidente Lula justificou que a maior evasão escolar é no ensino médio. “Os meninos não gostam de fazer o curso inteiro e estamos tentando fazer os meninos se motivarem”, disse. Nesse ponto, o presidente se equivocou. Pesquisa feita pelo IBGE, em 2019, com pessoas de 14 a 29 anos e nível de instrução inferior ao ensino médio constatou que 39,1% deixaram a sala de aula pela necessidade de trabalhar e 29,2% pela falta de interesse.

É preciso também melhorar a qualidade do ensino. Na edição de 2022 do Pisa, que é aplicado exatamente a alunos do ensino médio, os brasileiros tiveram nota média 379 em matemática, 20% menor do que a média obtida pelos estudantes dos 81 países que participaram da prova da OCDE. Os brasileiros também ficaram atrás em leitura e ciência.

Aproximadamente 70 milhões de brasileiros não concluíram a educação básica, o que significa 35% da população, com impacto significativo na produtividade. A educação é mais eficiente a longo prazo para reduzir as desigualdades do que os benefícios sociais. Mais importante que a ajuda financeira para estimular o estudante a frequentar o ensino médio é oferecer uma educação que atraia o jovem e que realmente o ajude a se integrar ao mercado de trabalho.

Lula não é dono do Brasil

O Estado de S. Paulo

O demiurgo petista diz que a Vale ‘não pode pensar que é dona do Brasil’, mas é ele quem não pode achar que o Brasil e suas maiores empresas privadas devem se submeter a suas vontades

O presidente Lula da Silva expôs sua real visão sobre a forma como as empresas privadas devem atuar no País: submetendo-se integralmente às suas vontades. Mais uma vez, a vítima foi a Vale, alvo de pressão desbragada do governo para emplacar um aliado em seu comando.

“A Vale não pode pensar que é dona do Brasil. Ela não pode pensar que pode mais do que o Brasil. Então, o que nós queremos é o seguinte: as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É só isso que nós queremos”, afirmou Lula da Silva em entrevista à Rede TV!. “Só isso”, nada mais.

Pela espontaneidade da declaração, o presidente parece não ter se dado conta do absurdo que defendeu. Já seria suficientemente ruim se isso estivesse ocorrendo em qualquer companhia privada, mas a ofensiva que ocorre a olhos vistos se dá naquela que é a terceira maior empresa brasileira em valor de mercado e uma das maiores mineradoras do mundo.

Lula não tem legitimidade para participar do processo sucessório da Vale – e tem plena consciência de sua impotência nesse caso. Assim como toda a sociedade, o petista sabe que a Vale não apenas foi privatizada há quase 27 anos, como também teve o controle acionário pulverizado em 2020 – ou seja, não tem um dono definido ou um acionista com participação suficiente para impor seus interesses aos demais.

A participação da Previ – fundo de pensão que, é bom que se diga, não pertence ao governo nem a Lula, mas aos funcionários do Banco do Brasil – é de apenas 8,7% do capital da Vale, o que lhe garante 2 dos 13 assentos do Conselho de Administração. Assim, ao petista, só resta constranger o restante do colegiado, a quem cabe a decisão de manter ou substituir o atual presidente da companhia, Eduardo Bartolomeo. Seu mandato vence em maio, e a pressão do petista foi suficiente para travar a sucessão e rachar o conselho ao meio.

Pela forma como o presidente se sente à vontade para cobrar a companhia, seria de imaginar que o País esteja em posição de dispensar empresas interessadas em investir no País. Se Lula da Silva faz isso com uma das poucas empresas brasileiras com capacidade para competir globalmente, que tipo de tratamento devem esperar as companhias estrangeiras que hesitam – com razão – em aportar recursos no Brasil?

É quase inacreditável que Lula invista contra um dos setores mais pujantes da economia brasileira e que contribui diretamente para a exuberância das contas externas. A indústria mineral exportou quase US$ 43 bilhões no ano passado e gerou um superávit comercial de US$ 31,95 bilhões, quase um terço do saldo da balança comercial no ano passado, de US$ 98,8 bilhões.

Tão fundamental para os bons resultados das contas externas foi o setor de petróleo. Também aí, o alvo é uma das maiores empresas do mundo e a maior do País. Nesse caso, a culpa foi do presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates, que, em entrevista à Bloomberg, disse que a política de distribuição de dividendos será mais cautelosa para favorecer investimentos em energia renovável.

Não é o que parece – ao contrário. Foi o próprio Jean-Paul Prates quem anunciou que a Petrobras voltará a ter participação na Refinaria de Mataripe, na Bahia, vendida há menos de três anos. E foi também o ex-senador quem anunciou, ao lado do presidente Lula, a retomada das obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, empreendimento que, como poucos, simboliza os equívocos e a corrupção da era petista.

Mas a incoerência é apenas aparente. Lula está fazendo exatamente o que dele se esperava em seu terceiro mandato. Sente-se completamente livre para reeditar as políticas intervencionistas que adotou no passado, ignorando que venceu a disputa eleitoral de 2022 por uma diferença de apenas 2,1 milhões de votos e somente porque uma parte da sociedade não tinha mais estômago para suportar o ex-presidente Jair Bolsonaro.

A Vale não é a dona do Brasil, mas a empresa nunca reivindicou essa condição. Já Lula parece, ele sim, achar que o Brasil e suas empresas privadas devem se submeter às suas vontades.

Democracia, o esteio da economia

O Estado de S. Paulo

Aniversário de 30 anos da URV, base do Real, serve para lembrar que a democracia ajudou a manter a estabilidade como um bem da sociedade – e políticos que a ameaçam são punidos nas urnas

Hoje, 1.º de março, completam-se 30 anos da entrada em vigor da Unidade Real de Valor, conhecida como URV – a inovação monetária que abriu o caminho para a chegada do real e permitiu ao Brasil estabilizar sua moeda e vencer a inflação. Ali começava oficialmente o Plano Real, o mais bem-sucedido plano de estabilização e ponto de partida do mais longevo período de avanço social e econômico em nossa história. Num país que conviveu com planos de curto prazo, populismos de toda ordem e sucessos seguidos de descontinuidade e fracasso, o Plano Real atravessou mandatos de seis presidentes de diferentes colorações ideológicas e partidárias, enfrentou turbulências e superou o risco de políticas irresponsáveis ocasionalmente adotadas em períodos anteriores às eleições. Mas manteve a essência da estabilização de preços e da permanência de um mesmo padrão monetário, dois feitos notáveis para um país que chegou a ter quatro moedas em apenas oito anos.

Essa longeva estabilidade, a despeito dos momentos de riscos, é fruto de dois fatores essenciais, que devem ser reafirmados no presente e no futuro. Um, mais evidente, é a qualidade da concepção e da execução do Plano Real. Liderado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, aquele admirável grupo de economistas – entre os quais André Lara Resende, Persio Arida, Edmar Bacha, Gustavo Franco e Pedro Malan – corrigiu os erros dos fracassados planos anteriores, invariavelmente ancorados em congelamentos de preços, e tornou o plano um impulso para reformas modernizantes, sem as quais os riscos de insucesso seriam maiores.

O segundo fator é de natureza política e menos notada até aqui: a democracia foi a força que manteve a economia nos trilhos nesses 30 anos. Coube à democracia ser a sustentação para que a estabilidade dos preços se tornasse um bem da sociedade brasileira, um dos pilares de seu funcionamento, e os políticos que ousam ameaçá-la costumam ser punidos nas urnas. Essa dinâmica democrática como segredo do sucesso e da longevidade do Plano Real foi destacada esta semana pelo economista Persio Arida, em entrevista ao jornal Valor Econômico. “Uma estabilidade de preços é um valor do povo brasileiro. O governante sabe que, se der inflação, ele estará politicamente morto”, disse.

Juntamente com André Lara Resende, Persio Arida foi autor do texto teórico que deu origem ao Real, o chamado “Plano Larida”. Foi nesse trabalho, publicado em 1984, que ambos pensaram a ideia de um plano capaz de romper a dinâmica de alta de preços criando um sistema de duas moedas: a antiga, inflacionada, e uma nova, que teria seu valor corrigido diariamente. No Plano Real, a moeda corrigida foi a URV, como uma unidade de valor que transplantaria a economia da moeda anterior para o real, a nova moeda que seria formalmente instituída em julho de 1994. Salários, benefícios previdenciários e contratos do setor público foram convertidos em URVs e, assim, tiveram seu valor protegido contra a inflação, enquanto os preços seguiram na moeda antiga. O ex-ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen definiria a URV como “o mais genial e criativo invento de nossa história econômica”.

Mesmo genial e criativo, um invento não se sustenta no tempo sem condições políticas para tal, e sem lideranças capazes de apoiá-lo. Razões pelas quais a dinâmica democrática é tão fundamental, conforme sublinhou Arida. Como ele lembrou, a inflação foi de 12% a 200% ao ano durante a ditadura militar sem que houvesse nenhum plano de estabilização para controlá-la. Isso seria improvável em contextos democráticos, pois o controle da inflação tornou-se um sistema de pressão sobre os políticos. Ninguém quer ver repetir o flagelo que atormentou o País durante décadas, registrou picos de até 2.500% ao ano e puniu especialmente os mais pobres.

Lideranças lulopetistas de memória curta volta e meia tentam desacreditar essa conquista – não custa lembrar que, de olho nas eleições, apenas Lula e o PT foram contra o Plano Real. Mas são rejeitados por uma premissa essencial do nosso tempo: não se trata mais de uma escolha, e sim de uma imposição do Brasil democrático.

Veto a artimanhas digitais

O Estado de S. Paulo

O TSE age bem ao limitar o uso da inteligência artificial na campanha eleitoral deste ano

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tentou adequar as normas para o pleito municipal deste ano ao desafio da desinformação gerada pela tecnologia digital. Por unanimidade, o colegiado aprovou resolução para proibir as propagandas eleitorais de candidatos e de partidos políticos de se valerem de instrumentos como o deepfake para manipular imagens, áudios e informações. Em outro dos 12 textos avalizados no último dia 27, a Justiça Eleitoral determinou às campanhas a rotulação de todos os conteúdos produzidos por meio da inteligência artificial. O passo tomado pela Justiça Eleitoral é significativo para tentar coibir os efeitos de artimanhas digitais sabidamente nocivas nos resultados das disputas eleitorais brasileiras.

O pacote aprovado pelo TSE aprimora as regras do jogo eleitoral no País ao atentar para o fato de que, com a inteligência artificial, a desinformação atingiu possibilidades antes impensáveis para iludir e manobrar o eleitor. A nova regulação não se atém apenas ao risco de impulsionar digitalmente uma candidatura em detrimento de outras. Vai além, ao evitar que mensagens antidemocráticas, racistas, homofóbicas e fascistas atinjam o público-alvo com um potencial sem precedentes de convencimento. Em resumo, trata-se de um esforço necessário para a proteção do Estado de Direito brasileiro.

Obviamente, o esforço regulatório do TSE não produz uma panaceia. O elevado grau de criatividade dos que se dispõem a fazer mau uso da inteligência artificial em prol de seus objetivos eleitorais, a evolução expedita dessa tecnologia e as brechas ainda presentes exigirão aperfeiçoamento contínuo dessas novas regras – talvez, até mesmo para as eleições municipais de outubro. Os limites para a atuação do TSE são identificados nesse mesmo conjunto de resoluções.

O principal deles diz respeito às plataformas de redes sociais, vetores preferenciais da desinformação nos últimos pleitos. Como o marco legal sobre a atuação das empresas do setor – com punições previstas – continua dormente no Congresso, a Justiça Eleitoral não terá dentes para sancionar as que publicarem conteúdos falsos e irregulares no sempre sensível período eleitoral.

Ademais, como disciplina apenas os partidos políticos e seus candidatos, a nova regulamentação não alcançará cidadãos, empresas e organizações lícitas e ilícitas dispostos a falsear conteúdos em prol de seus interesses eleitorais. Avatares e chatbots estarão proibidos na interlocução entre os protagonistas do pleito de 2024 e os eleitores. Mas nada impede que sejam usados para os mesmos fins por terceiros.

Ao expor seu voto, a ministra Cármen Lúcia, relatora das resoluções no TSE, afirmou não querer que o eleitor brasileiro tome suas decisões baseado em desinformação – que converte o voto consciente em mera ilusão. Pode parecer uma justificativa paternalista, dado que os eleitores têm sido há anos expostos aos efeitos das redes sociais. A inteligência artificial, entretanto, mudou o ambiente eleitoral ao trazer recursos de falseamento da realidade ilimitados, como observado nas eleições da Argentina no ano passado, gerando imensos desafios regulatórios para as democracias.

Preço é o que conta

Correio Braziliense

Quase 80% dos entrevistados afirmaram que sempre procuram varejistas que estão em promoção e mais de 50% disseram que frequentemente comparam o preço entre marcas que consideram adquirir

As primeiras análises sobre as tendências de bens de consumo em supermercados para este ano mostram os principais fatores que influenciam na decisão de compra dos brasileiros. Seja no varejo físico, seja no on-line, o preço ainda lidera a preferência dos consumidores, com 66% dos votos, seguido pela qualidade do produto (60,1%) e pelas promoções e descontos (59,8%). Ou seja, o custo é fator decisivo.

A pesquisa "Tendências de Bens de Consumo para 2024", realizada pela Neogrid, empresa que desenvolve soluções para gestão em consumo, em parceria com a Opinion Box, que atua na área de tecnologia para pesquisa de mercado e experiência do cliente, também destaca que, em relação ao comportamento de compra do brasileiro em diferentes estratos sociais, 75% dos entrevistados das classes A e B priorizam a qualidade, enquanto 57% das classes C, D e E demonstram atenção a esse aspecto.

Um dado marcante do levantamento é a mania que o brasileiro tem de pesquisar preços — e isso independentemente se são supermercados diferentes ou entre marcas variadas. Quase 80% dos entrevistados afirmaram que sempre procuram varejistas que estão em promoção e mais de 50% disseram que frequentemente comparam o preço entre marcas que consideram adquirir. Com a escalada dos preços dos produtos, a tendência de pechinchar está cada vez mais forte na cabeça do consumidor.Alguns supermercados, na tentativa de segurar o cliente, ainda oferecem o serviço de pagamento parcelado em até três vezes sem juros no cartão de crédito.

O estudo mostra que, enquanto a qualidade do produto é prioritária para estratos sociais mais elevados (A e B), o preço ganha ainda mais relevância entre as classes C, D e E, o que revela a necessidade cada vez maior de estratégias personalizadas para atender diferentes perfis, além de uma variedade de produtos para os mais e os menos abastados.

Quanto às promoções, a preferência dos consumidores são marcas próprias dos supermercados, que oferecem brindes e kits mais acessíveis. Nesse item, 90% afirmam incluir as melhores ofertas em seus carrinhos de compras, 80% acompanham as promoções de produtos específicos que desejam comprar e 64% comparam preços de mercados grandes e de mercados de bairro.

A pesquisa reforça ainda a tripla jornada da mulher. Observar o preço dos produtos nas prateleiras é um comportamento mais feminino que masculino: 81% das mulheres afirmam que sempre olham os valores dos itens no supermercado; já entre os homens, o índice é de 69%.

De fato, com salários que não acompanham a alta de preços, a qualidade do produto, muitas vezes, é posta de lado. A depender dos estratos sociais bem definidos, a quantia gasta será determinante por muitos e muitos anos. O brasileiro sabe muito bem como lidar com substituição de marcas ou de produtos (se o arroz está mais caro, foge para o macarrão, por exemplo), para evitar despesas além do esperado. São anos e anos sempre convivendo com a inflação e o desafio de garantir comida no prato para toda a família.

 

 

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