Ministério Público não pode defender regalias
Folha de S. Paulo
Conselho que deveria fiscalizar e disciplinar
age como órgão corporativo em temas como o do auxílio-moradia
Toda atenção é pouca quando um órgão com o
histórico do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) edita portarias e
resoluções que versam sobre pagamentos a promotores e procuradores.
No papel, a instituição surgiu para
incrementar a fiscalização administrativa e disciplinar do Ministério Público;
na prática, sua conduta se distingue pouco daquela esperada de uma entidade
corporativa.
Em novembro passado, por exemplo, o conselho
lutou contra a transparência e dificultou a busca de dados sobre remuneração de
membros do Ministério Público.
Anos antes, fez ainda pior: autorizou que a licença-prêmio fosse convertida em pecúnia, uma medida que, de 2019 a 2022, custou R$ 439 milhões aos cofres públicos.
E o que dizer do auxílio-moradia? Em 2014,
uma decisão provisória do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, concedeu a
ajuda de custo a todos os juízes federais, pouco importando o local
em que trabalhassem.
Como se pode imaginar, não tardou para a
regalia ser estendida a todos os magistrados brasileiros. Diante dessa escalada
esdrúxula, como reagiu o Ministério Público? Enfrentou a mamata? Não: pediu
para se refestelar na pândega.
Agora o CNMP se vê mais uma vez às voltas com
o auxílio-moradia. Ainda que a distribuição indiscriminada dessa benesse tenha
sido encerrada em 2018, sempre parece haver alguém disposto a explorar as
brechas legais.
No fim de 2023, Elizeta Ramos, então na
condição interina de procuradora-geral da República, resolveu ampliar o valor
máximo do benefício, elevando-o de R$ 4.377 para pouco mais de R$ 10 mil
mensais.
Em 5 de fevereiro deste ano, o titular do
cargo, Paulo Gonet, repetiu a canetada. No mesmo dia, porém, baixou outra
ordem, determinando que o teto do auxílio seria de R$ 4.377. Eis que, menos de
duas semanas depois, o valor mudou de novo e passou para R$ 5.691.
Seja qual for a cifra, nenhuma faz muito
sentido. Membros do Ministério Público são a elite salarial do funcionalismo e
não precisam de ajuda de custo. Seus contracheques com frequência ultrapassam o
limite constitucional, porque somam regalias aos vencimentos.
Apesar do absurdo patente, há quem defenda os
enormes gastos com o sistema judicial brasileiro. É o caso do ministro Luís
Roberto Barroso, do STF, para quem soa irrelevante o fato
de o Brasil deter o custo recorde entre 53 países analisados pelo Tesouro
Nacional.
Como a atuação do CNMP atesta, muito desse
custo decorre de privilégios injustificáveis, garantidos por sequências tão
tortuosas que a sociedade às vezes nem sabe se a confusão esconde alguma trama
ou se revela certa incompetência.
O lago da Otan
Folha de S. Paulo
Entrada da Suécia consolida renovação da
aliança gerada pela invasão da Ucrânia
Em 2014, apenas 3 dos então 28 membros da
Organização do Tratado do Atlântico Norte cumpriam a meta estabelecida pela
aliança militar liderada pelos Estados Unidos de gastar ao menos 2% do seu PIB
com o setor de defesa.
O grupo fundado em 1949 para conter a União
Soviética na Europa vivia uma crise existencial, evidenciada depois pelos
ataques que sofreu durante a Presidência de Donald Trump —levando o líder
francês Emmanuel Macron a decretá-la sob "morte cerebral" em 2020.
As intervenções a pedido dos EUA no
Afeganistão e na Líbia se provaram desastrosas, mas Vladimir Putin, ao invadir
a Ucrânia, forneceu há dois anos o roteiro para a renovação da missão da Otan.
A contínua expansão da organização militar a
leste do continente europeu após a Guerra Fria foi usada por Moscou como
justificativa para a tensão recente.
Coroa o processo a adesão de dois países
nórdicos, Finlândia e Suécia, ao grupo. Helsinque foi admitida já no ano
passado, e só nesta semana
a russófila Hungria aprovou a entrada de Estocolmo, selando a
unanimidade necessária entre membros para o ingresso.
Quando celebrar seus 75 anos, na cúpula de
julho, a Otan será outra em relação àquela de dez anos atrás. Cumprirão a meta
de gasto 18 dos seus agora 32 membros.
Trump, candidato a voltar à Casa Branca,
provocou o clube ao dizer que não protegeria membros "inadimplentes".
Grosseria perigosa, mas à qual diversos líderes europeus passaram recibo.
Se a Finlândia adicionou um Exército
respeitável e dobrou as fronteiras da aliança com a Rússia, testemunho de uma
derrota estratégica para Putin, a Suécia entra com alta tecnologia militar e o
fim de 200 anos de neutralidade.
Pela primeira vez o mar Báltico está todo
margeado por aliados contrários aos russos, tornando-se o proverbial lago da
Otan a cercear os movimentos do Kremlin.
A escalada militar é inevitável em termos
geopolíticos, mas, a depender do ponto de vista, eleva o risco e um confronto.
Putin falou disso nesta quinta (29), ao afirmar que um embate com
a Otan resultaria nuclear, portanto apocalíptico.
Lula extrapola suas atribuições ao tentar
intervir na Vale
O Globo
Custa caro ao Brasil a ideia, disseminada no
PT, de que o Estado deve comandar tudo
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva vai além do razoável na pressão para tentar alinhar ao Palácio do
Planalto a mineradora Vale, uma
empresa privada. Depois de fracassar na tentativa de indicar o economista Guido
Mantega para comandar a empresa, Lula afirmou:
“A Vale não pode pensar que é dona do Brasil. As empresas
brasileiras precisam estar de acordo com o entendimento de desenvolvimento do
governo brasileiro”. O presidente está enganado.
Por definição, empresas privadas têm
compromisso com seus acionistas, clientes, funcionários e comunidades onde
atuam. O setor privado não tem obrigação de dizer amém ao partido no poder. E o
governo não detém participação acionária para promover qualquer tipo de
ingerência na Vale.
A explicação para a naturalidade com que Lula
tenta pressionar o conselho de administração da mineradora, prestes a decidir
quem comandará a empresa nos próximos anos, é a ideia prevalente no PT de que o
Estado deve mandar em tudo, ainda que em desafio ao mercado ou à realidade da
economia.
Tal visão também fica evidente na atual
gestão da Petrobras.
Seguindo à risca as instruções do Planalto de “ajudar no crescimento”, o
presidente da estatal, Jean Paul
Prates, ampliou investimentos em áreas duvidosas, como refino ou
exploração terrestre, interrompendo um programa exitoso de venda de ativos.
Num clima de desconfiança dos investidores,
bastou uma declaração infeliz dele sobre a política de dividendos para a
Petrobras perder R$ 35,3 bilhões em valor de mercado. Apesar de a maioria dos
acionistas da empresa ser privada, o governo se comporta como se ela fosse 100%
estatal. Em administrações anteriores do PT, essa visão do Estado como condutor
do crescimento abriu espaço a escândalos de corrupção e causou imenso prejuízo.
O mandato do atual presidente da Vale,
Eduardo Bartolomeo, acaba em maio, e Lula já deixou claro que é contra sua
recondução ao cargo. A mensagem implícita em suas críticas à mineradora é:
“Atendam aos desejos do presidente ou terão o governo como inimigo”. Em seu
ataque recente, Lula fez menção a lugares onde a mineradora precisa lidar com
passivos ambientais. Esse é um assunto que cabe à Justiça e a outras
instituições responsáveis, não ao presidente. Seria um absurdo se a frustração
dos desejos de Lula resultasse em punições descabidas na esfera regulatória.
A pressão indevida sobre a Vale atinge todas
as empresas brasileiras de capital aberto. O governo federal e as instituições
sob sua influência não deveriam intervir nas decisões de nenhuma empresa
privada. O simples fato de tal movimentação acontecer enfraquece a imagem do
Brasil. Se Lula tiver sucesso na pressão, o estrago será maior. Ficará, aos
olhos do mercado, demonstrado que, por aqui, as leis que regem o controle das
empresas pouco valem diante da vontade e dos caprichos de quem está no poder.
Num passado não tão distante, quando o
governo detinha fatia maior do capital da Vale, administrações petistas não se
furtaram a intervir na empresa. A pressão na Vale e a intervenção na Petrobras
são retrocessos que já cobram seu preço.
TSE acerta ao estabelecer normas para uso de
IA nas eleições deste ano
O Globo
Diante da omissão do Congresso, manipulação
de vídeos e áudios poderia desorientar os eleitores
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
faz bem ao impor desde já normas específicas sobre o uso da inteligência
artificial (IA) e disseminação de desinformação nas eleições municipais deste
ano. Diante da omissão do Congresso para regulamentar tais questões, era
urgente estabelecer limites para que as campanhas não se transformem numa
guerra para enganar o eleitor em vez de orientá-lo. Não há dúvida de que a
manipulação de vídeos e áudios, com ajuda de ferramentas de IA que os tornam
verossímeis, pode transformar num caos a vida dos cidadãos e o trabalho das
autoridades eleitorais.
Um dos aspectos mais relevantes das
resoluções aprovadas pelo TSE é determinar que as plataformas digitais removam
conteúdos “sabidamente inverídicos”, mesmo sem decisão judicial prévia. Pelas
novas normas, as plataformas ficarão responsáveis por tomar medidas que impeçam
a publicação de informação irregular e terão de retirar imediatamente conteúdos
que ataquem a democracia ou promovam discursos de ódio (como racismo,
homofobia, nazismo etc.). Do contrário, serão responsabilizadas.
As maravilhas proporcionadas pela IA também
passam a ter regras claras nas eleições. A manipulação digital de vídeos e
áudios conhecida como deepfake —como a simulação de discursos que um candidato
não fez ou a criação de imagens que não existem — está proibida. Não será
permitido lançar mão de robôs para intermediar contato com eleitores. O uso de
IA precisará ser feito com transparência. As campanhas serão obrigadas a
informar de forma explícita quando a ferramenta for usada na propaganda.
Não se sabe o impacto que o avanço das novas
tecnologias terá sobre os pleitos municipais deste ano, especialmente num
ambiente polarizado. Mas pode-se prever. Nas eleições para a Presidência da
Argentina, no ano passado, as campanhas dos então candidatos Javier Milei e
Sergio Massa usaram e abusaram dos efeitos deletérios das deepfakes para atacar
o adversário da forma mais sórdida possível. Em 2022, ainda sem os recursos
hoje disponíveis, a corrida ao Palácio do Planalto já foi marcada por uma
guerra suja, com muita acusação e poucas propostas. Tudo leva a crer que o
clima de conflagração se repetirá neste ano na escolha de prefeitos e
vereadores.
Estabelecer normas sensatas não garante que
elas serão respeitadas. Mas as campanhas precisam ter em mente que correrão
risco ao ignorá-las. Quem recorrer a deepfakes em suas propagandas poderá ser
punido com cassação do registro ou mesmo do mandato.
No vácuo legislativo, as resoluções do TSE para as eleições municipais representam um avanço, por tentar lidar com o mundo de hoje. O uso de inteligência artificial nas redes é uma realidade e, se não há como impedi-lo, o melhor é estabelecer regras para enquadrá-lo, antes que os eleitores fiquem perdidos sem saber o que é realidade e o que é ilusão.
Queda de matrículas evidencia atraso das
reformas do ensino
Valor Econômico
Além de melhorar a qualidade do ensino,
governo precisa avançar na oferta de vagas para o ensino
técnico-profissionalizante e definir a reforma do ensino médio
O primeiro ano do governo Lula não foi
positivo para a educação. Caiu o número de matrículas em todas as etapas do
ensino básico, e a evasão escolar aumentou. A reforma do ensino médio empacou e
o Plano Nacional da Educação (PNE) também rateia. Mais do que boa vontade, será
necessário um esforço extra para tocar os projetos em frente e agilizar as
mudanças prometidas para reverter esse quadro.
O Censo Escolar de 2023 divulgado na semana
passada mostrou queda de 0,2% nas matrículas no ensino básico, de 47,4 milhões
em 2022 para 47,3 milhões no ano passado. A redução se concentrou nas escolas
públicas, que perderam cerca de 500 mil alunos, para 37,9 milhões, um recuo
equivalente a 1,3%. Já as escolas privadas registraram aumento de 4,7% nas
matrículas, para 9,4 milhões de estudantes.
O governo apressou-se em explicar que as
famílias que matricularam seus filhos nas escolas públicas durante a pandemia
estavam voltando para as instituições privadas. Mas a realidade é que essa
conta não fecha. Além disso, antes da pandemia, em 2019, o número de estudantes
do ensino básico era de 47,9 milhões, 600 mil a mais do que os matriculados no
ano passado. O ministro da Educação, Camilo Santana, falou também do aumento da
evasão escolar, que se estima em 450 mil alunos por ano no ensino médio.
A maior queda de matrículas ocorreu na
Educação de Jovens e Adultos (EJA), de 6,9%, para 2,6 milhões, o menor número
em 11 anos. Conhecida como a última oportunidade para quem não completou o
ensino fundamental ou o médio na idade adequada, a EJA vê queda nos números de
matriculados desde 2018. Houve recuo de matrículas também nas outras etapas da
educação. No ensino fundamental, foi de 1,5%, para 26,1 milhões de matrículas
em comparação com 26,5 milhões em 2022. No ensino médio, considerado mais
desafiador pelos estudantes, a queda de matrículas foi de 2,4%, para 7,7
milhões.
Do lado positivo, as matrículas na educação
infantil aumentaram 4,8%, notadamente na pré-escola. O crescimento das
matrículas em creches, para crianças de até 3 anos de idade, foi de 4,7%,
somando 4,1 milhões de crianças. Mas o número ainda está longe da meta de
oferecer 5 milhões de vagas neste ano, previsto no PNE. A procura pelo ensino
integral e profissionalizante também aumentou. No caso do ensino integral, as
matrículas cresceram tanto no ensino fundamental quanto no médio, caso em que o
índice foi de 21,9%.
O crescimento mais surpreendente foi o da
demanda pelo ensino profissionalizante. As matrículas aumentaram 9,1% em 2023,
para 2,4 milhões, em comparação com 2,2 milhões em 2022. Isso representa 11%
das matrículas do ensino médio. O percentual certamente seria maior se houvesse
mais vagas. Pesquisa feita pelo Ministério da Educação e Cultura mostrou o
interesse de 80% dos jovens pela modalidade. A Lei 14.645, que estabelece
diretrizes para o ensino profissionalizante, foi aprovada em julho de 2023 e
sancionada em agosto, mas até agora aguarda regulamentação.
Outra questão urgente a ser encarada é a
reforma do ensino médio, que começou a ser aplicada em 2022, mas foi suspensa
em abril do ano passado porque, segundo o MEC, é questionada por alunos e
professores. A “reforma da reforma” foi apresentada em outubro no Projeto de
Lei 5.320, que redefine a Política Nacional de Ensino Médio, e está em análise
na Câmara. Enquanto o projeto não anda, a vida de quase 8 milhões de estudantes
do ensino médio fica em suspenso.
A maior oferta de ensino
técnico-profissionalizante e a definição das regras do ensino médio fazem parte
da solução de um dos piores problemas da educação no país, que é a evasão
escolar. Enquanto não leva adiante essas questões, o governo recorre a um paliativo,
o programa Pé de Meia, que instituiu estímulos financeiros para combater a
evasão no ensino médio e incentivar a participação do Enem. O governo estima
que 2,5 milhões de estudantes poderão ser beneficiados, ao custo anual de cerca
de R$ 7 bilhões.
Ao falar sobre o programa, o presidente Lula
justificou que a maior evasão escolar é no ensino médio. “Os meninos não gostam
de fazer o curso inteiro e estamos tentando fazer os meninos se motivarem”,
disse. Nesse ponto, o presidente se equivocou. Pesquisa feita pelo IBGE, em
2019, com pessoas de 14 a 29 anos e nível de instrução inferior ao ensino médio
constatou que 39,1% deixaram a sala de aula pela necessidade de trabalhar e
29,2% pela falta de interesse.
É preciso também melhorar a qualidade do
ensino. Na edição de 2022 do Pisa, que é aplicado exatamente a alunos do ensino
médio, os brasileiros tiveram nota média 379 em matemática, 20% menor do que a
média obtida pelos estudantes dos 81 países que participaram da prova da OCDE.
Os brasileiros também ficaram atrás em leitura e ciência.
Aproximadamente 70 milhões de brasileiros não concluíram a educação básica, o que significa 35% da população, com impacto significativo na produtividade. A educação é mais eficiente a longo prazo para reduzir as desigualdades do que os benefícios sociais. Mais importante que a ajuda financeira para estimular o estudante a frequentar o ensino médio é oferecer uma educação que atraia o jovem e que realmente o ajude a se integrar ao mercado de trabalho.
Lula não é dono do Brasil
O Estado de S. Paulo
O demiurgo petista diz que a Vale ‘não pode
pensar que é dona do Brasil’, mas é ele quem não pode achar que o Brasil e suas
maiores empresas privadas devem se submeter a suas vontades
O presidente Lula da Silva expôs sua real
visão sobre a forma como as empresas privadas devem atuar no País:
submetendo-se integralmente às suas vontades. Mais uma vez, a vítima foi a
Vale, alvo de pressão desbragada do governo para emplacar um aliado em seu
comando.
“A Vale não pode pensar que é dona do Brasil.
Ela não pode pensar que pode mais do que o Brasil. Então, o que nós queremos é
o seguinte: as empresas brasileiras precisam estar de acordo com aquilo que é o
pensamento de desenvolvimento do governo brasileiro. É só isso que nós
queremos”, afirmou Lula da Silva em entrevista à Rede TV!. “Só isso”, nada
mais.
Pela espontaneidade da declaração, o
presidente parece não ter se dado conta do absurdo que defendeu. Já seria
suficientemente ruim se isso estivesse ocorrendo em qualquer companhia privada,
mas a ofensiva que ocorre a olhos vistos se dá naquela que é a terceira maior
empresa brasileira em valor de mercado e uma das maiores mineradoras do mundo.
Lula não tem legitimidade para participar do
processo sucessório da Vale – e tem plena consciência de sua impotência nesse
caso. Assim como toda a sociedade, o petista sabe que a Vale não apenas foi
privatizada há quase 27 anos, como também teve o controle acionário pulverizado
em 2020 – ou seja, não tem um dono definido ou um acionista com participação
suficiente para impor seus interesses aos demais.
A participação da Previ – fundo de pensão
que, é bom que se diga, não pertence ao governo nem a Lula, mas aos
funcionários do Banco do Brasil – é de apenas 8,7% do capital da Vale, o que
lhe garante 2 dos 13 assentos do Conselho de Administração. Assim, ao petista,
só resta constranger o restante do colegiado, a quem cabe a decisão de manter
ou substituir o atual presidente da companhia, Eduardo Bartolomeo. Seu mandato
vence em maio, e a pressão do petista foi suficiente para travar a sucessão e
rachar o conselho ao meio.
Pela forma como o presidente se sente à
vontade para cobrar a companhia, seria de imaginar que o País esteja em posição
de dispensar empresas interessadas em investir no País. Se Lula da Silva faz
isso com uma das poucas empresas brasileiras com capacidade para competir
globalmente, que tipo de tratamento devem esperar as companhias estrangeiras
que hesitam – com razão – em aportar recursos no Brasil?
É quase inacreditável que Lula invista contra
um dos setores mais pujantes da economia brasileira e que contribui diretamente
para a exuberância das contas externas. A indústria mineral exportou quase US$
43 bilhões no ano passado e gerou um superávit comercial de US$ 31,95 bilhões,
quase um terço do saldo da balança comercial no ano passado, de US$ 98,8
bilhões.
Tão fundamental para os bons resultados das
contas externas foi o setor de petróleo. Também aí, o alvo é uma das maiores
empresas do mundo e a maior do País. Nesse caso, a culpa foi do presidente da
Petrobras, Jean-Paul Prates, que, em entrevista à Bloomberg, disse que a
política de distribuição de dividendos será mais cautelosa para favorecer
investimentos em energia renovável.
Não é o que parece – ao contrário. Foi o
próprio Jean-Paul Prates quem anunciou que a Petrobras voltará a ter
participação na Refinaria de Mataripe, na Bahia, vendida há menos de três anos.
E foi também o ex-senador quem anunciou, ao lado do presidente Lula, a retomada
das obras da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, empreendimento que, como
poucos, simboliza os equívocos e a corrupção da era petista.
Mas a incoerência é apenas aparente. Lula
está fazendo exatamente o que dele se esperava em seu terceiro mandato.
Sente-se completamente livre para reeditar as políticas intervencionistas que
adotou no passado, ignorando que venceu a disputa eleitoral de 2022 por uma
diferença de apenas 2,1 milhões de votos e somente porque uma parte da
sociedade não tinha mais estômago para suportar o ex-presidente Jair Bolsonaro.
A Vale não é a dona do Brasil, mas a empresa
nunca reivindicou essa condição. Já Lula parece, ele sim, achar que o Brasil e
suas empresas privadas devem se submeter às suas vontades.
Democracia, o esteio da economia
O Estado de S. Paulo
Aniversário de 30 anos da URV, base do Real,
serve para lembrar que a democracia ajudou a manter a estabilidade como um bem
da sociedade – e políticos que a ameaçam são punidos nas urnas
Hoje, 1.º de março, completam-se 30 anos da
entrada em vigor da Unidade Real de Valor, conhecida como URV – a inovação
monetária que abriu o caminho para a chegada do real e permitiu ao Brasil
estabilizar sua moeda e vencer a inflação. Ali começava oficialmente o Plano
Real, o mais bem-sucedido plano de estabilização e ponto de partida do mais
longevo período de avanço social e econômico em nossa história. Num país que
conviveu com planos de curto prazo, populismos de toda ordem e sucessos
seguidos de descontinuidade e fracasso, o Plano Real atravessou mandatos de
seis presidentes de diferentes colorações ideológicas e partidárias, enfrentou
turbulências e superou o risco de políticas irresponsáveis ocasionalmente
adotadas em períodos anteriores às eleições. Mas manteve a essência da
estabilização de preços e da permanência de um mesmo padrão monetário, dois
feitos notáveis para um país que chegou a ter quatro moedas em apenas oito
anos.
Essa longeva estabilidade, a despeito dos
momentos de riscos, é fruto de dois fatores essenciais, que devem ser
reafirmados no presente e no futuro. Um, mais evidente, é a qualidade da
concepção e da execução do Plano Real. Liderado pelo então ministro da Fazenda,
Fernando Henrique Cardoso, aquele admirável grupo de economistas – entre os
quais André Lara Resende, Persio Arida, Edmar Bacha, Gustavo Franco e Pedro
Malan – corrigiu os erros dos fracassados planos anteriores, invariavelmente
ancorados em congelamentos de preços, e tornou o plano um impulso para reformas
modernizantes, sem as quais os riscos de insucesso seriam maiores.
O segundo fator é de natureza política e
menos notada até aqui: a democracia foi a força que manteve a economia nos
trilhos nesses 30 anos. Coube à democracia ser a sustentação para que a
estabilidade dos preços se tornasse um bem da sociedade brasileira, um dos
pilares de seu funcionamento, e os políticos que ousam ameaçá-la costumam ser
punidos nas urnas. Essa dinâmica democrática como segredo do sucesso e da
longevidade do Plano Real foi destacada esta semana pelo economista Persio
Arida, em entrevista ao jornal Valor Econômico. “Uma estabilidade de preços é
um valor do povo brasileiro. O governante sabe que, se der inflação, ele estará
politicamente morto”, disse.
Juntamente com André Lara Resende, Persio
Arida foi autor do texto teórico que deu origem ao Real, o chamado “Plano
Larida”. Foi nesse trabalho, publicado em 1984, que ambos pensaram a ideia de
um plano capaz de romper a dinâmica de alta de preços criando um sistema de
duas moedas: a antiga, inflacionada, e uma nova, que teria seu valor corrigido
diariamente. No Plano Real, a moeda corrigida foi a URV, como uma unidade de
valor que transplantaria a economia da moeda anterior para o real, a nova moeda
que seria formalmente instituída em julho de 1994. Salários, benefícios
previdenciários e contratos do setor público foram convertidos em URVs e,
assim, tiveram seu valor protegido contra a inflação, enquanto os preços
seguiram na moeda antiga. O ex-ministro da Fazenda Mario Henrique Simonsen
definiria a URV como “o mais genial e criativo invento de nossa história
econômica”.
Mesmo genial e criativo, um invento não se
sustenta no tempo sem condições políticas para tal, e sem lideranças capazes de
apoiá-lo. Razões pelas quais a dinâmica democrática é tão fundamental, conforme
sublinhou Arida. Como ele lembrou, a inflação foi de 12% a 200% ao ano durante
a ditadura militar sem que houvesse nenhum plano de estabilização para
controlá-la. Isso seria improvável em contextos democráticos, pois o controle
da inflação tornou-se um sistema de pressão sobre os políticos. Ninguém quer ver
repetir o flagelo que atormentou o País durante décadas, registrou picos de até
2.500% ao ano e puniu especialmente os mais pobres.
Lideranças lulopetistas de memória curta
volta e meia tentam desacreditar essa conquista – não custa lembrar que, de
olho nas eleições, apenas Lula e o PT foram contra o Plano Real. Mas são
rejeitados por uma premissa essencial do nosso tempo: não se trata mais de uma
escolha, e sim de uma imposição do Brasil democrático.
Veto a artimanhas digitais
O Estado de S. Paulo
O TSE age bem ao limitar o uso da
inteligência artificial na campanha eleitoral deste ano
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tentou
adequar as normas para o pleito municipal deste ano ao desafio da desinformação
gerada pela tecnologia digital. Por unanimidade, o colegiado aprovou resolução
para proibir as propagandas eleitorais de candidatos e de partidos políticos de
se valerem de instrumentos como o deepfake para manipular imagens, áudios e
informações. Em outro dos 12 textos avalizados no último dia 27, a Justiça
Eleitoral determinou às campanhas a rotulação de todos os conteúdos produzidos
por meio da inteligência artificial. O passo tomado pela Justiça Eleitoral é
significativo para tentar coibir os efeitos de artimanhas digitais sabidamente
nocivas nos resultados das disputas eleitorais brasileiras.
O pacote aprovado pelo TSE aprimora as regras
do jogo eleitoral no País ao atentar para o fato de que, com a inteligência
artificial, a desinformação atingiu possibilidades antes impensáveis para
iludir e manobrar o eleitor. A nova regulação não se atém apenas ao risco de
impulsionar digitalmente uma candidatura em detrimento de outras. Vai além, ao
evitar que mensagens antidemocráticas, racistas, homofóbicas e fascistas
atinjam o público-alvo com um potencial sem precedentes de convencimento. Em
resumo, trata-se de um esforço necessário para a proteção do Estado de Direito
brasileiro.
Obviamente, o esforço regulatório do TSE não
produz uma panaceia. O elevado grau de criatividade dos que se dispõem a fazer
mau uso da inteligência artificial em prol de seus objetivos eleitorais, a
evolução expedita dessa tecnologia e as brechas ainda presentes exigirão
aperfeiçoamento contínuo dessas novas regras – talvez, até mesmo para as
eleições municipais de outubro. Os limites para a atuação do TSE são
identificados nesse mesmo conjunto de resoluções.
O principal deles diz respeito às plataformas
de redes sociais, vetores preferenciais da desinformação nos últimos pleitos.
Como o marco legal sobre a atuação das empresas do setor – com punições
previstas – continua dormente no Congresso, a Justiça Eleitoral não terá dentes
para sancionar as que publicarem conteúdos falsos e irregulares no sempre
sensível período eleitoral.
Ademais, como disciplina apenas os partidos
políticos e seus candidatos, a nova regulamentação não alcançará cidadãos,
empresas e organizações lícitas e ilícitas dispostos a falsear conteúdos em
prol de seus interesses eleitorais. Avatares e chatbots estarão proibidos na
interlocução entre os protagonistas do pleito de 2024 e os eleitores. Mas nada
impede que sejam usados para os mesmos fins por terceiros.
Ao expor seu voto, a ministra Cármen Lúcia, relatora das resoluções no TSE, afirmou não querer que o eleitor brasileiro tome suas decisões baseado em desinformação – que converte o voto consciente em mera ilusão. Pode parecer uma justificativa paternalista, dado que os eleitores têm sido há anos expostos aos efeitos das redes sociais. A inteligência artificial, entretanto, mudou o ambiente eleitoral ao trazer recursos de falseamento da realidade ilimitados, como observado nas eleições da Argentina no ano passado, gerando imensos desafios regulatórios para as democracias.
Preço é o que conta
Correio Braziliense
Quase 80% dos entrevistados afirmaram que
sempre procuram varejistas que estão em promoção e mais de 50% disseram que
frequentemente comparam o preço entre marcas que consideram adquirir
As primeiras análises sobre as tendências de
bens de consumo em supermercados para este ano mostram os principais fatores
que influenciam na decisão de compra dos brasileiros. Seja no varejo físico,
seja no on-line, o preço ainda lidera a preferência dos consumidores, com 66%
dos votos, seguido pela qualidade do produto (60,1%) e pelas promoções e
descontos (59,8%). Ou seja, o custo é fator decisivo.
A pesquisa "Tendências de Bens de
Consumo para 2024", realizada pela Neogrid, empresa que desenvolve
soluções para gestão em consumo, em parceria com a Opinion Box, que atua na
área de tecnologia para pesquisa de mercado e experiência do cliente, também
destaca que, em relação ao comportamento de compra do brasileiro em diferentes
estratos sociais, 75% dos entrevistados das classes A e B priorizam a
qualidade, enquanto 57% das classes C, D e E demonstram atenção a esse aspecto.
Um dado marcante do levantamento é a mania
que o brasileiro tem de pesquisar preços — e isso independentemente se são
supermercados diferentes ou entre marcas variadas. Quase 80% dos entrevistados
afirmaram que sempre procuram varejistas que estão em promoção e mais de 50%
disseram que frequentemente comparam o preço entre marcas que consideram
adquirir. Com a escalada dos preços dos produtos, a tendência de pechinchar
está cada vez mais forte na cabeça do consumidor.Alguns supermercados, na
tentativa de segurar o cliente, ainda oferecem o serviço de pagamento parcelado
em até três vezes sem juros no cartão de crédito.
O estudo mostra que, enquanto a qualidade do
produto é prioritária para estratos sociais mais elevados (A e B), o preço
ganha ainda mais relevância entre as classes C, D e E, o que revela a
necessidade cada vez maior de estratégias personalizadas para atender
diferentes perfis, além de uma variedade de produtos para os mais e os menos
abastados.
Quanto às promoções, a preferência dos
consumidores são marcas próprias dos supermercados, que oferecem brindes e kits
mais acessíveis. Nesse item, 90% afirmam incluir as melhores ofertas em seus
carrinhos de compras, 80% acompanham as promoções de produtos específicos que
desejam comprar e 64% comparam preços de mercados grandes e de mercados de
bairro.
A pesquisa reforça ainda a tripla jornada da
mulher. Observar o preço dos produtos nas prateleiras é um comportamento mais
feminino que masculino: 81% das mulheres afirmam que sempre olham os valores
dos itens no supermercado; já entre os homens, o índice é de 69%.
De fato, com salários que não acompanham a alta de preços, a qualidade do produto, muitas vezes, é posta de lado. A depender dos estratos sociais bem definidos, a quantia gasta será determinante por muitos e muitos anos. O brasileiro sabe muito bem como lidar com substituição de marcas ou de produtos (se o arroz está mais caro, foge para o macarrão, por exemplo), para evitar despesas além do esperado. São anos e anos sempre convivendo com a inflação e o desafio de garantir comida no prato para toda a família.
Nenhum comentário:
Postar um comentário