terça-feira, 19 de março de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Elo de Bolsonaro com trama golpista ficou mais evidente

O Globo

Acusações de ex-chefes do Exército e da Aeronáutica contra ex-presidente revelam militares leais à Constituição

É da mais alta gravidade a suspeita de que Jair Bolsonaro, ministros, militares e integrantes de seu governo planejaram um golpe de Estado depois da derrota no segundo turno das eleições de 2022 e tentaram atrair para a trama a cúpula das Forças Armadas. Não há pior acusação contra um governante num regime democrático. Os depoimentos prestados à Polícia Federal pelos então chefes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, ganham credibilidade por vir de onde vieram — comandantes militares que resistiram ao golpismo. A acusação de envolvimento de Bolsonaro foi explícita e complica a situação do ex-presidente na Justiça.

É certo que as declarações não encerram a apuração. Os investigadores ainda precisam ouvir todas as versões e buscar novas provas antes de apresentar uma denúncia. Mas os dois relatos implicam Bolsonaro no planejamento e na execução do plano golpista. Ele foi acusado de, em mais de uma reunião, ter apresentado aos comandantes das Forças Armadas documentos elaborados para emprestar um verniz de legalidade à ruptura institucional e obter apoio deles à virada de mesa.

Pelos relatos, Freire Gomes e Baptista Junior descartaram a participação na intentona, enquanto Almir Garnier, então comandante da Marinha, foi acusado de pôr suas tropas “à disposição”. Num dos encontros, afirmou Baptista Junior, Freire Gomes chegou a dizer a Bolsonaro que teria de prendê-lo se prosseguisse com as articulações. Os depoimentos também implicaram na conspiração o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de Oliveira, e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, apontado como conselheiro jurídico do golpe. Acusados cogitam pedir acareação com os acusadores.

A investigação, porém, se baseia em mais que declarações. Há troca de mensagens, publicações em redes sociais e outros depoimentos corroborando a trama. As provas mais eloquentes são mensagens encaminhando documentos com minutas das manobras jurídicas cogitadas para sustentar a ruptura. Entre elas, a decretação de Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral, com a criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral para investigar a lisura das eleições. Como sabem todos os brasileiros — e os próprios comandantes militares afirmam ter reiterado a Bolsonaro —, não houve fraude nenhuma. Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito pela maioria e exerce legitimamente seu poder desde a posse.

Respeitado o devido processo legal, com amplo direito de defesa, as investigações devem prosseguir. Sem atropelo, mas sem demora. Apurar, denunciar e, em caso de culpa, punir é o melhor remédio para dissuadir quem cogitar tramar contra a democracia no futuro. Há indícios contundentes de que um golpe foi iminente e de que o pior só foi evitado porque militares leais a seu papel constitucional não se deixaram seduzir. Papel descrito com precisão nas palavras proferidas pelo atual comandante do Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, diante de subordinados antes mesmo de assumir e gravadas sem autorização dele: “Nós não trabalhamos para governo. Nós trabalhamos para o Estado. Da nossa postura, da manutenção dos valores, da hierarquia e da disciplina depende a força dos comandantes de Força. General de Exército não tem partido. Se a gente permitir que o Exército fique partidário, será o início da nossa derrocada”.

Permanência de Putin no Kremlin representa ameaça para o planeta

O Globo

Reeleito, ditador russo terá governado mais tempo que Stálin se concluir novo mandato

Quando Vladimir Putin assumiu o poder na Rússia, Bill Clinton morava na Casa Branca, Tony Blair era o primeiro-ministro britânico, Jacques Chirac o presidente da França, e Fernando Henrique Cardoso estava no início do segundo mandato no Palácio do Planalto. Facebook e iPhone não existiam. A data em que Putin deixará o Kremlin ainda é incerta, mas aos 71 anos ele dá sinais de querer governar até a morte. Nem se ouve falar em sucessão. Se concluir o mandato de seis anos para o qual foi reeleito no fim de semana, terá governado mais tempo que Josef Stálin.

As eleições foram uma demonstração de como Putin não aceita correr riscos. As forças de repressão não permitiram que ninguém lhe fizesse sombra. Em fevereiro, Alexei Navalny, seu maior opositor, morreu numa prisão próxima ao Círculo Polar Ártico. Antes de ser preso pela última vez, Navalny fora envenenado num avião e só sobreviveu porque o piloto fez um pouso de emergência. Em dezembro, Ekaterina Duntsova, popular ex-jornalista da TV, foi impedida de coletar assinaturas para se lançar candidata. Pouco depois foi barrado Boris Nadezhdin, candidato em favor de paz com a Ucrânia.

A permanência de Putin no poder é certeza de conflito com o Ocidente e uma ameaça à estabilidade geopolítica global. Com a guerra na Ucrânia, ele comprovou dar pouca — se alguma — importância ao direito de autodeterminação dos povos ou às fronteiras estabelecidas em acordos internacionais. Sua aproximação dos chineses aumenta as tensões num momento em que o mundo toma o rumo de uma nova versão de Guerra Fria, com o temor das ambições russas na Europa e no resto do planeta. A aposta de Putin na nuclearização do espaço mostra até que ponto ele está disposto a ir para realizá-las. Mesmo a contragosto, integrantes europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) elevaram gastos militares.

Do final da Segunda Guerra até 1991, a União Soviética foi uma ameaça militar e ideológica ao Ocidente. Com seu colapso, o apelo do comunismo perdeu força. Putin encampou outro discurso. No plano internacional, defende um mundo multipolar, com a redução do poderio de americanos e europeus. No plano local, apela ao nacionalismo e à Grande Rússia dos tempos dos czares. A intenção é manter e ampliar áreas de influência sobre outros países, em detrimento das democracias que estiverem pelo caminho. O caso da Ucrânia ilustra as intenções de Putin.

Ainda que a economia da Rússia seja uma fração do que já foi, militarmente ela ainda tem recursos para se opor à maior superpotência e a seus aliados. A ameaça de usar armas, inclusive nucleares, para atingir satélites de comunicação é real. Os Estados Unidos temem mais os chineses, mas a Rússia é menos previsível. Putin tem a seu dispor um exército de desinformação digital. Na África e no Oriente Médio apoia vários ditadores. Sem ser provocado, deu início ao maior conflito militar na Europa desde o fim da Segunda Guerra. Com Putin no Kremlin, a paz mundial continuará a ser um objetivo distante.

Corrupção investigada pela Lava Jato foi real

Folha de S. Paulo

Operação se deixou contaminar por abusos e vieses, mas é inaceitável que retrocessos reforcem percepção de impunidade

Decorridos dez anos da deflagração da Lava Jato, os acertos e erros, o apogeu e a derrocada da operação foram devidamente esmiuçados. Neste momento, o mais proveitoso é recordar que o esquema de corrupção investigado foi real —para não vê-lo repetido.

Na época, uma Petrobras hipertrofiada por preços historicamente elevados do óleo no mercado global proporcionava contratos superfaturados a empreiteiras, que compartilhavam lucros com dirigentes da estatal e distribuíam dinheiro farto para campanhas eleitorais.

Tudo isso foi confessado por envolvidos, entre executivos da estatal e das construtoras. Como relatou o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, em artigo publicado na Folha, foram recuperados R$ 2 bilhões em multas e devoluções acertadas em acordos de colaboração com a Justiça.

O balanço da Petrobras relativo a 2014, durante o governo Dilma Rousseff (PT), calculou perdas de R$ 6,2 bilhões —mais de R$ 10 bilhões em valores atuais— atribuídas à corrupção então descoberta, que não se limitava ao período. Naquele ano, a companhia amargou prejuízo de 21,7 bilhões (mais de R$ 36 bilhões hoje).

Revelou-se que Luiz Inácio Lula da Silva, então ex-presidente, mantinha relações demasiadamente próximas com grandes empreiteiras do esquema, o que custou ao líder petista condenações por corrupção, hoje anuladas.

A credibilidade e o prestígio da Lava Jato foram contaminados por ações espetaculosas, prisões preventivas que se perpetuavam sem motivo claro e, principalmente, por messianismo e ambição política de expoentes como o ex-juiz Sergio Moro, hoje senador ameaçado de cassação, e o ex-procurador Deltan Dallagnol, que teve o mandato de deputado cassado em 2023.

Ambos parecem alvo de uma reação também excessiva aos impactos da operação —que se observa ainda nas decisões monocráticas do ministro Dias Toffoli, do STF, que suspenderam o pagamento de multas bilionárias fixadas em acordos de leniência firmados com a Novonor (ex-Odebrecht) e a JBS.

O Supremo também se deixou levar pelos altos e baixos da Lava Jato ao provocar grande tumulto jurídico e político em relação à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, corretamente admitida em 2016 e depois revogada em 2019.

Outros retrocessos, como a escolha de procuradores-gerais fora de lista tríplice e baseada em expectativa de lealdade ao presidente, ameaçam o que há de positivo no legado da operação. Políticos e instituições jogam contra a própria imagem ao permitir que volte a ganhar força a histórica percepção de impunidade no país.

Marx e Freire Gomes

Folha de S. Paulo

Segundo relato, general ameaçou Bolsonaro de prisão; ato preservou a democracia

Karl Marx colocou a questão e seguidores a aprofundaram. Qual é o significado das ações individuais no processo histórico? É o próprio processo histórico ou são as pessoas e suas decisões individuais que determinam a história?

Os grandes homens, os gênios, os heróis fazem a história ou a história é a manifestação de forças impessoais, moldadas pelo contexto social e cultural de uma época?

Segundo o questionamento marxista, não tivessem existido Alexandre, o Grande, Napoleão Bonaparte ou Adolf Hitler, outros indivíduos não teriam ocupado seus lugares? Não passam de meros fantoches na mão das forças históricas, que poderiam alçar um José, um João ou um Manuel para executar o mesmo enredo?

Discussões teóricas à parte, cumpre que sejam louvadas —caso o teor dos depoimentos seja confirmado por mais investigações— as condutas autorreportadas dos derradeiros chefes do Exército e da Aeronáutica do governo anterior, em especial a do primeiro, general Marco Antônio Freire Gomes, que estava à frente da mais poderosa Força Armada do país.

Ele testemunhou à Polícia Federal ter recusado participar de medidas de exceção apresentadas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2022, cujo objetivo era claramente impedir a posse do governo àquela altura já eleito.

Seu relato foi corroborado pelo brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior, também opositor declarado da trama golpista, segundo o qual o general chegou a ameaçar de prisão o então mandatário.

Considerando a conhecida belicosidade de Bolsonaro e a subordinação hierárquica, a ser respeitada por todo militar, e mesmo tendo em mente que o chefe do Exército nada mais fez do que cumprir seu dever de obedecer à Constituição, tudo indica que Freire Gomes teve coragem e papel decisivo na preservação da democracia no país.

A atuação é digna de registro em futuros livros de história. Não se pode subestimar o papel da sociedade e das instituições, que claramente rechaçam atos golpistas. Mesmo assim, sorte do Brasil contar com democratas na caserna. E azar do capitão reformado.

Gângster reeleito

O Estado de S. Paulo

Putin faz da Rússia maior ameaça à Europa desde totalitarismo do séc. 20. Para enfrentá-la, é preciso paciência e determinação. Mas tem havido muito da primeira e pouco da última

As eleições fraudulentas na Rússia oficializaram um quinto mandato de Vladimir Putin. Após seus oponentes serem eliminados por mortes “misteriosas”, o único adversário capaz de derrubá-lo é a morte. É um opositor inexorável, mas caprichoso, e a probabilidade é de que Putin chegue a 2030 liderando a Rússia por 30 anos, mais tempo do que Stalin.

Putin tem mais em comum com Stalin do que a longevidade. O ex-oficial da KGB também é paranoico e se cercou de milhares de serviçais da polícia secreta. Como Stalin, Putin sabe estimular e explorar divisões das facções de seu regime para manter o poder – como um “chefe mafioso”, nas palavras de Yulia Navalnia, viúva do ativista Alexei Navalni.

Como Stalin, Putin é um mestre da desinformação e tem o apoio de um segmento poderoso da opinião pública, incluindo militares, burocratas e a intelligentsia da velha hierarquia soviética, além da Igreja Ortodoxa. Após o caos dos anos 90, ele se vendeu à população da Rússia profunda como um garantidor da ordem, atuando como tirano e posando de populista – como um chefe mafioso.

Assim como Hitler abasteceu sua máquina totalitária inflamando o revanchismo e o ressentimento após a Grande Guerra e o Tratado de Versalhes, Putin culpa o Ocidente pelo colapso da União Soviética e o desmoronamento do império russo. Para reconstruí-lo, Putin conta com as armas nucleares herdadas da URSS e imensas reservas de petróleo e gás. Como Hitler buscou fundir os povos germânicos em uma cultura e um Estado, Putin conta, nas antigas colônias soviéticas, com ex-líderes desapropriados e minorias étnicas russas que ele pode agitar – como Hitler fez com as minorias germânicas, por exemplo, na Checoslováquia – para justificar intervenções russas. Suas milícias mercenárias no Oriente Médio e África são uma ferramenta para extorquir de regimes vassalos dinheiro e recursos naturais – como um chefe mafioso. No “Sul Global”, ele conta com um plantel de “idiotas úteis” prontos a aplaudir suas agressões como resistência ao “imperialismo estadunidense”.

Mas Putin tem suas fraquezas. Como Mussolini, ele é vaidoso. A Rússia é mais fraca do que foi um dia. A aliança tática contingencial com a China não reverte sua rivalidade estratégica estrutural. No longo prazo, o desacoplamento com o Ocidente e a dependência da China enfraquecem a posição russa. Desviando suas exportações para regimes autocráticos e reengendrando uma economia de guerra, Putin tem conseguido sustentar a economia. Mas isso impactará a produtividade. A população é declinante e a ruptura com o Ocidente obliterará possibilidades de inovação, condenando a economia à mediocridade e à dependência de commodities.

O que falta ao Ocidente é uma estratégia coerente para explorar essas vulnerabilidades. Armar e financiar a Ucrânia ainda é o melhor meio de impor custos a Putin. Mas, se às vezes os líderes ocidentais falam grosso – como Churchill contra Hitler –, com frequência cedem à ilusão do apaziguamento – como Chamberlain. As sanções são importantes, mas seu impacto é limitado. A dissuasão pelo fortalecimento militar progride, mas não tanto quanto o necessário.

O Ocidente claudica na guerra das ideias, falhando em convencer o “Sul Global” não só do valor dos princípios liberais, mas de sua eficácia. Também deveria ficar claro que o pária é Putin, não o povo russo. “Precisamos criar uma matriz de uma Rússia livre fora da Rússia”, alertou o ativista Garry Kasparov. Putin decapitou a oposição, mas seu espírito vive em antagonistas exilados e numa comunidade silenciosa disposta a protestar corajosamente, como se viu no funeral de Navalni e nas filas para votar ao meio-dia em sinal de protesto, como pediu Navalni antes de morrer.

Sem derramamento de sangue, os russos neutralizaram o aventureirismo do sucessor de Stalin, Nikita Kruchev, e o Ocidente pôs fim à guerra fria. Para impor o mesmo destino ao regime de Putin, será preciso uma combinação equivalente de paciência e determinação. Mas, até agora, tem havido muito da primeira e muito pouco da última.

Bomba-relógio ambiental

O Estado de S. Paulo

Com mais de 70 dias sem acordo, a greve de funcionários ambientais prejudica combate ao desmatamento, afeta a Terra Indígena Yanomami e trava obras que precisam de licenciamento

Uma bomba-relógio está sendo armada diante dos efeitos perigosos da greve iniciada em janeiro – a paralisação dos profissionais do meio ambiente, que reúne funcionários de carreira do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Serviço Florestal Brasileiro. Eles pedem reajuste salarial e reestruturação de carreiras. E assim já se vão quase 80 dias de greve, com impacto direto sobre a fiscalização ambiental e a emissão de licenças para obras de infraestrutura suspensas. Ou seja, numa só tacada, a extensão da paralisação gera riscos tanto para o meio ambiente quanto para a economia: o primeiro, pelo contexto de metas ambiciosas de redução do desmatamento na Amazônia e outros biomas brasileiros; o segundo, ante o temor de que faltem autorizações para operações de hidrelétricas e linhas de transmissão, assim afetando a geração futura de energia elétrica do País.

Os riscos vão muito além dos maus presságios. Entre os números que descortinam o tamanho do perigo em curso, decorrente do movimento grevista e dos entraves das negociações, destaque-se a redução expressiva de todas as atividades realizadas em campo por esses órgãos. Até o fim de fevereiro, por exemplo, as infrações por desmatamento registradas pelo Ibama na Floresta Amazônica caíram 89%. Foram apenas 83 penalidades neste ano, ante 770 no mesmo período do ano anterior. Como é improvável que essa redução tenha se dado por uma milagrosa queda nas ilegalidades cometidas na Amazônia, trata-se de um número perturbador. No ICMBio, a aplicação de multas ambientais caiu 85%, enquanto autos de infração e termos de apreensão tiveram queda de 86% e 74%, respectivamente. Em todo o Brasil, o número de infrações aplicadas pelo Ibama caiu 68,5%, índice que chega a quase 78% quando se trata de desmatamento. Rigorosamente nenhuma licença ambiental necessária para a liberação de novas hidrelétricas e termoelétricas no País foi emitida neste ano.

Os efeitos também serão sentidos numa das frentes mais sensíveis na Amazônia – a situação de flagelo na Terra Indígena Yanomami, onde as operações de funcionários ambientais também estão prejudicadas. A região enfrenta uma alta de casos de desnutrição e malária entre a população, potencializada pelo avanço do garimpo ilegal e pelas fragilidades na fiscalização promovida pelo Estado brasileiro. Apesar de toda a pompa e circunstância da pregação lulopetista de defesa do povo yanomami diante da tragédia humanitária, o fato é que, em 2023, no primeiro ano de gestão de Lula da Silva, avançou o crescimento do número de mortes de indígenas na área. Com a greve, segundo os próprios órgãos, não há servidores no meio da mata para ajudar a enfrentar as facções criminosas que avançam sobre a terra indígena.

A ministra de Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, garante que o governo está fazendo um grande esforço para chegar a um acordo adequado. A ministra de Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, assegura que os funcionários da área ambiental que estão paralisados têm “consciência” do papel que exercem sobre a agenda do meio ambiente. Os grevistas dizem esperar uma nova proposta do governo ainda neste mês. Nesse jogo de empurra e travas, todos perdem. Mas podem perder, sobretudo, o Brasil e suas ambições climáticas e ambientais num ano tão decisivo.

Convém sublinhar que 2023 representou um ano de queda significativa na área desmatada na Amazônia, da ordem de quase 50%. Além da continuidade do nível de queda na devastação na região, necessária inclusive para cumprir as metas internacionais de emissões previstas, é importante lembrar que, no Cerrado, o índice cresceu 43% no ano passado. Além disso, sem vistorias em campo, as análises de pedidos de licenças ambientais para grandes obras se tornam inviáveis. Projetos de interesse nacional ou que afetem territórios indígenas e parques nacionais dependem de licenciamento do Ibama, incluindo, além das usinas hidrelétricas e termoelétricas, obras de portos, aeroportos e estradas.

Nada disso pode ficar pendente em razão de uma greve que já deveria ter acabado, sobretudo porque o governo é liderado por ex-paredista.

O inquérito dos mil dias

O Estado de S. Paulo

Não é democrático que a investigação das ‘milícias digitais’ dure tanto tempo no âmbito do Supremo

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes prorrogou pela décima vez, a segunda apenas neste ano, o Inquérito 4874, que desde julho de 2021 investiga a ação das chamadas “milícias digitais” contra o Estado Democrático de Direito. Como a investigação da Polícia Federal (PF) está sob sigilo, não é possível dizer se essa nova concessão de prazo – mais seis meses – faz sentido. Razoável ela não é, definitivamente.

Tanta obscuridade dá azo à inferência de que Moraes possa estar agindo, pura e simplesmente, orientado pelo mero exercício de poder, na linha “faço porque posso” – o que seria lamentável. Outra conclusão possível, dado o alongamento inexplicado das investigações, é a incompetência dos agentes da PF incumbidos das diligências para encontrar provas irrefutáveis contra os investigados depois de tanto tempo. Seja como for, as prorrogações praticamente automáticas do Inquérito 4874 – e de outros instaurados no âmbito da Corte a fim de investigar as investidas liberticidas dos bolsonaristas – não fazem bem ao próprio STF.

Um inquérito policial que facilmente passará dos mil dias de duração é em tudo contrário ao espírito da Constituição de 1988. Em outras palavras: a pretexto de investigar a atuação das “milícias digitais”, o STF tem enfraquecido a mesma democracia que pretende defender.

Lá está, consagrado no artigo 5.º, LXXVIII, da Lei Maior, o princípio da razoável duração do processo no rol dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos. Inquéritos sem fim não se coadunam com o regime democrático. A razão é elementar: a mera posição de investigado já é estigmatizante por si só; ademais, não é outra coisa senão truculência estatal submeter quem quer que seja à força persecutória do Estado por tempo indeterminado.

Não há dúvidas de que a Corte esteja, de fato, imbuída da missão de resguardar a Constituição e, desse modo, zelar pela plena vigência do Estado Democrático de Direito no País – como este jornal, aliás, já sustentou não uma, mas diversas vezes. O busílis é que os excessos que foram cometidos pelo STF em nome do resguardo da democracia em tempos de ameaças excepcionais já não se justificam. As ameaças que os ensejaram, como é notório, já não existem mais. Há muito o STF já deveria ter voltado ao leito da normalidade institucional.

É dever da PF concluir, de uma vez por todas, as “diligências ainda pendentes”. E é dever de Moraes, como ministro relator do Inquérito 4874 no âmbito do STF, exigir dos policiais federais esse profissionalismo. Dessa conclusão depende o envio das provas coletadas para o Ministério Público, o eventual oferecimento da denúncia e o julgamento dos acusados.

Ao sinalizar que o Inquérito 4874 seguirá aberto, no mínimo, até setembro deste ano, às vésperas das eleições municipais, Moraes alimenta a especulação de que a PF pouco tem de concreto nas mãos e o STF, por sua vez, tem se valido dessas investigações sem fim para levar adiante uma agenda política, o que é péssimo para a Corte e pior para o País.

 Juros americanos devem cair menos e mais tarde

Valor Econômico

Inflação de serviços é desafio também no Brasil, mas Copom não deve mudar política agora

A inflação cheia parou de cair nos Estados Unidos e até subiu um pouco em fevereiro. Os números mais recentes sobre o comportamento dos preços convenceram os investidores de que agora o almejado corte de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) só virá, provavelmente, no segundo semestre. As reuniões do Fed, do Banco da Inglaterra e do Banco Central do Brasil (BC) terão de dar respostas ao fenômeno semelhante: após cair com relativa rapidez da cercania dos dois dígitos, a inflação mostra resistência a caminhar para a meta na reta final. No Brasil o problema é menos agudo, dada a margem ainda existente para redução dos juros. Mas entrou em xeque a orientação futura de sinalizar dois cortes de 0,5 ponto percentual nas próximas reuniões, assinalada desde o início da redução da Selic, em agosto.

Os preços dos serviços têm tornado bem mais difícil para os bancos centrais discernir a hora em que será apropriado reverter o ciclo de aperto monetário, interrompido há meses. O presidente do Fed, Jerome Powell, não se cansa de dizer que a hora de baixar os juros está cada vez mais perto, mas esse timing tem sido elusivo para todos. Há um consenso de que o Fed manterá suas taxas na quarta-feira e, como sempre, grande expectativa sobre os sinais a serem dados por Powell, além da “trama de pontos”, a expectativa dos membros do Fed sobre a evolução dos juros, emprego, inflação e crescimento. Na última vez em que foi divulgada, em dezembro, ela indicava três cortes de 0,25 ponto percentual em 2024. Há agora dúvidas generalizadas sobre se a redução chegará a 0,75 ponto.

Os investidores entraram o ano interpretando o Fed como queriam - em janeiro, os mercados chegaram a sinalizar 6 ou mais cortes, com início em março. Tornaram-se bem mais sóbrios à medida que o tempo foi passando e a inflação, ficando mais ou menos no mesmo lugar. Agora, preveem 70% de chances de o Fed fazer três cortes ou menos, a partir de junho. Pesquisa do Financial Times em parceria com a Chicago Booth mostrou um intervalo de tempo maior, e cortes de menos esperados pelos economistas. Dois terços deles anteveem duas reduções dos fed funds, ou menos. Para mais da metade dos entrevistados, o ciclo de afrouxamento só começará em setembro.

O fator de fundo para a sustentação dos preços é a expansão da economia, tanto nos EUA como no Brasil - menos na Europa, onde o Banco Central Europeu (BCE) está preocupado com a evolução dos salários, embora a perspectiva de expansão no bloco do euro não seja boa. Nos EUA, além dos pacotes trilionários desde a pandemia, o consumo tem se mostrado forte - deu algum sinal de fraqueza em fevereiro. O PIB americano previsto é de 2,4%, ante 2,5% em 2023. O mercado de trabalho começa a esfriar, mas muito lentamente para dar algum conforto às previsões baixistas de inflação.

O CPI de fevereiro, o índice de preços ao consumidor, subiu para 0,4% (0,3% em janeiro), e de 3,1% para 3,2% em 12 meses. O índice de preços ao produtor (PPI) avançou de 1% para 1,6%, o maior desde setembro de 2013. Com base nesses dois índices, a consultoria Oxford Economics calculou que o núcleo dos gastos pessoais de consumo (PCE), medida preferida pelo Fed, quase não recuará em fevereiro (o índice será divulgado após a decisão do banco). Ele foi de 0,4% em janeiro e 2,8% em 12 meses, e há expectativa de 0,3% para o mês passado. Ou seja, o núcleo dos preços mostra uma forte resistência à queda.

Esse comportamento ratifica uma das advertências de Powell sobre a prudência para iniciar o corte de juros. O “supernúcleo” de preços, medida na qual o Fed considera os preços não relacionados à energia e ao setor de imóveis, evoluiu 0,5% em fevereiro, um pouco mas não o suficiente abaixo do 0,8% de janeiro. Nesta categoria, serviços como seguro de automóveis subiram 20% em um ano, serviços de transportes, 10%, os de hospitais, 6%. Por outro lado, preços de energia voltaram a aumentar, como gasolina (3,8%), passagens aéreas (3,5%), gás (2,3%) etc.

O cenário desfavorável da manutenção de juros altos por mais tempo está se impondo, por enquanto, embora não haja ninguém no Fed que vaticine um repique da inflação ou uma recessão. Mas a manutenção dos juros em 5,5%, os maiores em 23 anos, trará prejuízos à economia, reduzindo a taxa de crescimento, do emprego e do crédito enquanto perdurar.

No Brasil, os indicadores de janeiro e fevereiro mostram que a economia parece ter saído da prostração dos dois últimos trimestres. Há queda dos juros, mais estímulos fiscais e parafiscais, aumento real do salário mínimo, expansão do crédito, do emprego. Tudo isso alimenta o aumento da inflação de serviços e a demanda em geral, na contramão da política monetária. Os investidores esperam alguns movimentos importantes do BC. Alguns, que o ciclo de cortes de juros pare antes de a Selic atingir 9%, nível até então quase consensual. Outros, que a autoridade monetária deixe de sinalizar cortes duas reuniões à frente, para ganhar liberdade de movimento e, se for o caso, interromper as reduções diante de sinais evidentes de retomada da inflação. É possível que o BC faça as duas coisas, mas é pouco provável que isso ocorra na reunião de agora.

Alerta climático no fim do verão

Correio Braziliense

Qualquer morador de grandes cidades como Brasília, Belo Horizonte ou São Paulo conhece o transtorno de morar, trabalhar, estudar ou se locomover em épocas de altas temperaturas

O verão no Brasil se encerra nesta quarta-feira (20/3), mas o fim da estação está longe de significar temperaturas mais amenas. Desde a semana passada, uma nova onda de calor vem atingindo várias partes do país, e meteorologistas e Defesa Civil têm emitido mais alertas sobre os riscos à saúde. O Rio de Janeiro, por exemplo, alcançou a impressionante sensação térmica de 62ºC no último fim de semana. Qualquer morador de grandes cidades como Brasília, Belo Horizonte ou São Paulo conhece o transtorno de morar, trabalhar, estudar ou se locomover em épocas de altas temperaturas — sem mencionar o problema associado dos temporais, com grande concentração de chuvas em questão de horas.

Ocorre que a emergência climática não se restringe ao que os termômetros registram na atmosfera. O problema se agrava igualmente nos oceanos. Dados compilados pelo Programa Ecológico de Longa Duração Tamandaré Sustentável (Pels-Tams) indicam o branqueamento em massa de espécies de corais no litoral nordestino. O fenômeno, de escala global, já afeta locais como as regiões de Tamandaré e Porto de Galinhas, em Pernambuco, bem como a costa de Sergipe. Os corais são considerados fundamentais para o equilíbrio do ecossistema marinho, pois servem de alimento para diversas outras espécies. O branqueamento é um fenômeno natural, mas a ocorrência frequente e em grande extensão está vinculada, segundo os cientistas, ao aumento da temperatura nos oceanos.

Outras fontes oficiais reforçam a situação alarmante nos mares. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa, na sigla em inglês) relata, por exemplo, que o recorde na temperatura dos oceanos está se mantendo há mais de 12 meses. Em média, as águas marinhas ultrapassaram os 21ºC, um aumento de 0,25ºC acima do registrado em 2023. Esse crescimento, segundo explicou um meteorologista da Noaa à rede norte-americana CNN, "equivale a cerca de duas décadas de aquecimento num único ano".

Entre as causas identificadas para o desequilíbrio no Planeta Azul, especialistas reiteram em apontar o El Niño e o aquecimento global — fevereiro último foi o mês mais quente de toda a história — como fatores de instabilidade. Se o primeiro fenômeno é considerado natural e originário do Pacífico, com efeitos em todo o planeta, não se pode dizer o mesmo da segunda causa. O aquecimento global resulta de uma interferência direta do modelo econômico desenvolvido nos últimos 150 anos. As consequências dessa opção aparecem a olhos vistos.

Seja no mar, seja na terra, restam evidentes os sinais de que a crise climática assume proporções cada vez mais urgentes e complexas. Governos e sociedade precisam, o quanto antes, impedir que a situação chegue ao que especialistas e autoridades internacionais denominam "ponto de não retorno". Ondas de calor, temporais devastadores nas grandes cidades, extermínio da fauna e da flora e oceanos em ebulição são o prelúdio de uma era que a humanidade, a despeito do progresso científico, não tem se mostrado preparada nem disposta a superar.

 

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