Elo de Bolsonaro com trama golpista ficou mais evidente
O Globo
Acusações de ex-chefes do Exército e da
Aeronáutica contra ex-presidente revelam militares leais à Constituição
É da mais alta gravidade a suspeita de
que Jair
Bolsonaro, ministros, militares e integrantes de seu governo
planejaram um golpe de Estado depois da derrota no segundo turno das eleições
de 2022 e tentaram atrair para a trama a cúpula das Forças Armadas. Não há pior
acusação contra um governante num regime democrático. Os depoimentos prestados
à Polícia Federal pelos então chefes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes,
e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos de
Almeida Baptista Junior, ganham credibilidade por vir de onde vieram
— comandantes militares que resistiram ao golpismo. A acusação de envolvimento
de Bolsonaro foi explícita e complica a situação do ex-presidente na Justiça.
É certo que as declarações não encerram a apuração. Os investigadores ainda precisam ouvir todas as versões e buscar novas provas antes de apresentar uma denúncia. Mas os dois relatos implicam Bolsonaro no planejamento e na execução do plano golpista. Ele foi acusado de, em mais de uma reunião, ter apresentado aos comandantes das Forças Armadas documentos elaborados para emprestar um verniz de legalidade à ruptura institucional e obter apoio deles à virada de mesa.
Pelos relatos, Freire Gomes e Baptista Junior
descartaram a participação na intentona, enquanto Almir Garnier, então
comandante da Marinha, foi acusado de pôr suas tropas “à disposição”. Num dos
encontros, afirmou Baptista Junior, Freire Gomes chegou a dizer a Bolsonaro que
teria de prendê-lo se prosseguisse com as articulações. Os depoimentos também
implicaram na conspiração o então ministro da Defesa, general Paulo Sérgio de
Oliveira, e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, apontado como conselheiro
jurídico do golpe. Acusados cogitam pedir acareação com os acusadores.
A investigação, porém, se baseia em mais que
declarações. Há troca de mensagens, publicações em redes sociais e outros
depoimentos corroborando a trama. As provas mais eloquentes são mensagens
encaminhando documentos com minutas das manobras jurídicas cogitadas para
sustentar a ruptura. Entre elas, a decretação de Estado de Defesa no Tribunal
Superior Eleitoral, com a criação de uma Comissão de Regularidade Eleitoral
para investigar a lisura das eleições. Como sabem todos os brasileiros — e os
próprios comandantes militares afirmam ter reiterado a Bolsonaro —, não houve
fraude nenhuma. Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito pela maioria e exerce
legitimamente seu poder desde a posse.
Respeitado o devido processo legal, com amplo
direito de defesa, as investigações devem prosseguir. Sem atropelo, mas sem
demora. Apurar, denunciar e, em caso de culpa, punir é o melhor remédio para
dissuadir quem cogitar tramar contra a democracia no futuro. Há indícios
contundentes de que um golpe foi iminente e de que o pior só foi evitado porque
militares leais a seu papel constitucional não se deixaram seduzir. Papel
descrito com precisão nas palavras proferidas pelo atual comandante do
Exército, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, diante de subordinados antes
mesmo de assumir e gravadas sem autorização dele: “Nós não trabalhamos para
governo. Nós trabalhamos para o Estado. Da nossa postura, da manutenção dos
valores, da hierarquia e da disciplina depende a força dos comandantes de
Força. General de Exército não tem partido. Se a gente permitir que o Exército
fique partidário, será o início da nossa derrocada”.
Permanência de Putin no Kremlin representa
ameaça para o planeta
O Globo
Reeleito, ditador russo terá governado mais
tempo que Stálin se concluir novo mandato
Quando Vladimir
Putin assumiu o poder na Rússia, Bill Clinton
morava na Casa Branca, Tony Blair era o primeiro-ministro britânico, Jacques
Chirac o presidente da França, e Fernando Henrique Cardoso estava no início do
segundo mandato no Palácio do Planalto. Facebook e iPhone não existiam. A data
em que Putin deixará o Kremlin ainda é incerta, mas aos 71 anos ele dá sinais
de querer governar até a morte. Nem se ouve falar em sucessão. Se
concluir o mandato de
seis anos para o qual foi reeleito no fim de semana, terá governado
mais tempo que Josef Stálin.
As eleições foram uma demonstração de como
Putin não aceita correr riscos. As forças de repressão não permitiram que
ninguém lhe fizesse sombra. Em fevereiro, Alexei Navalny, seu maior opositor,
morreu numa prisão próxima ao Círculo Polar Ártico. Antes de ser preso pela
última vez, Navalny fora envenenado num avião e só sobreviveu porque o piloto
fez um pouso de emergência. Em dezembro, Ekaterina Duntsova, popular
ex-jornalista da TV, foi impedida de coletar assinaturas para se lançar
candidata. Pouco depois foi barrado Boris Nadezhdin, candidato em favor de paz
com a Ucrânia.
A permanência de Putin no poder é certeza de
conflito com o Ocidente e uma ameaça à estabilidade geopolítica global. Com a
guerra na Ucrânia, ele comprovou dar pouca — se alguma — importância ao direito
de autodeterminação dos povos ou às fronteiras estabelecidas em acordos
internacionais. Sua aproximação dos chineses aumenta as tensões num momento em
que o mundo toma o rumo de uma nova versão de Guerra Fria, com o temor das
ambições russas na Europa e no resto do planeta. A aposta de Putin na nuclearização
do espaço mostra até que ponto ele está disposto a ir para realizá-las. Mesmo a
contragosto, integrantes europeus da Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan) elevaram gastos militares.
Do final da Segunda Guerra até 1991, a União
Soviética foi uma ameaça militar e ideológica ao Ocidente. Com seu colapso, o
apelo do comunismo perdeu força. Putin encampou outro discurso. No plano
internacional, defende um mundo multipolar, com a redução do poderio de
americanos e europeus. No plano local, apela ao nacionalismo e à Grande Rússia
dos tempos dos czares. A intenção é manter e ampliar áreas de influência sobre
outros países, em detrimento das democracias que estiverem pelo caminho. O caso
da Ucrânia ilustra as intenções de Putin.
Ainda que a economia da Rússia seja uma
fração do que já foi, militarmente ela ainda tem recursos para se opor à maior
superpotência e a seus aliados. A ameaça de usar armas, inclusive nucleares,
para atingir satélites de comunicação é real. Os Estados Unidos temem mais os
chineses, mas a Rússia é menos previsível. Putin tem a seu dispor um exército
de desinformação digital. Na África e no Oriente Médio apoia vários ditadores.
Sem ser provocado, deu início ao maior conflito militar na Europa desde o fim
da Segunda Guerra. Com Putin no Kremlin, a paz mundial continuará a ser um
objetivo distante.
Corrupção investigada pela Lava Jato foi real
Folha de S. Paulo
Operação se deixou contaminar por abusos e
vieses, mas é inaceitável que retrocessos reforcem percepção de impunidade
Decorridos dez anos da deflagração da Lava
Jato, os acertos e erros, o apogeu e a derrocada da operação foram devidamente
esmiuçados. Neste momento, o mais proveitoso é recordar que o esquema de
corrupção investigado foi real —para não vê-lo repetido.
Na época, uma Petrobras hipertrofiada por
preços historicamente elevados do óleo no mercado global proporcionava contratos
superfaturados a empreiteiras, que compartilhavam lucros com
dirigentes da estatal e distribuíam dinheiro farto para campanhas eleitorais.
Tudo isso foi confessado por envolvidos,
entre executivos da estatal e das construtoras. Como relatou o ministro Edson
Fachin, do Supremo Tribunal Federal, em artigo publicado na Folha, foram
recuperados R$ 2 bilhões em multas e devoluções acertadas em acordos de
colaboração com a Justiça.
O balanço da Petrobras relativo a 2014,
durante o governo Dilma Rousseff (PT), calculou perdas de R$ 6,2 bilhões —mais
de R$ 10 bilhões em valores atuais— atribuídas à corrupção então descoberta,
que não se limitava ao período. Naquele ano, a companhia amargou prejuízo de
21,7 bilhões (mais de R$ 36 bilhões hoje).
Revelou-se que Luiz Inácio Lula da Silva,
então ex-presidente, mantinha relações demasiadamente próximas com grandes
empreiteiras do esquema, o que custou ao líder petista condenações por
corrupção, hoje anuladas.
A credibilidade e o prestígio da Lava Jato
foram contaminados por ações espetaculosas, prisões preventivas que se
perpetuavam sem motivo claro e, principalmente, por messianismo e ambição
política de expoentes como o ex-juiz Sergio Moro, hoje senador ameaçado de
cassação, e o ex-procurador Deltan Dallagnol, que teve o
mandato de deputado cassado em 2023.
Ambos parecem alvo de uma reação também
excessiva aos impactos da operação —que se observa ainda nas decisões
monocráticas do ministro Dias Toffoli, do STF, que suspenderam o
pagamento de multas bilionárias fixadas em acordos de leniência firmados com a
Novonor (ex-Odebrecht) e a JBS.
O Supremo também se deixou levar pelos altos
e baixos da Lava Jato ao provocar grande tumulto jurídico e político em relação
à possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, corretamente
admitida em 2016 e depois revogada em 2019.
Outros retrocessos, como a escolha de
procuradores-gerais fora de lista tríplice e baseada em expectativa de lealdade
ao presidente, ameaçam o que há de positivo no legado da operação. Políticos e
instituições jogam contra a própria imagem ao permitir que volte a ganhar força
a histórica percepção de impunidade no país.
Marx e Freire Gomes
Folha de S. Paulo
Segundo relato, general ameaçou Bolsonaro de
prisão; ato preservou a democracia
Karl Marx colocou a questão e seguidores a
aprofundaram. Qual é o significado das ações individuais no processo histórico?
É o próprio processo histórico ou são as pessoas e suas decisões individuais
que determinam a história?
Os grandes homens, os gênios, os heróis fazem
a história ou a história é a manifestação de forças impessoais, moldadas pelo
contexto social e cultural de uma época?
Segundo o questionamento marxista, não
tivessem existido Alexandre, o Grande, Napoleão Bonaparte ou Adolf Hitler,
outros indivíduos não teriam ocupado seus lugares? Não passam de meros
fantoches na mão das forças históricas, que poderiam alçar um José, um João ou
um Manuel para executar o mesmo enredo?
Discussões teóricas à parte, cumpre que sejam
louvadas —caso o teor
dos depoimentos seja confirmado por mais investigações— as
condutas autorreportadas dos derradeiros chefes do Exército e da Aeronáutica do
governo anterior, em especial a do primeiro, general Marco Antônio Freire
Gomes, que estava à frente da mais poderosa Força Armada do país.
Ele testemunhou à Polícia Federal ter
recusado participar de medidas de exceção apresentadas pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) em dezembro de 2022, cujo objetivo era claramente impedir a
posse do governo àquela altura já eleito.
Seu relato foi corroborado pelo brigadeiro
Carlos de Almeida Baptista Júnior, também opositor declarado da trama
golpista, segundo o
qual o general chegou a ameaçar de prisão o então mandatário.
Considerando a conhecida belicosidade de
Bolsonaro e a subordinação hierárquica, a ser respeitada por todo militar, e
mesmo tendo em mente que o chefe do Exército nada mais fez do que cumprir seu
dever de obedecer à Constituição, tudo indica que Freire Gomes teve coragem e
papel decisivo na preservação da democracia no país.
A atuação é digna de registro em futuros livros de história. Não se pode subestimar o papel da sociedade e das instituições, que claramente rechaçam atos golpistas. Mesmo assim, sorte do Brasil contar com democratas na caserna. E azar do capitão reformado.
Gângster reeleito
O Estado de S. Paulo
Putin faz da Rússia maior ameaça à Europa
desde totalitarismo do séc. 20. Para enfrentá-la, é preciso paciência e
determinação. Mas tem havido muito da primeira e pouco da última
As eleições fraudulentas na Rússia
oficializaram um quinto mandato de Vladimir Putin. Após seus oponentes serem
eliminados por mortes “misteriosas”, o único adversário capaz de derrubá-lo é a
morte. É um opositor inexorável, mas caprichoso, e a probabilidade é de que
Putin chegue a 2030 liderando a Rússia por 30 anos, mais tempo do que Stalin.
Putin tem mais em comum com Stalin do que a
longevidade. O ex-oficial da KGB também é paranoico e se cercou de milhares de
serviçais da polícia secreta. Como Stalin, Putin sabe estimular e explorar
divisões das facções de seu regime para manter o poder – como um “chefe
mafioso”, nas palavras de Yulia Navalnia, viúva do ativista Alexei Navalni.
Como Stalin, Putin é um mestre da
desinformação e tem o apoio de um segmento poderoso da opinião pública,
incluindo militares, burocratas e a intelligentsia da velha hierarquia
soviética, além da Igreja Ortodoxa. Após o caos dos anos 90, ele se vendeu à população
da Rússia profunda como um garantidor da ordem, atuando como tirano e posando
de populista – como um chefe mafioso.
Assim como Hitler abasteceu sua máquina
totalitária inflamando o revanchismo e o ressentimento após a Grande Guerra e o
Tratado de Versalhes, Putin culpa o Ocidente pelo colapso da União Soviética e
o desmoronamento do império russo. Para reconstruí-lo, Putin conta com as armas
nucleares herdadas da URSS e imensas reservas de petróleo e gás. Como Hitler
buscou fundir os povos germânicos em uma cultura e um Estado, Putin conta, nas
antigas colônias soviéticas, com ex-líderes desapropriados e minorias étnicas
russas que ele pode agitar – como Hitler fez com as minorias germânicas, por
exemplo, na Checoslováquia – para justificar intervenções russas. Suas milícias
mercenárias no Oriente Médio e África são uma ferramenta para extorquir de
regimes vassalos dinheiro e recursos naturais – como um chefe mafioso. No “Sul
Global”, ele conta com um plantel de “idiotas úteis” prontos a aplaudir suas
agressões como resistência ao “imperialismo estadunidense”.
Mas Putin tem suas fraquezas. Como Mussolini,
ele é vaidoso. A Rússia é mais fraca do que foi um dia. A aliança tática
contingencial com a China não reverte sua rivalidade estratégica estrutural. No
longo prazo, o desacoplamento com o Ocidente e a dependência da China
enfraquecem a posição russa. Desviando suas exportações para regimes
autocráticos e reengendrando uma economia de guerra, Putin tem conseguido
sustentar a economia. Mas isso impactará a produtividade. A população é
declinante e a ruptura com o Ocidente obliterará possibilidades de inovação,
condenando a economia à mediocridade e à dependência de commodities.
O que falta ao Ocidente é uma estratégia
coerente para explorar essas vulnerabilidades. Armar e financiar a Ucrânia
ainda é o melhor meio de impor custos a Putin. Mas, se às vezes os líderes
ocidentais falam grosso – como Churchill contra Hitler –, com frequência cedem
à ilusão do apaziguamento – como Chamberlain. As sanções são importantes, mas
seu impacto é limitado. A dissuasão pelo fortalecimento militar progride, mas
não tanto quanto o necessário.
O Ocidente claudica na guerra das ideias,
falhando em convencer o “Sul Global” não só do valor dos princípios liberais,
mas de sua eficácia. Também deveria ficar claro que o pária é Putin, não o povo
russo. “Precisamos criar uma matriz de uma Rússia livre fora da Rússia”,
alertou o ativista Garry Kasparov. Putin decapitou a oposição, mas seu espírito
vive em antagonistas exilados e numa comunidade silenciosa disposta a protestar
corajosamente, como se viu no funeral de Navalni e nas filas para votar ao meio-dia
em sinal de protesto, como pediu Navalni antes de morrer.
Sem derramamento de sangue, os russos
neutralizaram o aventureirismo do sucessor de Stalin, Nikita Kruchev, e o
Ocidente pôs fim à guerra fria. Para impor o mesmo destino ao regime de Putin,
será preciso uma combinação equivalente de paciência e determinação. Mas, até
agora, tem havido muito da primeira e muito pouco da última.
Bomba-relógio ambiental
O Estado de S. Paulo
Com mais de 70 dias sem acordo, a greve de
funcionários ambientais prejudica combate ao desmatamento, afeta a Terra
Indígena Yanomami e trava obras que precisam de licenciamento
Uma bomba-relógio está sendo armada diante
dos efeitos perigosos da greve iniciada em janeiro – a paralisação dos
profissionais do meio ambiente, que reúne funcionários de carreira do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), do
Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e do Serviço
Florestal Brasileiro. Eles pedem reajuste salarial e reestruturação de
carreiras. E assim já se vão quase 80 dias de greve, com impacto direto sobre a
fiscalização ambiental e a emissão de licenças para obras de infraestrutura
suspensas. Ou seja, numa só tacada, a extensão da paralisação gera riscos tanto
para o meio ambiente quanto para a economia: o primeiro, pelo contexto de metas
ambiciosas de redução do desmatamento na Amazônia e outros biomas brasileiros;
o segundo, ante o temor de que faltem autorizações para operações de
hidrelétricas e linhas de transmissão, assim afetando a geração futura de
energia elétrica do País.
Os riscos vão muito além dos maus presságios.
Entre os números que descortinam o tamanho do perigo em curso, decorrente do
movimento grevista e dos entraves das negociações, destaque-se a redução
expressiva de todas as atividades realizadas em campo por esses órgãos. Até o
fim de fevereiro, por exemplo, as infrações por desmatamento registradas pelo
Ibama na Floresta Amazônica caíram 89%. Foram apenas 83 penalidades neste ano,
ante 770 no mesmo período do ano anterior. Como é improvável que essa redução
tenha se dado por uma milagrosa queda nas ilegalidades cometidas na Amazônia,
trata-se de um número perturbador. No ICMBio, a aplicação de multas ambientais
caiu 85%, enquanto autos de infração e termos de apreensão tiveram queda de 86%
e 74%, respectivamente. Em todo o Brasil, o número de infrações aplicadas pelo
Ibama caiu 68,5%, índice que chega a quase 78% quando se trata de desmatamento.
Rigorosamente nenhuma licença ambiental necessária para a liberação de novas
hidrelétricas e termoelétricas no País foi emitida neste ano.
Os efeitos também serão sentidos numa das
frentes mais sensíveis na Amazônia – a situação de flagelo na Terra Indígena
Yanomami, onde as operações de funcionários ambientais também estão
prejudicadas. A região enfrenta uma alta de casos de desnutrição e malária
entre a população, potencializada pelo avanço do garimpo ilegal e pelas
fragilidades na fiscalização promovida pelo Estado brasileiro. Apesar de toda a
pompa e circunstância da pregação lulopetista de defesa do povo yanomami diante
da tragédia humanitária, o fato é que, em 2023, no primeiro ano de gestão de
Lula da Silva, avançou o crescimento do número de mortes de indígenas na área.
Com a greve, segundo os próprios órgãos, não há servidores no meio da mata para
ajudar a enfrentar as facções criminosas que avançam sobre a terra indígena.
A ministra de Gestão e Inovação em Serviços
Públicos, Esther Dweck, garante que o governo está fazendo um grande esforço
para chegar a um acordo adequado. A ministra de Meio Ambiente e Mudança do
Clima, Marina Silva, assegura que os funcionários da área ambiental que estão
paralisados têm “consciência” do papel que exercem sobre a agenda do meio
ambiente. Os grevistas dizem esperar uma nova proposta do governo ainda neste
mês. Nesse jogo de empurra e travas, todos perdem. Mas podem perder, sobretudo,
o Brasil e suas ambições climáticas e ambientais num ano tão decisivo.
Convém sublinhar que 2023 representou um ano
de queda significativa na área desmatada na Amazônia, da ordem de quase 50%.
Além da continuidade do nível de queda na devastação na região, necessária
inclusive para cumprir as metas internacionais de emissões previstas, é
importante lembrar que, no Cerrado, o índice cresceu 43% no ano passado. Além
disso, sem vistorias em campo, as análises de pedidos de licenças ambientais
para grandes obras se tornam inviáveis. Projetos de interesse nacional ou que
afetem territórios indígenas e parques nacionais dependem de licenciamento do
Ibama, incluindo, além das usinas hidrelétricas e termoelétricas, obras de
portos, aeroportos e estradas.
Nada disso pode ficar pendente em razão de
uma greve que já deveria ter acabado, sobretudo porque o governo é liderado por
ex-paredista.
O inquérito dos mil dias
O Estado de S. Paulo
Não é democrático que a investigação das ‘milícias digitais’ dure tanto tempo no âmbito do Supremo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes prorrogou pela décima vez, a segunda apenas neste ano, o
Inquérito 4874, que desde julho de 2021 investiga a ação das chamadas “milícias
digitais” contra o Estado Democrático de Direito. Como a investigação da
Polícia Federal (PF) está sob sigilo, não é possível dizer se essa nova
concessão de prazo – mais seis meses – faz sentido. Razoável ela não é,
definitivamente.
Tanta obscuridade dá azo à inferência de que
Moraes possa estar agindo, pura e simplesmente, orientado pelo mero exercício
de poder, na linha “faço porque posso” – o que seria lamentável. Outra
conclusão possível, dado o alongamento inexplicado das investigações, é a
incompetência dos agentes da PF incumbidos das diligências para encontrar
provas irrefutáveis contra os investigados depois de tanto tempo. Seja como
for, as prorrogações praticamente automáticas do Inquérito 4874 – e de outros
instaurados no âmbito da Corte a fim de investigar as investidas liberticidas
dos bolsonaristas – não fazem bem ao próprio STF.
Um inquérito policial que facilmente passará
dos mil dias de duração é em tudo contrário ao espírito da Constituição de
1988. Em outras palavras: a pretexto de investigar a atuação das “milícias
digitais”, o STF tem enfraquecido a mesma democracia que pretende defender.
Lá está, consagrado no artigo 5.º, LXXVIII,
da Lei Maior, o princípio da razoável duração do processo no rol dos direitos e
garantias fundamentais dos cidadãos. Inquéritos sem fim não se coadunam com o
regime democrático. A razão é elementar: a mera posição de investigado já é
estigmatizante por si só; ademais, não é outra coisa senão truculência estatal
submeter quem quer que seja à força persecutória do Estado por tempo
indeterminado.
Não há dúvidas de que a Corte esteja, de
fato, imbuída da missão de resguardar a Constituição e, desse modo, zelar pela
plena vigência do Estado Democrático de Direito no País – como este jornal,
aliás, já sustentou não uma, mas diversas vezes. O busílis é que os excessos
que foram cometidos pelo STF em nome do resguardo da democracia em tempos de
ameaças excepcionais já não se justificam. As ameaças que os ensejaram, como é
notório, já não existem mais. Há muito o STF já deveria ter voltado ao leito da
normalidade institucional.
É dever da PF concluir, de uma vez por todas,
as “diligências ainda pendentes”. E é dever de Moraes, como ministro relator do
Inquérito 4874 no âmbito do STF, exigir dos policiais federais esse
profissionalismo. Dessa conclusão depende o envio das provas coletadas para o
Ministério Público, o eventual oferecimento da denúncia e o julgamento dos
acusados.
Ao sinalizar que o Inquérito 4874 seguirá aberto, no mínimo, até setembro deste ano, às vésperas das eleições municipais, Moraes alimenta a especulação de que a PF pouco tem de concreto nas mãos e o STF, por sua vez, tem se valido dessas investigações sem fim para levar adiante uma agenda política, o que é péssimo para a Corte e pior para o País.
Valor Econômico
Inflação de serviços é desafio também no
Brasil, mas Copom não deve mudar política agora
A inflação cheia parou de cair nos Estados
Unidos e até subiu um pouco em fevereiro. Os números mais recentes sobre o
comportamento dos preços convenceram os investidores de que agora o almejado
corte de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) só virá,
provavelmente, no segundo semestre. As reuniões do Fed, do Banco da Inglaterra
e do Banco Central do Brasil (BC) terão de dar respostas ao fenômeno
semelhante: após cair com relativa rapidez da cercania dos dois dígitos, a
inflação mostra resistência a caminhar para a meta na reta final. No Brasil o
problema é menos agudo, dada a margem ainda existente para redução dos juros.
Mas entrou em xeque a orientação futura de sinalizar dois cortes de 0,5 ponto
percentual nas próximas reuniões, assinalada desde o início da redução da
Selic, em agosto.
Os preços dos serviços têm tornado bem mais
difícil para os bancos centrais discernir a hora em que será apropriado
reverter o ciclo de aperto monetário, interrompido há meses. O presidente do
Fed, Jerome Powell, não se cansa de dizer que a hora de baixar os juros está
cada vez mais perto, mas esse timing tem sido elusivo para todos. Há um
consenso de que o Fed manterá suas taxas na quarta-feira e, como sempre, grande
expectativa sobre os sinais a serem dados por Powell, além da “trama de
pontos”, a expectativa dos membros do Fed sobre a evolução dos juros, emprego,
inflação e crescimento. Na última vez em que foi divulgada, em dezembro, ela
indicava três cortes de 0,25 ponto percentual em 2024. Há agora dúvidas
generalizadas sobre se a redução chegará a 0,75 ponto.
Os investidores entraram o ano interpretando
o Fed como queriam - em janeiro, os mercados chegaram a sinalizar 6 ou mais
cortes, com início em março. Tornaram-se bem mais sóbrios à medida que o tempo
foi passando e a inflação, ficando mais ou menos no mesmo lugar. Agora, preveem
70% de chances de o Fed fazer três cortes ou menos, a partir de junho. Pesquisa
do Financial Times em parceria com a Chicago Booth mostrou um intervalo de
tempo maior, e cortes de menos esperados pelos economistas. Dois terços deles
anteveem duas reduções dos fed funds, ou menos. Para mais da metade dos
entrevistados, o ciclo de afrouxamento só começará em setembro.
O fator de fundo para a sustentação dos
preços é a expansão da economia, tanto nos EUA como no Brasil - menos na
Europa, onde o Banco Central Europeu (BCE) está preocupado com a evolução dos
salários, embora a perspectiva de expansão no bloco do euro não seja boa. Nos
EUA, além dos pacotes trilionários desde a pandemia, o consumo tem se mostrado
forte - deu algum sinal de fraqueza em fevereiro. O PIB americano previsto é de
2,4%, ante 2,5% em 2023. O mercado de trabalho começa a esfriar, mas muito
lentamente para dar algum conforto às previsões baixistas de inflação.
O CPI de fevereiro, o índice de preços ao
consumidor, subiu para 0,4% (0,3% em janeiro), e de 3,1% para 3,2% em 12 meses.
O índice de preços ao produtor (PPI) avançou de 1% para 1,6%, o maior desde
setembro de 2013. Com base nesses dois índices, a consultoria Oxford Economics
calculou que o núcleo dos gastos pessoais de consumo (PCE), medida preferida
pelo Fed, quase não recuará em fevereiro (o índice será divulgado após a
decisão do banco). Ele foi de 0,4% em janeiro e 2,8% em 12 meses, e há
expectativa de 0,3% para o mês passado. Ou seja, o núcleo dos preços mostra uma
forte resistência à queda.
Esse comportamento ratifica uma das
advertências de Powell sobre a prudência para iniciar o corte de juros. O
“supernúcleo” de preços, medida na qual o Fed considera os preços não
relacionados à energia e ao setor de imóveis, evoluiu 0,5% em fevereiro, um
pouco mas não o suficiente abaixo do 0,8% de janeiro. Nesta categoria, serviços
como seguro de automóveis subiram 20% em um ano, serviços de transportes, 10%,
os de hospitais, 6%. Por outro lado, preços de energia voltaram a aumentar,
como gasolina (3,8%), passagens aéreas (3,5%), gás (2,3%) etc.
O cenário desfavorável da manutenção de juros
altos por mais tempo está se impondo, por enquanto, embora não haja ninguém no
Fed que vaticine um repique da inflação ou uma recessão. Mas a manutenção dos
juros em 5,5%, os maiores em 23 anos, trará prejuízos à economia, reduzindo a
taxa de crescimento, do emprego e do crédito enquanto perdurar.
No Brasil, os indicadores de janeiro e fevereiro mostram que a economia parece ter saído da prostração dos dois últimos trimestres. Há queda dos juros, mais estímulos fiscais e parafiscais, aumento real do salário mínimo, expansão do crédito, do emprego. Tudo isso alimenta o aumento da inflação de serviços e a demanda em geral, na contramão da política monetária. Os investidores esperam alguns movimentos importantes do BC. Alguns, que o ciclo de cortes de juros pare antes de a Selic atingir 9%, nível até então quase consensual. Outros, que a autoridade monetária deixe de sinalizar cortes duas reuniões à frente, para ganhar liberdade de movimento e, se for o caso, interromper as reduções diante de sinais evidentes de retomada da inflação. É possível que o BC faça as duas coisas, mas é pouco provável que isso ocorra na reunião de agora.
Alerta climático no fim do verão
Correio Braziliense
Qualquer morador de grandes cidades como
Brasília, Belo Horizonte ou São Paulo conhece o transtorno de morar, trabalhar,
estudar ou se locomover em épocas de altas temperaturas
O verão no Brasil se encerra nesta
quarta-feira (20/3), mas o fim da estação está longe de significar temperaturas
mais amenas. Desde a semana passada, uma nova onda de calor vem atingindo
várias partes do país, e meteorologistas e Defesa Civil têm emitido mais
alertas sobre os riscos à saúde. O Rio de Janeiro, por exemplo, alcançou a
impressionante sensação térmica de 62ºC no último fim de semana. Qualquer
morador de grandes cidades como Brasília, Belo Horizonte ou São Paulo conhece o
transtorno de morar, trabalhar, estudar ou se locomover em épocas de altas
temperaturas — sem mencionar o problema associado dos temporais, com grande
concentração de chuvas em questão de horas.
Ocorre que a emergência climática não se
restringe ao que os termômetros registram na atmosfera. O problema se agrava
igualmente nos oceanos. Dados compilados pelo Programa Ecológico de Longa
Duração Tamandaré Sustentável (Pels-Tams) indicam o branqueamento em massa de
espécies de corais no litoral nordestino. O fenômeno, de escala global, já
afeta locais como as regiões de Tamandaré e Porto de Galinhas, em Pernambuco,
bem como a costa de Sergipe. Os corais são considerados fundamentais para o
equilíbrio do ecossistema marinho, pois servem de alimento para diversas outras
espécies. O branqueamento é um fenômeno natural, mas a ocorrência frequente e
em grande extensão está vinculada, segundo os cientistas, ao aumento da
temperatura nos oceanos.
Outras fontes oficiais reforçam a situação
alarmante nos mares. A Administração Nacional Oceânica e Atmosférica (Noaa, na
sigla em inglês) relata, por exemplo, que o recorde na temperatura dos oceanos
está se mantendo há mais de 12 meses. Em média, as águas marinhas ultrapassaram
os 21ºC, um aumento de 0,25ºC acima do registrado em 2023. Esse crescimento,
segundo explicou um meteorologista da Noaa à rede norte-americana CNN,
"equivale a cerca de duas décadas de aquecimento num único ano".
Entre as causas identificadas para o
desequilíbrio no Planeta Azul, especialistas reiteram em apontar o El Niño e o
aquecimento global — fevereiro último foi o mês mais quente de toda a história
— como fatores de instabilidade. Se o primeiro fenômeno é considerado natural e
originário do Pacífico, com efeitos em todo o planeta, não se pode dizer o
mesmo da segunda causa. O aquecimento global resulta de uma interferência
direta do modelo econômico desenvolvido nos últimos 150 anos. As consequências
dessa opção aparecem a olhos vistos.
Seja no mar, seja na terra, restam evidentes os sinais de que a crise climática assume proporções cada vez mais urgentes e complexas. Governos e sociedade precisam, o quanto antes, impedir que a situação chegue ao que especialistas e autoridades internacionais denominam "ponto de não retorno". Ondas de calor, temporais devastadores nas grandes cidades, extermínio da fauna e da flora e oceanos em ebulição são o prelúdio de uma era que a humanidade, a despeito do progresso científico, não tem se mostrado preparada nem disposta a superar.
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