Folha de S. Paulo
No Brasil, morre-se de calçada, poste e
selfie
"Viver é muito perigoso." É o mote
repetido insistentemente no monólogo de Riobaldo no "Grande
Sertão: Veredas", de Guimarães Rosa. Não deixa de ser uma tirada à
conselheiro Acácio, como notou Nelson Rodrigues, mas revela uma realidade
inescapável. "São demais os perigos desta vida", confirmou Vinicius
de Moraes no "Soneto do Corifeu". Conselhos desnecessários para quem
habita qualquer canto do Brasil.
Não é só a guerra entre bandido e polícia que mata gente inocente. Estão aí, soltas, as pedras portuguesas. Apesar da beleza, elas são conhecidas entre os cariocas como pedras assassinas. Desapareceram os mestres calceteiros, que consertavam com perícia as ondas do calçadão de Copacabana ou uma simples passagem. O poeta Hermínio Bello de Carvalho, que acaba de completar 89 anos, levou um tombo em Botafogo, feriu a vista, lesionou a coluna e está no estaleiro.
Além das calçadas, há os choques mortíferos.
Uma vítima recente foi Leonardo da Silva, porteiro em Ipanema, casado, pai de
uma adolescente de 14 anos, que encostou num poste, recebeu uma descarga e
bateu com a cabeça no chão. O ano passado registrou 853 acidentes graves por
choque elétrico no país; 592 pessoas morreram. Na maioria dos casos os fios de
postes, desencapados, são os vilões.
O cenário criminoso é aquele que todos estão
cansados de saber: ligações clandestinas, sobrecarga, falta de manutenção
preventiva, a exposição e o furto de fios e cabos e, sobretudo, o péssimo
serviço prestado pelas distribuidoras de energia. Se não conseguem fornecer nem
a luz, quanto mais garantir a segurança da população.
No espetáculo da morte estúpida, as selfies
são imbatíveis. Em 2023, 17 pessoas perderam a vida tirando fotos de si mesmas
em encostas e mirantes do Rio. Há um termo em inglês para definir a fatalidade:
killfie. Pensando bem, Riobaldo estava certo em seu acacianismo: "Viver é
muito perigoso".
São demais os perigos desta vida...
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