O Estado de S. Paulo
Sangue frio e análise política farão muita
falta nesta onda de provocações que deve aumentar, inclusive diante das
dificuldades de um governo que ainda não se encontrou completamente
O choque entre Elon Musk e Alexandre de
Moraes apenas começou, mas tem o potencial de se transformar numa Batalha de
Itararé, célebre por não ter acontecido.
Musk prometeu liberar contas proibidas no X e
divulgar a correspondência com Moraes, para demonstrar que o ministro não
respeitou a lei. Por sua vez, Moraes decidiu investigar Musk no inquérito das
fake news e prometeu multas pesadas à plataforma do empresário.
Musk não avançou inicialmente na sua denúncia sob o argumento de que não queria expor seus funcionários no Brasil. Ocorre que, funcionando no Brasil, não tem condições de remeter os processos para os EUA. Em outras palavras: ou tem funcionários aqui e os expõe com suas decisões sobre contas brasileiras ou fecha o escritório no Brasil.
Musk lança foguetes, produz carros elétricos,
instala a internet no coração da Floresta Amazônica. Sua biografia inspira
gritos de Caramuru , Caramuru. No entanto, o conflito com Moraes acaba
mascarando problemas de dimensão planetária, como, por exemplo, a
regulamentação das redes sociais.
Há um embate entre governos democráticos e as
grandes plataformas. A Alemanha conseguiu aprovar uma lei e, recentemente, a
Escócia aprovou um ato contra o discurso de ódio, muito discutido no mundo
inteiro e que, certamente, desagradou Musk.
Infelizmente, o enlace entre Musk e a
oposição brasileira torna difícil a aprovação de um projeto desse tipo no
Brasil, apesar de a aparição do bilionário no cenário político nacional ter
tornado o tema mais urgente.
As grandes plataformas estimulam o medo de
censura nos projetos de regulação e a extrema direita se apega a isso para
resistir a algo que poderia ser bom para todos.
Para que isso aconteça, seria necessário um
processo amplo de discussão, e, infelizmente, não há clima no momento.
Outro problema que a súbita aparição de Musk
colocou é a percepção da qualidade da democracia no Brasil. Faz algum tempo que
a direita insiste, nos EUA, em defender a tese de que o país vive uma ditadura
mascarada, com inúmeros ataques. A experiência mostra que campanhas desse tipo
no exterior tendem a ganhar simpatia, sobretudo se não se divulgar que tipo de
expressão que foi reprimida.
Digamos que uma coisa é afirmar que sua
liberdade de crítica foi criminalizada, outra é dizer que você não aceitou as
eleições, monitoradas interna e internacionalmente, e incitou os generais a
darem o golpe e inverterem o resultado das urnas.
Neste caso, a democracia rejeitou as teses de
derrubada da democracia, isto é, cuidou de sua autopreservação.
Não tem sentido um país com corpo diplomático
e tantos recursos de comunicação simplesmente fingir que não está ouvindo as
tentativas de mobilização de parlamentares estrangeiros, as entrevistas na
televisão, enfim, deixar de dar resposta aos que questionam.
Tudo se passa como se fosse apenas um
confronto do Supremo Tribunal Federal (STF) ou mesmo de um só ministro do STF
com toda a oposição. A defesa da democracia não se pode basear apenas nesse
aspecto parcial.
Isso porque caímos num campo em que há,
ainda, fragilidade. Contas são suspensas nas redes sociais, pessoas são
impedidas de seguir participando do debate, sem que haja transparência nas
decisões.
Para enfrentar o debate sem que a extrema
direita avance numa ofensiva internacional, é preciso que o governo de frente
democrática assuma as rédeas de sua própria defesa e que o próprio STF, cada
vez que tomar uma medida restritiva, a comunique com a transparência
necessária.
A adesão de Elon Musk ao discurso da extrema
direita brasileira significa uma espécie de boia num momento em que seu líder
parece afogar numa série da processos que vão desde vacinas falsas à tentativa
de golpe de Estado.
Ninguém pode se espantar com a tática de
vitimização que está sendo desenvolvida no exterior, principalmente nos EUA.
Sempre foi assim, é uma das armas que a oposição usa, seja de direita ou de
esquerda. O problema central é como encarar essa tática, respondê-la com
tranquilidade e firmeza e nunca oferecer mais argumentos para a vitimização.
Se o centro do debate for entre a justiça e a
oposição, esta sempre tentará tensionar a corda à espera de argumentos que
possam confirmar sua tese. Naturalmente que crimes contra a democracia têm de
ser punidos, mas é necessário também distinguir o que é apenas provocação,
aquilo que pode ser respondido com inteligência e ironia.
O episódio Musk mostra como várias iscas
serão lançadas – aliás, já estão sendo lançadas cotidianamente. O clima de
polarização facilita reações emocionais e as pessoas têm um genuíno orgulho de
duelar verbalmente com o adversário.
Considerando todas as circunstâncias, sangue
frio e análise política farão muita falta nesta onda de provocações que deve
aumentar, inclusive diante das dificuldades de um governo que ainda não se
encontrou completamente. É preciso se preparar, daqui a pouco chegam as
eleições americanas e o resultado pode nos colocar novos desafios. •
Gabeira, muito boa a análise, sempre bom ler seus artigos.
ResponderExcluirGabeira, sempre uma luz fim do túnel. E não é a locomotiva em sentido oposto.
ResponderExcluirVerdade,Gabeira e seu bom senso.
ResponderExcluirGabeira esbanja talento e experiência a serviço da democracia brasileira!
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