quinta-feira, 4 de abril de 2024

Maria Cristina Fernandes - O avanço do Congresso sobre a conta de luz

Valor Econômico

Parlamentares acolhem lobbies do setor energético, oneram o consumidor e responsabilidade recai sobre governantes, Aneel e empresas

Na tarde da segunda-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e de Minas e Energia, Alexandre Silveira. Estava preocupado com a energia cara e ruim que pesa no bolso e no humor dos brasileiros. Pesquisa Genial-Quaest de fevereiro mostrou que 63% dos brasileiros sentiram a oneração de tarifas.

A presteza com a qual Silveira correu para discutir o tema com o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) sugeriu preocupação com a disputa eleitoral na capital paulista, onde as águas de março voltaram a deixar milhares sem energia por dias seguidos.

O tema, porém, extrapola os paulistanos. Estima-se que as contas de luz, em todo o país, vão subir de 2% a 4% acima da inflação. Seria fácil dar uma paulada nesta conta reduzindo os R$ 37 bilhões em subsídios que oneram em 13% a conta de luz dos brasileiros. Apenas uma pequena fatia (3%) destina-se à tarifa de quem não pode pagar. O resto vai para o bolso de lobbies - da energia renovável, que não carece de subsídio porque já é mais barata, até a energia movida a carvão.

Da queda de braço entre o MME e a Fazenda virá uma medida provisória com o objetivo tanto de reduzir a conta de luz quanto de prorrogar subsídios. Sem espaço no Orçamento, é na conta do contribuinte que tantas bondades buscarão abrigo.

A queixa do eleitor sobre presidente, governadores, prefeitos, empresas de energia e agência regulatória desvia o foco do Congresso, responsável, em última instância, pelo modelo vigente. É uma mina a céu aberto. Ali abrigam-se demandas de todos os lados. A conta vai para o consumidor e a culpa, para o excesso de chuva e a falta dela.

A MP que privatizou a Eletrobras fez história. O primeiro parágrafo do artigo 1º tem exatas 666 palavras. Abrigadas em texto corrido, essas palavras protegeram de vetos a maior concentração de jabutis da produção legislativa recente. O resultado foram os R$ 37 bilhões de subsídios anuais.

O cachimbo entortou de vez a prática parlamentar. O projeto de lei das eólicas instaladas no mar foi aprovado na Câmara em 2023 tão anabolizado que a estimativa de subsídios feita pela consultoria PSR acresce R$ 25 bi aos atuais R$ 37 bi anuais, somando R$ 1 tri até 2050.

O PL agora tramita no Senado onde se ignora o destinatário final desta conta. A despreocupação não é de hoje. Uma visita à sabatina dos cinco diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica, em 2022, por exemplo, mostra que os candidatos desfilaram sobre um chão de estrelas no Senado.

O presidente da sessão, senador Dário Berger (MDB-SC), inovou e abriu a sessão dizendo que havia reduzido de dez para cinco minutos o tempo de exposição de cada candidato. O primeiro dos relatores, senador Weverton Rocha (PDT-MA), foi sincero. Disse que se limitava a cumprir obrigação regimental. Por isso, concluiu com orgulho, seu relatório foi o mais rápido (2 minutos) da história da comissão de infraestrutura.

Outro relator, o senador Eduardo Gomes (PL-TO), sentiu-se tão à vontade com os indicados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, que achou por bem apontar o que via como uma feliz coincidência: estava ali a relatar a mensagem nº 22, de 2022! Marcos Rogério (PL-RO), senador que conhecia mais de perto os indicados, alguns dos quais com passagem pela Eletronorte, era o mais esfuziante. O então senador Jean Paul Prates (PT-RN), foi o único a, de fato, fazer uma inquirição, mais voltada aos indicados à Agência Nacional de Petróleo, também sabatinados na sessão, do que aos da Aneel.

O resultado é que todos foram aprovados com louvor depois de uma sabatina relâmpago, de 2h31 minutos para um total de oito candidatos. Participaram da votação três dos atuais titulares da Esplanada dos Ministérios: Alexandre Silveira (MME), Carlos Fávaro (Agricultura) e Simone Tebet (Planejamento).

Dali a um ano, a bancada do Amapá, liderada pelo principal donatário do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), batia às portas do MME e da Justiça contra uma decisão da Aneel que, depois de ratificar o plano de investimentos da empresa local de energia, aprovou o reajuste de 44% na tarifa de energia com o qual pretendia se ressarcir. Tudo isso passou ao largo da Empresa de Pesquisa Energética, que planeja o setor e está subordinada ao MME, mas é solenemente ignorada pelo Congresso Nacional.

O aumento foi suspenso pelo Judiciário e o prejuízo entrou na fila de jabutis da nova MP, a serem pagos por todos os consumidores brasileiros. A profusão da produção legislativa no setor energético entupiu os tribunais que é para onde ameaça se dirigir a última contenda do setor, o acordo que validaria um contrato de R$ 10,5 bi da Âmbar, empresa de energia do grupo J&F.

O TCU, cuja “câmara de controvérsias” passou a disputar a solução de litígios, avançou num acordo mas foi obrigado a recuar depois que consumidores e União reagiram e a Câmara dos Deputados, alijada deste mercado, ameaçou votar um projeto de lei destinado a embaralhar o jogo.

Ao longo dos últimos anos, o Congresso Nacional avançou sobre quase metade dos investimentos do Orçamento da União. O apetite parlamentar sobre o setor elétrico mostra o desbravamento de uma nova fronteira, a dos orçamentos familiares. E a dúvida é como o setor manterá uma das mais robustas previsões de investimentos do país tendo por avalista um eleitor cada vez mais azedo com a conta que avança sobre sua renda.

 

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