Valor Econômico
Parlamentares acolhem lobbies do setor
energético, oneram o consumidor e responsabilidade recai sobre governantes,
Aneel e empresas
Na tarde da segunda-feira, o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva chamou os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e de
Minas e Energia, Alexandre Silveira. Estava preocupado com a energia cara e
ruim que pesa no bolso e no humor dos brasileiros. Pesquisa Genial-Quaest de
fevereiro mostrou que 63% dos brasileiros sentiram a oneração de tarifas.
A presteza com a qual Silveira correu para
discutir o tema com o deputado Guilherme Boulos (Psol-SP) sugeriu preocupação
com a disputa eleitoral na capital paulista, onde as águas de março voltaram a
deixar milhares sem energia por dias seguidos.
O tema, porém, extrapola os paulistanos. Estima-se que as contas de luz, em todo o país, vão subir de 2% a 4% acima da inflação. Seria fácil dar uma paulada nesta conta reduzindo os R$ 37 bilhões em subsídios que oneram em 13% a conta de luz dos brasileiros. Apenas uma pequena fatia (3%) destina-se à tarifa de quem não pode pagar. O resto vai para o bolso de lobbies - da energia renovável, que não carece de subsídio porque já é mais barata, até a energia movida a carvão.
Da queda de braço entre o MME e a Fazenda
virá uma medida provisória com o objetivo tanto de reduzir a conta de luz
quanto de prorrogar subsídios. Sem espaço no Orçamento, é na conta do
contribuinte que tantas bondades buscarão abrigo.
A queixa do eleitor sobre presidente,
governadores, prefeitos, empresas de energia e agência regulatória desvia o
foco do Congresso, responsável, em última instância, pelo modelo vigente. É uma
mina a céu aberto. Ali abrigam-se demandas de todos os lados. A conta vai para
o consumidor e a culpa, para o excesso de chuva e a falta dela.
A MP que privatizou a Eletrobras fez
história. O primeiro parágrafo do artigo 1º tem exatas 666 palavras. Abrigadas
em texto corrido, essas palavras protegeram de vetos a maior concentração de
jabutis da produção legislativa recente. O resultado foram os R$ 37 bilhões de
subsídios anuais.
O cachimbo entortou de vez a prática
parlamentar. O projeto de lei das eólicas instaladas no mar foi aprovado na
Câmara em 2023 tão anabolizado que a estimativa de subsídios feita pela
consultoria PSR acresce R$ 25 bi aos atuais R$ 37 bi anuais, somando R$ 1 tri
até 2050.
O PL agora tramita no Senado onde se ignora o
destinatário final desta conta. A despreocupação não é de hoje. Uma visita à
sabatina dos cinco diretores da Agência Nacional de Energia Elétrica, em 2022,
por exemplo, mostra que os candidatos desfilaram sobre um chão de estrelas no
Senado.
O presidente da sessão, senador Dário Berger
(MDB-SC), inovou e abriu a sessão dizendo que havia reduzido de dez para cinco
minutos o tempo de exposição de cada candidato. O primeiro dos relatores,
senador Weverton Rocha (PDT-MA), foi sincero. Disse que se limitava a cumprir
obrigação regimental. Por isso, concluiu com orgulho, seu relatório foi o mais
rápido (2 minutos) da história da comissão de infraestrutura.
Outro relator, o senador Eduardo Gomes
(PL-TO), sentiu-se tão à vontade com os indicados pelo ex-presidente Jair
Bolsonaro, que achou por bem apontar o que via como uma feliz coincidência:
estava ali a relatar a mensagem nº 22, de 2022! Marcos Rogério (PL-RO), senador
que conhecia mais de perto os indicados, alguns dos quais com passagem pela
Eletronorte, era o mais esfuziante. O então senador Jean Paul Prates (PT-RN),
foi o único a, de fato, fazer uma inquirição, mais voltada aos indicados à
Agência Nacional de Petróleo, também sabatinados na sessão, do que aos da
Aneel.
O resultado é que todos foram aprovados com
louvor depois de uma sabatina relâmpago, de 2h31 minutos para um total de oito
candidatos. Participaram da votação três dos atuais titulares da Esplanada dos
Ministérios: Alexandre Silveira (MME), Carlos Fávaro (Agricultura) e Simone
Tebet (Planejamento).
Dali a um ano, a bancada do Amapá, liderada
pelo principal donatário do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), batia às portas
do MME e da Justiça contra uma decisão da Aneel que, depois de ratificar o
plano de investimentos da empresa local de energia, aprovou o reajuste de 44%
na tarifa de energia com o qual pretendia se ressarcir. Tudo isso passou ao
largo da Empresa de Pesquisa Energética, que planeja o setor e está subordinada
ao MME, mas é solenemente ignorada pelo Congresso Nacional.
O aumento foi suspenso pelo Judiciário e o
prejuízo entrou na fila de jabutis da nova MP, a serem pagos por todos os
consumidores brasileiros. A profusão da produção legislativa no setor
energético entupiu os tribunais que é para onde ameaça se dirigir a última
contenda do setor, o acordo que validaria um contrato de R$ 10,5 bi da Âmbar,
empresa de energia do grupo J&F.
O TCU, cuja “câmara de controvérsias” passou
a disputar a solução de litígios, avançou num acordo mas foi obrigado a recuar
depois que consumidores e União reagiram e a Câmara dos Deputados, alijada
deste mercado, ameaçou votar um projeto de lei destinado a embaralhar o jogo.
Ao longo dos últimos anos, o Congresso
Nacional avançou sobre quase metade dos investimentos do Orçamento da União. O
apetite parlamentar sobre o setor elétrico mostra o desbravamento de uma nova
fronteira, a dos orçamentos familiares. E a dúvida é como o setor manterá uma
das mais robustas previsões de investimentos do país tendo por avalista um
eleitor cada vez mais azedo com a conta que avança sobre sua renda.
Ninguém mais usa vírgula antes da conjunção adversativa.
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