quinta-feira, 4 de abril de 2024

Míriam Leitão - O cerco fiscal ronda o governo

O Globo

Governo vive um momento de pressão por gastos por todos os lados: setores, estados, municípios e Congresso. São muitas razões para um orçamento só

O governo está vivendo um momento de muitas pressões por gastos de diversos lados. Os governadores do Sul e Sudeste querem renegociar as dívidas, os do Nordeste reclamam das concessões feitas aos estados mais ricos e querem também ajuda. As prefeituras receberam apoio do presidente do Senado para pagarem menos à Previdência. O Ministério do Planejamento tenta concluir a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano que vem, mas com dificuldades de fechar as contas. Só há dois caminhos: ou aumentar a carga ou cortar gastos. Nas despesas, há uma dificuldade extra: o país passou quatro anos sob um governo de desmonte de políticas públicas.

Há uma pressão por gastos que é até natural, de recomposição de políticas públicas por suceder a um governo desastroso. Mas a busca de equilíbrio fiscal tem sido uma caminhada em terreno minado, a cada hora surge uma bomba, como a da desoneração dos municípios. A redução do recolhimento à Previdência tramitou no Congresso, em projeto de iniciativa do legislativo, para 17 setores que mais empregam. Os municípios até 156 mil habitantes entraram de carona. O ministro Fernando Haddad foi contra a concessão tanto aos setores quanto às prefeituras, mas diante da reação à MP do fim do ano, negociou com o Congresso que seria apresentado um projeto de desoneração dos setores, mas não das cidades. Esta semana, a desoneração dos municípios voltou por decisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco.

Ontem, os governadores do Nordeste foram ao governo para reclamar do tratamento aos governadores de outras regiões e pedir alongamento de dívida e limitação de pagamento de precatórios. Na semana anterior era a pressão dos governadores do Sul e do Sudeste. A reabertura dessa questão federativa abre um mundo de problemas. Há casos de estados que simplesmente não fizeram o dever de casa. O Rio vendeu a Cedae, deveria ter quitado dívidas com a União. Não pagou. Minas Gerais, de governador que se diz liberal e fiscalista, ficou anos sem pagar a dívida por força de uma liminar. E não reequilibrou as contas. A maior parte da dívida está concentrada exatamente nos estados mais ricos. Estados do Nordeste têm dívidas menores, não só em termos absolutos como relativos. Há casos e casos, mas a reabertura vai consumir energias e recursos do Tesouro. É sempre assim a cada negociação.

O governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, ressalta que seu estado fez um grande esforço fiscal, mas paga o preço de problemas demográficos e climáticos.

—Tenho a maior participação de idosos na população em todo o país, e tenho dificuldades em tracionar a minha economia. Nos últimos anos, tive três secas que derrubaram, em alguns casos, 40% da nossa produção de grãos, e afetam nossa economia. E eu não consigo ter crescimento de receita suficiente para suportar a dívida.

O Rio Grande do Sul está em regime de recuperação fiscal. Segundo ele, isso ajuda, mas não resolve. Além disso, o impede de tomar financiamento. E Leite argumenta que fez esforços reais para equilibrar as contas públicas.

— Fiz muita privatização e consegui receita extraordinária e só por isso está sendo possível fazer um volume grande de investimentos. Privatizamos cinco empresas, três de energia — a distribuidora, a transmissora e a geradora — , a companhia de gás e a de saneamento. Fizemos uma reforma previdenciária, a mais profunda do país. E ela foi igual para os civis e os militares, ao contrário da reforma no nível federal. Fizemos uma reforma administrativa que colocou na Constituição do estado a vedação para vantagens temporais como anuênios, triênios, quinquênios.

Cada unidade da federal, cada setor, cada município pode ter razão. Todas as razões juntas não vão caber no orçamento. Ontem, ao final da reunião com os governadores do Nordeste, Haddad falou que não se pode cobrir um, descobrindo outro. Lembrou que a dívida do Nordeste é pequena. O problema é que se for feita qualquer concessão a estados do Sul-Sudeste, o custo pode ser bem alto.

Diante desse quadro de pressão por mais gastos, é preciso saber dizer não, é preciso negociar, é preciso fazer uma de duas coisas, cortar gastos ou aumentar impostos. Por enquanto, o governo está indo pelo bom lado de elevar arrecadação cobrando de quem não pagava ou pagava pouco. Só que esse caminho tem um limite, como lembrou ontem a ministra Simone Tebet.

 

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