quinta-feira, 25 de abril de 2024

Maria Hermínia Tavares - A Cultura é pública

Folha de S. Paulo

CPI da TV Cultura não tem objetivo claro e se baseia em vagas acusações

O estado de São Paulo tem uma longa história de políticas públicas inovadoras —no conteúdo, na forma de organizar a gestão e na entrega de resultados. Isso é especialmente verdadeiro nas áreas de ciência e cultura. Aí o controle estatal direto nunca traz bons frutos, pois tais atividades precisam manter profilática distância dos governos e da política partidária.

Criar organizações públicas não estatais, capazes de sobreviver até às grandes reviravoltas da política, foi ingrediente indispensável da pujança científica e cultural paulista. Basta citar a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, as três universidades paulistas, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, a Fundação Butantan e a Fundação Padre Anchieta, que gere a TV Cultura. Cada qual com seu modelo jurídico: fundação pública; autarquias de regime especial; organização da sociedade civil de interesse público; ou fundações privadas de interesse público.

Todas, a seu modo, tiveram de lidar com governos que, ignorando o espírito da coisa, tentaram influir —quando não interferir— em suas atividades, reduzindo-lhes a necessária autonomia. Foram muitos os episódios de assédio político na TV Cultura e na fundação que a dirige, como bem observou Roberto Muylaert em artigo publicado nesta Folha, no domingo (21).

Nova investida está sendo ensaiada pelo atual governo. A Secretaria da Cultura contingenciou 100% dos recursos para investimentos. Agora, por iniciativa do deputado Guto Zacarias (União Brasil), a Assembleia Legislativa aprovou a CPI da Fundação Padre Anchieta (FPA). Vindo do MBL (Movimento Brasil Livre), Zacarias é parlamentar novato, sem experiência que se conheça nas áreas da cultura, jornalismo e TV pública. É também —pasmem!— vice-líder do governo na Assembleia Legislativa.

Sem propósito definido, a CPI se baseia em vagas acusações de mau uso de recursos públicos, quadro de funcionários balofo, eleições fraudadas.

Nada disso se sustenta. Quarta colocada em audiência entre as TVs abertas, a Cultura é reconhecida pela programação alternativa à das emissoras comerciais. E isso com os recursos públicos que lhe são destinados por lei representando apenas 60% de seu orçamento —o que só cobre o pagamento dos 743 funcionários celetistas.

Mas, acima de tudo, com sua existência, a Fundação Padre Anchieta mostra a possibilidade de manter uma emissora pública que não pertença ao Estado, não sirva ao governos, nem se limite a oferecer mais do mesmo ao público; antes, trate de proporcionar o que ele nem sabe que quer.

Entro em férias por duas semanas.

 

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