domingo, 14 de abril de 2024

Merval Pereira - Contradições em choque

O Globo

O governo brasileiro reagiu mal nos primeiros momentos do debate de Elon Musk contra ministros do STF, em vez de deixá-lo falar sozinho, para os seus radicais

A direita brasileira, com apoio internacional, está usando as contradições do governo Lula e dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar fragilizar o sistema democrático brasileiro, desacreditando-o perante a opinião pública.

Esse debate do bilionário Elon Musk contra ministros do Supremo é a continuidade da guerra do ex-presidente Bolsonaro contra as instituições nacionais, mas só tem consequências porque o governo brasileiro reagiu mal nos primeiros momentos, em vez de deixá-lo falar sozinho, para os seus radicais.

A primeira conclusão a tirar é que Musk não é de direita nem de esquerda, ele assume posições quando cheira investimentos rentáveis, seja na China, uma ditadura de esquerda, seja em países governados pela direita, como a Argentina atual e o Brasil de Bolsonaro.

Transformar Musk em um radical de extrema-direita é distorcer a verdade, e combatê-lo, consequentemente, com as armas erradas. Incluir Musk num de seus muitos inquéritos foi uma reação quase infantil do ministro Alexandre de Moraes, que exorbitou da competência por conexões infinitas entre questões submetidas, inicialmente, ao inquérito das fake news e, subsequentemente, aos inquéritos das milícias digitais e dos atos antidemocráticos, que concentra enorme poder no STF.

A abrangência do suposto poder de Moraes é tão grande que já há piadas dizendo que Musk só escapará dele se for a bordo do próximo Space X para Marte. O ministro Alexandre de Moraes, por decisão de seus pares, virou prevento de toda ação que se assemelhe a ataques à democracia, confundindo ataques pessoais aos institucionais.

A isso se soma uma ampliação do foro privilegiado, para julgar todos os vândalos de 8 de janeiro de 2023 e, agora, até os mandantes do caso Marielle. Durante um período da Operação Lava-Jato, também a Vara de Curitiba comandada pelo então juiz Sérgio Moro tinha esse poder exacerbado, até que os ministros do Supremo, que durante anos avalizaram suas decisões, passaram a achar, por circunstâncias além dos autos, que Curitiba não era a jurisdição adequada para vários casos, anulando todas as provas e julgamentos. Mas isso pode acontecer no futuro.

Moro levantou o sigilo de uma conversa entre então presidente Dilma e Lula, e, com base nessa ação considerada depois ilegítima, permitiu que um ministro do Supremo, Gilmar Mendes, impedisse a presidente de nomear Lula para a chefia do Gabinete Civil, o que lhe daria foro privilegiado. O ministro Alexandre de Moraes levantou o sigilo dos depoimentos dos Generais sobre a tentativa de golpe, para enfraquecer a defesa de Bolsonaro. Todos esses movimentos servem para mobilizar o eleitorado de direita, sem falar nos extremistas que acompanham sempre Bolsonaro, apesar dos fatos contra ele.

A diferença, neste momento, a favor do Supremo e do ministro Alexandre de Moraes, é que eles estavam realmente defendendo a democracia, enquanto Bolsonaro, Musk e os extremistas tentam desconstruir as instituições brasileiras para favorecer uma rebelião contra o governo, que consideram “comunista”. Mas, quando a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, volta da China com uma entourage dizendo que por lá vigora uma “democracia efetiva”, é sopa no mel para os bolsonaristas. Quando Lula diz que na Venezuela há “democracia até demais”, e reage tão suavemente à armação eleitoral que o ditador Maduro arma para permanecer no poder, confirma a visão extremista que luta para tirá-lo do poder.

Lula só se elegeu em 2022 porque prometeu um governo de união nacional, e hoje está isolado dentro do Congresso, pois montou um governo de esquerda com uma aparente coalizão democrática que não tem sustentação real.


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