Valor Econômico
Apesar da celeuma, entrada de migrantes é alternativa para contrabalançar o recuo da força de trabalho devido aos efeitos do envelhecimento populacional
Vários países desenvolvidos ou que fazem
fronteira com regiões em conflito têm enfrentado forte aumento da imigração. De
acordo com a ONU, os Estados Unidos são o país que mais recebe imigrantes, em
particular ilegais. De acordo com o Migration Policy Institute dos EUA, havia
10,7 milhões de imigrantes ilegais no país em 2021 - 3% da atual população de
338 milhões de habitantes, sendo 2,3 milhões na Califórnia, 1,2 milhão no
Texas, 870 mil na Flórida, 740 mil em Nova Iorque e 500 mil em Nova Jersey.
Quem visita esses Estados tem a impressão de que esses números são maiores, ainda mais com a expressiva aceleração da imigração. O Congressional Budget Office (CBO) dos EUA, no documento “The budget and economic outlook: 2024 to 2034” de fevereiro de 2024, estima o ingresso recorde de 3,3 milhões de imigrantes no país em 2023, compatível com o número reportado de 2,4 milhões de refugiados ilegais - 150 mil menores desacompanhados - presos na fronteira no último ano, uma alta de 25% frente aos valores de 2022. No mesmo ano, foram deportadas 205 mil pessoas para seus países.
Os imigrantes passam por avaliação das
condições para pedido de asilo, sendo mantidos presos para possível deportação
caso tenham antecedentes criminais. De 60% a 70% das famílias e dos adultos
solteiros são liberados antes da conclusão de seus processos de imigração, por
conta da superlotação e das condições precárias das instalações de recepção. A
liberação dos imigrantes que não traz riscos se dá sob fiança, inclusive por
programas institucionais, ou com a chancela de organizações sociais. Nos últimos
anos, a liberação também ocorre perante compromisso de comparecimento às
audiências ou com monitoramento por aparelhos de GPS.
Guardadas as devidas proporções, essa
dinâmica também ocorre em outros países, o que tem expandido o sentimento
contrário aos imigrantes. Partidos de extrema direita com crescente votação nas
eleições europeias, por exemplo, têm reforçado pautas xenófobas, incluindo
controles mais rígidos para asilo político, forte redução de quotas para
refugiados, obrigação de assimilação de costumes locais e fiscalização mais
firme para deportação de estrangeiros sem documentação.
Do mesmo modo, a questão migratória será tema
central na eleição presidencial dos EUA em novembro. Pesquisa de fevereiro do
Instituto Gallup mostra que os americanos que desaprovam o governo Joe Biden
explicam essa avaliação citando a imigração como o principal fator, com 19% de
menções, seguida pela gestão econômica, com 9%. Há anos, o ex-presidente Donald
Trump defende restrições mais rígidas à entrada de imigrantes, acusando-os,
inclusive, de tomar o emprego dos americanos. O tema é controverso e, por incrível
que pareça, a rejeição é partilhada por muitos americanos filhos de imigrantes.
O argumento lembra a série “Warrior”, disponível na Netflix, que mostra os
embates em São Francisco no século retrasado entre americanos e irlandeses
contra os imigrantes chineses.
Apesar da celeuma, a entrada de migrantes é
uma alternativa para contrabalançar o recuo da força de trabalho, pois países
como EUA, Alemanha e Japão já observam os efeitos do envelhecimento da
sociedade, com redução da força de trabalho como percentual da população -
Portugal registra contração no número de trabalhadores de 5,6 milhões em 2010
para 5,3 milhões em 2023. Esse declínio da população ativa contribui para a
redução do crescimento potencial quando não há compensação pela alta da
produtividade ou dos investimentos.
A imigração contribui para elevação do
emprego, aumento do PIB e do consumo das famílias, controle da inflação e maior
arrecadação tributária. O documento do CBO elevou a projeção da força de
trabalho em 5,2 milhões de trabalhadores até 2034 por conta da maior imigração.
Essa expansão justificou a alta da sua projeção de crescimento potencial anual
em 0,2 ponto percentual entre 2024 e 2034, bem como a ampliação do PIB em US$ 7
trilhões e das receitas fiscais em US$ 1 trilhão. Com base nesses números, Wendy
Edelberg e Tara Watson do Brookings Institute, no artigo “New immigration estimates help make sense of the pace of employment” de
março de 2024, aumentaram a estimativa para o crescimento de postos de trabalho
compatível com a estabilidade da inflação de 60 mil a 100 mil em 2019 para 160
mil a 200 mil em 2024.
Esse contexto polêmico sobre a imigração não
está circunscrito apenas aos países desenvolvidos. A discussão também se aplica
às regiões em que o bônus demográfico está próximo do seu fim e que, portanto,
tendem a presenciar recuo da força de trabalho e diminuição do crescimento
potencial. Esse é o caso do Brasil, que ficou preso na armadilha da renda média
sem conseguir alavancar a eficiência na economia, ao contrário de países como a
Coreia do Sul que alcançaram desenvolvimento antes do fim desse bônus e foram
capazes de elevar sua produtividade.
Mesmo assumindo uma revolução educacional no
Brasil, a sustentação do crescimento potencial no país será difícil sem
expressiva expansão dos investimentos ou da força de trabalho, pois o aumento
da produtividade será, quando muito, gradual. Como é improvável que ocorra
forte alta dos investimentos ou da taxa de participação, uma alternativa,
embora longe de simples, seria a de instituir estímulos à imigração - o êxodo
de quase 20% da população da Venezuela do país nos últimos anos poderia ter
sido mais bem aproveitado para absorção de jovens com potencial.
Nesse sentido, a sociedade precisa debater
com mais profundidade o tema da imigração e aprimorar o atendimento a esse
público, apesar da estrutura existente no Ministério da Justiça e da Lei de
Migração 13445 de 2017. Apesar de a dramática questão humanitária não ter sido
mencionada, seria um ótimo passo se a entrada de refugiados no país fosse
facilitada, com todos aqueles que estão ilegais e não têm antecedentes
criminais obtendo direito mais duradouro ao título de residência e acesso fácil
à documentação oficial - CPF, carteira de identidade e de trabalho. Já seria um
bom avanço.
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