quarta-feira, 10 de abril de 2024

Nilson Teixeira - Rejeição equivocada à imigração

Valor Econômico

Apesar da celeuma, entrada de migrantes é alternativa para contrabalançar o recuo da força de trabalho devido aos efeitos do envelhecimento populacional

Vários países desenvolvidos ou que fazem fronteira com regiões em conflito têm enfrentado forte aumento da imigração. De acordo com a ONU, os Estados Unidos são o país que mais recebe imigrantes, em particular ilegais. De acordo com o Migration Policy Institute dos EUA, havia 10,7 milhões de imigrantes ilegais no país em 2021 - 3% da atual população de 338 milhões de habitantes, sendo 2,3 milhões na Califórnia, 1,2 milhão no Texas, 870 mil na Flórida, 740 mil em Nova Iorque e 500 mil em Nova Jersey.

Quem visita esses Estados tem a impressão de que esses números são maiores, ainda mais com a expressiva aceleração da imigração. O Congressional Budget Office (CBO) dos EUA, no documento “The budget and economic outlook: 2024 to 2034” de fevereiro de 2024, estima o ingresso recorde de 3,3 milhões de imigrantes no país em 2023, compatível com o número reportado de 2,4 milhões de refugiados ilegais - 150 mil menores desacompanhados - presos na fronteira no último ano, uma alta de 25% frente aos valores de 2022. No mesmo ano, foram deportadas 205 mil pessoas para seus países.

Os imigrantes passam por avaliação das condições para pedido de asilo, sendo mantidos presos para possível deportação caso tenham antecedentes criminais. De 60% a 70% das famílias e dos adultos solteiros são liberados antes da conclusão de seus processos de imigração, por conta da superlotação e das condições precárias das instalações de recepção. A liberação dos imigrantes que não traz riscos se dá sob fiança, inclusive por programas institucionais, ou com a chancela de organizações sociais. Nos últimos anos, a liberação também ocorre perante compromisso de comparecimento às audiências ou com monitoramento por aparelhos de GPS.

Guardadas as devidas proporções, essa dinâmica também ocorre em outros países, o que tem expandido o sentimento contrário aos imigrantes. Partidos de extrema direita com crescente votação nas eleições europeias, por exemplo, têm reforçado pautas xenófobas, incluindo controles mais rígidos para asilo político, forte redução de quotas para refugiados, obrigação de assimilação de costumes locais e fiscalização mais firme para deportação de estrangeiros sem documentação.

Do mesmo modo, a questão migratória será tema central na eleição presidencial dos EUA em novembro. Pesquisa de fevereiro do Instituto Gallup mostra que os americanos que desaprovam o governo Joe Biden explicam essa avaliação citando a imigração como o principal fator, com 19% de menções, seguida pela gestão econômica, com 9%. Há anos, o ex-presidente Donald Trump defende restrições mais rígidas à entrada de imigrantes, acusando-os, inclusive, de tomar o emprego dos americanos. O tema é controverso e, por incrível que pareça, a rejeição é partilhada por muitos americanos filhos de imigrantes. O argumento lembra a série “Warrior”, disponível na Netflix, que mostra os embates em São Francisco no século retrasado entre americanos e irlandeses contra os imigrantes chineses.

Apesar da celeuma, a entrada de migrantes é uma alternativa para contrabalançar o recuo da força de trabalho, pois países como EUA, Alemanha e Japão já observam os efeitos do envelhecimento da sociedade, com redução da força de trabalho como percentual da população - Portugal registra contração no número de trabalhadores de 5,6 milhões em 2010 para 5,3 milhões em 2023. Esse declínio da população ativa contribui para a redução do crescimento potencial quando não há compensação pela alta da produtividade ou dos investimentos.

A imigração contribui para elevação do emprego, aumento do PIB e do consumo das famílias, controle da inflação e maior arrecadação tributária. O documento do CBO elevou a projeção da força de trabalho em 5,2 milhões de trabalhadores até 2034 por conta da maior imigração. Essa expansão justificou a alta da sua projeção de crescimento potencial anual em 0,2 ponto percentual entre 2024 e 2034, bem como a ampliação do PIB em US$ 7 trilhões e das receitas fiscais em US$ 1 trilhão. Com base nesses números, Wendy Edelberg e Tara Watson do Brookings Institute, no artigo “New immigration estimates help make sense of the pace of employment” de março de 2024, aumentaram a estimativa para o crescimento de postos de trabalho compatível com a estabilidade da inflação de 60 mil a 100 mil em 2019 para 160 mil a 200 mil em 2024.

Esse contexto polêmico sobre a imigração não está circunscrito apenas aos países desenvolvidos. A discussão também se aplica às regiões em que o bônus demográfico está próximo do seu fim e que, portanto, tendem a presenciar recuo da força de trabalho e diminuição do crescimento potencial. Esse é o caso do Brasil, que ficou preso na armadilha da renda média sem conseguir alavancar a eficiência na economia, ao contrário de países como a Coreia do Sul que alcançaram desenvolvimento antes do fim desse bônus e foram capazes de elevar sua produtividade.

Mesmo assumindo uma revolução educacional no Brasil, a sustentação do crescimento potencial no país será difícil sem expressiva expansão dos investimentos ou da força de trabalho, pois o aumento da produtividade será, quando muito, gradual. Como é improvável que ocorra forte alta dos investimentos ou da taxa de participação, uma alternativa, embora longe de simples, seria a de instituir estímulos à imigração - o êxodo de quase 20% da população da Venezuela do país nos últimos anos poderia ter sido mais bem aproveitado para absorção de jovens com potencial.

Nesse sentido, a sociedade precisa debater com mais profundidade o tema da imigração e aprimorar o atendimento a esse público, apesar da estrutura existente no Ministério da Justiça e da Lei de Migração 13445 de 2017. Apesar de a dramática questão humanitária não ter sido mencionada, seria um ótimo passo se a entrada de refugiados no país fosse facilitada, com todos aqueles que estão ilegais e não têm antecedentes criminais obtendo direito mais duradouro ao título de residência e acesso fácil à documentação oficial - CPF, carteira de identidade e de trabalho. Já seria um bom avanço.

 

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