quinta-feira, 11 de abril de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Ação contra PCC mostra caminho para derrotar o crime organizado

O Globo

Êxito depende de aposta em inteligência, investigação financeira e coordenação de autoridades estaduais e federais

A maior facção criminosa do Brasil, o Primeiro Comando da Capital (PCC), conhecida pelo envolvimento em tráfico de drogas, de armas e noutras atividades ilegais, tem progressivamente adotado a estratégia perniciosa de se infiltrar em negócios formais e nos Poderes do Estado. O fato gravíssimo, apontado por Lincoln Gakiya, promotor do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, exige uma resposta na mesma medida: uma estratégia nacional de combate ao crime organizado. A Operação Fim da Linha, deflagrada nesta semana em São Paulo, é um exemplo de como vencer essa batalha. Quando trabalham em conjunto, as instituições têm capacidade de reação poderosa.

Agindo de modo coordenado, autoridades estaduais e federais apostaram na inteligência para desbaratar um esquema envolvendo empresas de ônibus paulistanas, suspeitas de lavar o dinheiro de tráfico de drogas, roubos e outros crimes para o PCC. Tanto a UPBus como a Transwolff (TW) disputaram licitações em São Paulo sem concorrentes e venceram. Juntas, transportavam 700 mil passageiros por dia nas zonas Sul e Leste da capital paulista. No ano passado, a TW, com frota de 1.306 ônibus, recebeu R$ 748 milhões da Prefeitura paulistana para operar 143 linhas. Menor, a UPBus, com 159 veículos, ficou com R$ 88 milhões.

De acordo com as investigações, um dos expedientes usados para lavar o dinheiro ilícito era distribuir dividendos milionários aos sócios — suspeitos de vínculos com o PCC — mesmo nos anos em que as empresas davam prejuízo. Entre 2015 e 2022, período em que uma das empresas registrou perdas acumuladas de mais de R$ 5 milhões, um dos sócios recebeu quase R$ 15 milhões. A Prefeitura paulistana assumiu provisoriamente a operação das linhas de ambas. A intervenção será mantida enquanto durar a investigação. Para evitar sabotagem, a Polícia Militar aumentará o patrulhamento nas garagens, pois um dos principais alvos da operação, suspeito de integrar a cúpula do PCC, segue foragido.

Ao todo, a Justiça bloqueou R$ 596 milhões, com o sequestro de 43 imóveis e bens de 28 empresas. A lista inclui joias, relógios, lanchas e até um helicóptero. Um dos imóveis pertencentes ao PCC estava declarado com valor de R$ 800 mil, embora seja avaliado em R$ 10 milhões. Os mandados de busca e apreensão foram executados principalmente na capital paulista, mas também em cidades próximas como Barueri, Cotia, Guarujá, Guarulhos, Itapecerica da Serra, Itaquaquecetuba, Itu, Mauá, Santana do Parnaíba, São Bernardo do Campo e São José dos Campos. A extensão da operação demonstra o alcance estarrecedor dos negócios vinculados ao crime organizado.

As investigações revelam que foi criada uma “constelação” de empresas ligadas às companhias de transporte para driblar o Fisco. Pelos cálculos do Ministério Público, foram pelo menos 29. A origem da operação desta semana está justamente na Receita Federal, que deslindou esquemas tributários suspeitos e movimentações financeiras atípicas. As empresas apresentavam débitos tributários, mas, graças a compensações fraudulentas estimadas em ao menos R$ 25 milhões na esfera federal, obtinham certidões negativas para participar de licitações. A complexidade dos esquemas requeria a participação de contadores experientes, também alvos das investigações. Como em toda operação de sucesso ao desarticular máfias mundo afora, esta também demonstra a importância de seguir a trilha financeira do crime, tarefa para a qual é fundamental a atuação de organismos especializados em coibir a lavagem de dinheiro, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

A atuação do PCC por meio de empresas que prestam serviços a prefeituras não é novidade. Na cidade litorânea do Guarujá, uma empresa que controla acesso e limpeza nas unidades de saúde era gerida por um suspeito vinculado à facção, morto a tiros em março. O Ministério Público reconhece a atuação do PCC na coleta de lixo e na assistência social em mais de um município. Outro ponto de preocupação são as ocupações irregulares de terrenos, que contam com a conivência de servidores. Dados de 2022 revelaram a existência de ao menos 250 loteamentos clandestinos ligados ao PCC na capital paulista.

Até o momento não há, segundo Gakiya, indícios de atuação criminosa de políticos nem de funcionários públicos no esquema desbaratado nesta semana. Mas ainda há empresas sob investigação. Em entrevista à GloboNews, ele mencionou a suspeita de uso de dinheiro do crime organizado em campanhas eleitorais, alerta especialmente relevante em ano de eleições municipais. “Não é incomum a gente verificar financiamento a campanhas de prefeitos e vereadores”, disse.

A tentativa preocupante do PCC de se infiltrar nas instituições do Estado não deve ser motivo para desalento. Outros países assolados pelo crime organizado já demonstraram o caminho para combatê-lo. A Operação Fim da Linha mostra como é possível segui-lo no Brasil. Decisões judiciais firmes e a cooperação entre Ministério Público, Polícia Militar, Receita e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) garantiram a execução da primeira fase. Foi um avanço a colaboração entre autoridades estaduais e federais. Trata-se de demonstração eloquente da necessidade de uma força-tarefa nacional para desarticular todas as ramificações das facções criminosas — o ideal é que a coordenação caiba ao governo federal. O Estado brasileiro conta com competência, poder de investigação e capacidade de coletar inteligência para enfrentá-las. Basta as autoridades levarem a tarefa a sério.

PL das Fake News morre por pretensão censória

Folha de S. Paulo

Projeto ficou inviabilizado devido ao intento de determinar a verdade nas redes, em ameaça à liberdade de expressão

A despeito do apoio e das pressões de governo, chefes do Legislativo e ministros do Supremo Tribunal Federal, o projeto de lei que pretende endurecer a regulação da internet —conhecido como PL das Fake News— estava empacado na Câmara dos Deputados e não reunia chances de avançar.

Os defensores do texto tentaram uma última cartada com o entrevero entre o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e o empresário Elon Musk, do X —estaria demonstrada aí, argumentaram, a necessidade de mudar a legislação.

Entretanto o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), preferiu aproveitar o episódio para enterrar a proposta e anunciar um grupo de trabalho para rediscutir o tema. A decisão suscitou resmungos previsíveis, mas o fato é que não havia muito mais a ser feito. Por bons motivos, inexistia consenso em torno da regulação.

O principal deles se revela no nome pelo qual ficou conhecido o projeto. Seus apoiadores declaram o intento de coibir a proliferação de informações falsas —e também as manifestações que supostamente ameaçam a democracia— na internet. Tal propósito, embalado em discursos hiperbólicos, mal se distingue de um ímpeto censório.

Alexandre de Moraes é o mais vocal dos apologistas da regulação das redes sociais. Há poucos dias, disse que elas não podem ser usadas para uma "lavagem cerebral do mal". Como magistrado, tem cometido não poucos abusos ao retirar contas de usuários do ar.

Aperfeiçoamentos da legislação de fato são necessários, e em prazo não muito extenso. É preciso que se determine melhor quais são as responsabilidades das chamadas big techs. Cumpre ainda lidar com seu excessivo poder de mercado.

Não se pode fazê-lo, no entanto, com restrições à liberdade de expressão, um pilar da democracia. Seria absurdo, por exemplo, incumbir algum órgão ligado ao Executivo de determinar quais são os discursos válidos e quais não são.

Se alguém usa a palavra para cometer crimes, isso só pode ser estabelecido a posteriori pelo Judiciário, no âmbito do devido processo legal, com direito a contraditório e possibilidade de recurso.

Em tempos de polarização, esse é um território que se presta a mitificações. O Supremo tomou nos últimos anos decisões marcadas pela heterodoxia —e já passa da hora de voltar à normalidade. Isso não apaga seus méritos no enfrentamento das investidas golpistas sob Jair Bolsonaro (PL).

De modo análogo, é descabido afirmar que a internet se tornou uma terra sem lei. Tudo o que é ilegal no mundo físico também o é no virtual. À Justiça cabe examinar tais casos, o que precisa ser feito com serenidade e autocontenção.

Longe do fim da linha

Folha de S. Paulo

É preciso apurar laços com crime e criar sistema de ônibus mais funcional em SP

Indícios da infiltração do crime organizado no sistema dos ônibus municipais de São Paulo remontam aos anos 1990, quando perueiros clandestinos, sob a égide da chamada "máfia dos transportes", circulavam sobretudo pelos bairros mais periféricos.

Parte dessas cooperativas foi absorvida na reorganização do transporte público promovida em 2003, ainda na gestão Marta Suplicy (PT).

Apesar de convertidas em viações oficiais, suspeita-se que muitas não se desvencilharam dos laços com a ilegalidade e são usadas para lavar dinheiro —por vezes sem abrir mão de conexões políticas.

Nova incursão nesse seara ocorreu na terça (9), quando o Ministério Público deflagrou a Operação Fim da Linha mirando duas empresas, Transwolff e a Upbus, que teriam ligações com o Primeiro Comando da Capital (PCC). Foram presas quatro pessoas, e apreendidas armas e drogas.

Nas investigações, a Receita Federal apontou um esquema de desvios tributários, sob o auxílio de experientes contadores.

O ilícito alcançaria cifras estratosféricas: entre 2020 e 2022, contas dos envolvidos movimentaram nada menos que R$ 732 milhões. A Justiça já determinou o bloqueio de R$ 600 milhões em patrimônio.

Responsáveis por transportar cerca de 700 mil passageiros diariamente, apenas as duas empresas receberam mais de R$ 800 milhões em subsídios da administração Ricardo Nunes (MDB) em 2023. A prefeitura interveio nas viações e já assumiu o controle das linhas.

A operação dos coletivos em São Paulo sempre esteve longe de ser sustentável, eficaz ou transparente. A tarifa está congelada artificialmente desde 2020, e o despejo de subsídios para bancar os custos cresce ano a ano (chegará a R$ 5,3 bilhões neste 2024, um recorde).

Há distribuição desequilibrada das linhas, atrasos, veículos precários e perda significativa de passageiros após a pandemia; a contabilidade das viações é nebulosa e, pelas suspeitas, sujeita a fraudes.

Cabe a este e ao próximo prefeito, seja qual for, desenvolver um sistema funcional —eliminar brechas para atividades criminosas é somente um dos desafios.

Vitória da inteligência

O Estado de S. Paulo

Operação que desbaratou o esquema do PCC para lavar dinheiro por meio de concessões de ônibus em SP mostra que o bom combate ao crime organizado não depende só da violência

O bom combate às facções criminosas, por mais poderosas que sejam, pode ser travado sem que um só tiro seja disparado pelas forças do Estado. Não raro, são as ações de inteligência que têm provocado os abalos mais sensíveis nos negócios dessas facções – que há bom tempo operam como verdadeiras máfias no Brasil e no exterior –, e não a aposta na força bruta policial.

Foi exatamente o caso da Operação Fim da Linha, deflagrada no dia 9 passado para desbaratar um esquema de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) por meio do transporte público de São Paulo. Desde fevereiro, os detalhes da exploração de concessões de linhas de ônibus pelo PCC, entre outros contratos com a administração pública, têm sido revelados por uma série de reportagens do Estadão.

O sucesso da Fim da Linha – fruto de uma cooperação entre o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, a Receita Federal e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) – foi materializado pelo cumprimento de 52 mandados de busca e apreensão e pela prisão de três acionistas e um contador de duas das maiores empresas de ônibus de São Paulo, a Transwolff e a UPBus. A Justiça também determinou o bloqueio de centenas de milhões de reais em bens dos investigados a fim de resguardar futuras reparações. Um baque e tanto nas finanças do PCC.

“Hoje (terça-feira passada) é um dia histórico para o Ministério Público de São Paulo”, disse o promotor Lincoln Gakiya, membro do Gaeco paulista e um dos mais devotados servidores públicos ao combate ao crime organizado, em particular ao PCC.

Esse desfecho só foi possível porque houve uma profícua colaboração entre as autoridades estaduais e federais. Nesse sentido, tratando-se de um esquema de lavagem de dinheiro, a participação do Cade e da Receita Federal foi determinante para apoiar as investigações do Gaeco de São Paulo. Restou evidente que, além da primazia da inteligência sobre a violência, a união de esforços entre entes federativos – respeitadas suas atribuições constitucionais, por óbvio – é fundamental para o sucesso de ações de combate a grupos criminosos cada vez mais audazes e que não reconhecem fronteiras.

Há pelo menos 30 anos, desde quando o transporte público na capital paulista começou a ser explorado de forma clandestina pelos chamados “perueiros”, já se sabia que a atividade fazia crescer os olhos dos criminosos. Afinal, está-se falando de um ramo que movimenta bilhões de reais numa metrópole como São Paulo – e boa parte em dinheiro vivo. De lá para cá, sob o beneplácito de agentes públicos por vezes incompetentes, por vezes corruptos, o negócio prosperou, digamos assim. Algumas das antigas cooperativas de motoristas que foram legalizadas pela Prefeitura se transformaram em grandes empresas de ônibus a serviço do crime, como é o caso das ora suspeitas Transwolff e a UPBus.

Por essa razão, a Justiça, corretamente, ordenou que a Prefeitura de São Paulo assumisse a gestão das duas empresas enquanto correm as investigações. O objetivo claro é evitar que os 17 milhões de passageiros transportados por ambas todos os meses sejam prejudicados – o que decerto levaria a um colapso da mobilidade na metrópole.

Ao fim e ao cabo, cumpriram-se mandados judiciais contra suspeitos de envolvimento com a facção criminosa mais poderosa do País sem que uma gota de sangue fosse derramada, como já foi dito. Porém, ainda é cedo, evidentemente, para comemorar o triunfo total do Estado Democrático de Direito sobre um de seus maiores algozes.

Da mesma forma que o PCC só deixou de ser um grupelho formado no interior de uma penitenciária paulista para ser o que é porque agentes públicos se deixaram corromper pelo caminho, alguns “perueiros” só viraram grandes empresários a serviço do crime organizado porque o Estado foi negligente, para dizer o mínimo. Portanto, até que as investigações avancem sobre os agentes públicos que traíram seus mandatos, o fim da linha dessa promiscuidade estará longe.

Nos EUA, justiça; no Brasil, impunidade

O Estado de S. Paulo

Multa milionária do Departamento de Justiça dos EUA a uma empresa envolvida em caso de corrupção na Petrobras torna mais escandalosa a nulidade de provas e delações no Brasil

De 2003, primeiro ano da primeira gestão Lula da Silva, a 2014, ano em que foi deflagrada a Lava Jato, investigação policial que abalou os alicerces políticos do País, a multinacional sueca Trafigura, especializada na comercialização de commodities, pagou propina religiosamente a um executivo da Petrobras para intermediar a venda de petróleo brasileiro. Para cada barril, vinte centavos de dólar iam para o bolso do então gerente de Comércio Externo de Óleos Combustíveis da petroleira, num esquema que movimentou milhões de reais.

Nos sete anos de duração da Lava Jato, o nome da Trafigura – e de dois representantes no Brasil – integrou o rol de dezenas de empresas, nacionais e estrangeiras, suspeitas de favorecimento mediante suborno a políticos e a executivos da Petrobras. Há poucos dias, decisão do Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) trouxe a trading de volta aos holofotes ao estabelecer multa de US$ 127 milhões para encerrar processo sobre os atos de corrupção, dos quais a própria empresa se confessou culpada.

Impossível não traçar paralelo com o que ocorre no Brasil em relação às empresas que, como a Trafigura, também assumiram participação na sangria de recursos envolvendo a Petrobras. Malgrado irregularidades constatadas posteriormente na força-tarefa da Lava Jato, a corrupção existiu, vigorou durante anos, enriqueceu ex-executivos, privilegiou empresas e desviou cifras astronômicas. Mas tudo o que foi provado, documentado e confessado ganhou um novo rumo com a mudança dos ventos políticos e o retorno do lulopetismo ao Palácio do Planalto.

No mesmo mês em que o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), movido sabe-se lá por quais propósitos, decidiu anular todas as provas de corrupção e as multas imputadas à Odebrecht (atual Novonor), em setembro de 2023, o ex-executivo da Trafigura Marcio Pinto de Magalhães pediu à Justiça Federal uma declaração de “imprestabilidade de todo o acervo probatório”.

Como era previsível, a decisão individual de Toffoli puxou imediatamente o fio para outros delatores e empresas se pendurarem na inacreditável tese de confissão sob “coação institucional” defendida pelo magistrado. Algo que se torna ainda mais inconcebível diante das inúmeras gravações em vídeo de executivos durante os depoimentos que efetivaram as delações. Somente um cinismo sem precedentes poderia inferir ali algum tipo de coação. Por óbvio, confissão não tem um valor absoluto como prova, mas é, sim, um meio de prova, pois é a admissão do delito cometido pelo acusado.

Nos EUA, o Departamento de Justiça concluiu que a Trafigura “subornou integrantes do governo brasileiro entre 2003 e 2014 para fechar negócios com a Petrobras”. Já no Brasil, o processo contra a Trafigura está suspenso há dois anos, como outros também esmagados pelo rolo compressor da “Vaza Jato”, nome dado às denúncias de arbitrariedades detectadas em mensagens trocadas entre Sérgio Moro e Deltan Dallagnol, respectivamente juiz e procurador responsáveis pela Lava Jato.

No caso da Trafigura, constavam do processo dois ex-executivos da multinacional, um operador financeiro e um gerente da Petrobras. Aí está um detalhe importante para compreender o nível da roubalheira institucionalizada nos anos de maior instrumentalização da Petrobras – coincidente com as gestões petistas. A intermediação das facilidades com fornecedores, prestadores de serviços, tradings e outras empresas contratadas não se limitava ao primeiro escalão administrativo: desciam até o nível de gerência, comprovação de absoluta ausência de governança e fiscalização.

Daí a importância dos mecanismos de proteção para impedir a repetição de tamanho estrago. Tão importante quanto punir culpados – o que vem sendo desconsiderado, com a providencial contribuição do STF – é manter as regras de governança na Petrobras. Infelizmente, o governo Lula da Silva vem desmontando uma a uma as salvaguardas montadas em torno da empresa.

A regra não é clara

O Estado de S. Paulo

O julgamento de Sérgio Moro mostra que é preciso definir melhor os limites das pré-campanhas

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá a palavra final se preserva ou não o mandato do senador Sérgio Moro (UniãoPR), absolvido pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR) das acusações de abuso de poder econômico, caixa 2 e uso indevido dos meios de comunicação na campanha de 2022. Goste-se ou não do ex-juiz da Lava Jato – e hoje é evidente a sua decomposição política e moral em razão dos erros da força-tarefa e do ativismo político que o tirou da toga –, somente o espírito de vingança justificaria a cassação do mandato pelos desembargadores paranaenses. Como apontou o relator do caso, Luciano Carrasco Falavinha, depois seguido por quatro dos seus pares, as acusações do PL e do PT do Paraná são desprovidas de provas, sob qualquer prisma identificado na legislação eleitoral. Resta ver se o TSE, órgão com poder para reverter a decisão, adotará a mesma premissa e também não se dobrará aos imperativos políticos.

Até lá, convém reafirmar uma certeza explicitada no julgamento: Moro foi acusado de subverter uma regra de gastos que hoje simplesmente não existe na legislação eleitoral. Descontada a eventual torcida contra a sua candidatura a presidente e depois a de senador, será possível admitir que a Lei 13.165/2015, conhecida como minirreforma eleitoral, alterou diversas regras, entre as quais a permissão das chamadas pré-campanhas, mas deixou imprecisa a disciplina de gastos de pré-candidaturas. Definiu um teto de despesas para a campanha, ao mesmo tempo que autorizou pré-candidatos a divulgar seu nome, dizer que concorrerão a determinado cargo, expor suas pretensões e promover reuniões abertas para discutir planos de governo. Só não podem pedir votos. Assim fez Sérgio Moro enquanto tentou ser candidato à Presidência, assim como André Janones (Avante-MG) e Eduardo Leite (PSDB-RS).

O teto de gastos de campanha é uma realidade bem definida e regulamentada a cada eleição. O mesmo, contudo, não se aplica à pré-campanha. Não há na lei mencionada nem em qualquer outra a definição explícita de limite de despesas, nem mesmo ideia consolidada no campo jurídico, muito menos jurisprudência a respeito. Com um detalhe adicional: a legislação prevê que os gastos precisam ser compatíveis com as possibilidades de um pré-candidato médio. A intenção é justa, isto é, frear gastos extraordinários ou muito significativos que gerem desequilíbrios na disputa.

Justa, porém insuficiente. Sua subjetividade a converte em terreno fértil para questionamento. Essa indefinição alimenta o apetite de oportunismos e escancara a necessidade de revisão. Com regras genéricas, tem-se o pior dos mundos para um debate jurídico-eleitoral: a análise de um caso feita com base no que a lei deveria ser, e não no que efetivamente é. Uma regulamentação mais clara precisa dizer, por exemplo, quais os tipos de gasto que são possíveis na pré-campanha e definir o que é e o que não é um gasto moderado para o período. Não atenuará os muitos problemas de quem já foi o maior algoz dos políticos, mas pelo menos reduzirá as chances de mais insegurança jurídica no futuro.

MP para reduzir conta de energia elétrica é ineficaz

Valor Econômico

Há formas mais inteligentes e baratas de o presidente Lula tentar melhorar sua popularidade

O presidente Lula tenta de forma errada encontrar uma solução para sua popularidade em queda. Mal assessorado pelo núcleo do Planalto e pelos expoentes do Ministério de Minas e Energia, o presidente assinou uma medida provisória que antecipará o pagamento de R$ 26 bilhões decorrentes da privatização da Eletrobras para reduzir a conta de energia dos consumidores. No fim das contas, porém, as tarifas aumentarão a médio prazo. Além disso, o motivo para a ação é péssimo - queda na avaliação de um mandatário que concorrerá à reeleição - e justifica os piores temores, os de que são as chances de continuar no poder que determinarão as medidas do Executivo a partir de agora.

Em vez de buscar uma solução racional, o governo fez o caminho inverso: convocou especialistas do setor para apontar saídas não antes, mas depois de editar a MP. Uma discussão iluminada sugeriria aos assessores do Executivo que prestassem atenção no que dizem todos os que reclamam do progressivo encarecimento do custo da energia - não só consumidores de baixa renda, mas indústrias, comércio, associações do setor etc. Com uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, e grande sobra, o Brasil tem uma das energias mais caras do mundo.

Todos os problemas do setor elétrico foram parar na conta dos consumidores residenciais, dada a profusão de subsídios, em especial a energias renováveis, que já deveriam ser escalonadamente reduzidos. A MP é um exemplo do que não deve ser feito. O objetivo da medida é reduzir entre 3,5% e 5% a conta. O adiantamento de R$ 26 bilhões amortizará duas pesadas contas do passado, de cerca de R$ 11 bilhões, relativas ao ressarcimento da queda de consumo provocada pela pandemia de covid-19 e pelo uso de termelétricas, o insumo mais caro do sistema, durante a escassez de energia em 2021. Esse dinheiro não existe. Será um empréstimo feito com recebíveis junto aos bancos, com pagamento de juros e encargos. Quando a conta dos empréstimos chegar, o custo voltará a atordoar os consumidores, que se beneficiarão apenas de um alívio imediato.

Os governos petistas ajudaram a transformar problemas complexos de um setor já complicado em um pesadelo. Dilma Rousseff, ministra de Minas e Energia, depois ministra chefe da Casa Civil e, por fim, presidente da República, editou a MP 579 em 2012 para reduzir o preço cobrado pela energia do consumidor em 20%. Em 2014 a conta de energia já havia subido 25% e, em 2018, 50%. Aos desarranjos desse período foram acrescentados outros a partir daí. Os encargos extras nas contas de energia - boa parte deles não deveria estar ali - somam 13% do total da tarifa.

A liberalização do mercado, uma solução correta, seguiu caminhos tortuosos e acresceu custos. O aumento do número de consumidores que poderiam escolher quem lhes fornece energia, com base no mercado livre, ocorreu ao mesmo tempo em que foram concedidos subsídios, também corretos, para a expansão de fontes alternativas. No entanto, quem recebeu os subsídios migrou para o mercado livre, reduzindo a base de consumidores que têm de pagar os encargos correspondentes. Além disso, com base nos incentivos, a oferta total de energia ultrapassou em muito a demanda, com a consequência exótica de que, mesmo assim, seu preço continuou subindo.

Pelos dados da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace), em termos de renda per capita, o Brasil tinha em 2022 um custo residencial da energia elétrica maior do que todos os 34 países ricos da OCDE. “O consumidor subsidia combustíveis fósseis, paga o risco hidrológico, segurança energética, energia de reserva, sobra de energia e a expansão desnecessária da transmissão, tudo isso custo de geração”, afirma Edvaldo Santana, ex-diretor da Aneel e colunista do Valor.

O desenho da MP traz os contornos das distorções do sistema. Energias alternativas, cujos custos caíram a mais da metade do que quando surgiram, tiveram prorrogados por mais 36 meses o prazo para que entrem em operação com subsídios. Para a Abrace, a conta será de R$ 4,5 bilhões por ano a partir de 2029. Para Santana, que estima em 90 GW a capacidade adicional dessas fontes que ainda não produzem, a conta total ficará entre R$ 17 bilhões e R$ 19 bilhões.

As lideranças do Congresso contribuem para o caos. Além de empilhar caras usinas térmicas a gás desnecessárias no projeto de privatização da Eletrobras, agiram, por exemplo, para fazer com que a Aneel suspendesse reajuste de 34% nas tarifas do Amapá, base política do senador Davi Alcolumbre (União Brasil), que cobiça o comando do Senado em 2025.

O início de uma solução para o inacreditável problema de tarifas estratosféricas em um país com sobra de energia passa pela alocação dos subsídios tidos como necessários fora da conta de luz e no lugar a que pertencem: o orçamento da União. Ao mesmo tempo, seria possível abrir a todos a adesão ao livre mercado e repartir democraticamente o custo dos subsídios adequados. Para Santana, a conta de luz cairia 12% “sem truques”. Há assim formas mais inteligentes e baratas de o presidente Lula tentar melhorar sua popularidade.

"Democracia sempre, sem fake news"

Correio Braziliense

Por meio delas, inverdades ganharam e seguem conquistando dimensões exponenciais — um fenômeno que ganha contornos ainda mais preocupantes em ano eleitoral

A decisão da Câmara dos Deputados de zerar o projeto de lei das fake news desacelera o enfrentamento a uma questão urgente para o país. As redes sociais tornaram-se instrumento para publicações de textos e gravações fantasiosas e agressivas que atingem instituições diversas, integrantes do Judiciário, Executivo e Legislativo, políticos dos mais diferentes matizes ideológicos e partidários, além de ilustres personalidades de diferentes segmentos sociais. Por meio delas, inverdades ganharam e seguem conquistando dimensões exponenciais — um fenômeno que ganha contornos ainda mais preocupantes em ano eleitoral.

Não há dúvidas quanto ao poder destruidor da desinformação. Os negacionistas da ciência, da medicina e de todos os avanços obtidos no país induziram parcela expressiva da população a rejeitar a vacinação durante a pandemia da covid-19. A peste da descrença, que vinha se alastrando antes mesmo da crise sanitária, ganhou mais força. E ainda hoje se mantém atuante, com a rejeição de milhares de brasileiros à lista de vacinas contra mais de uma dezena de doenças oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Na política, a prática de achincalhar os adversários e os apoiadores dos oponentes chegou aos tribunais — e, para muitos, rendeu gordas indenizações em dinheiro. Agora, mais do que nunca, desperta preocupação quanto ao cumprimento de regras eleitorais e uso de inteligência artificial. Não à toa, há um mês, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inaugurou o Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia.

Criar e disseminar fake news é comportamento absolutamente oposto à liberdade de expressão, direito basilar do Estado Democrático de Direito, que não comporta mentiras, difamações, discursos de ódio e apelos inflamados à violência. Ao infringirem os limites da liberdade de expressão, os antidemocráticos fomentaram os atos deletérios de 8 de janeiro de 2023. A expectativa era a de empurrar o Brasil e a conquista da democracia em 1985 para o abismo do obscurantismo, da violência, da supressão das liberdades individuais e coletivas. A união firme do Legislativo, Executivo e Judiciário impediu a vitória do atraso. Espera-se, agora, que a decisão de sepultar o projeto de lei das fake news tomada pela Câmara não se transforme em mais um capítulo da tensão entre os Poderes.

Diante da decisão da Câmara, o Supremo Tribunal Federal julgará uma ação que trata da responsabilização dos provedores pelos conteúdos criados por terceiros, como exige o artigo 19 do Marco Civil da Internet (Lei n° 12.965, de 23 de abril de 2014), provocado pelo Facebook. Segundo o presidente da Casa Legislativa, Arthur Lira, a decisão tomada pelo ministro Dias Toffoli não é uma interferência indevida, "uma coisa não tem nada a ver com a outra".

Os deputados, segundo Lira, vão com "muita tranquilidade e transparência" atuar em grupos de trabalho para lidar com o tema. O PL das fake news, porém, está adormecido há quatro anos. Ganhou nova urgência com os embates entre Elon Musk, dono da rede social X, e o ministro Alexandre de Moraes. Que este seja, de fato, o momento para uma resposta à altura à sociedade. A democracia não pode esperar.

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