O Estado de S. Paulo
Dados sobre consumo, inflação e emprego
justificam melhora das expectativas para 2024. Mas quem acompanha a gestão
pública tem motivos suficientes para preocupação e incerteza
Consumo em alta, inflação em baixa e desemprego contido justificam a melhora das expectativas para o Brasil em 2024, com projeções de crescimento próximas de 2%. Os mais otimistas apostam num resultado pouco superior a essa marca. O otimismo é limitado, no entanto, pela insegurança internacional e pela incerteza quanto à evolução das contas públicas. Para defender o Tesouro, o presidente Luiz Inácio da Silva terá de resistir às pressões do PT e, mais do que isso, às próprias tendências. Como vários companheiros de partido, o presidente às vezes parece acreditar na gastança como fonte milagrosa de prosperidade. Além do maquiavelismo e do marxismo de botequim, há também um keynesianismo botequinesco.
Com avanço econômico de 2,9%, expansão do
emprego e inflação em queda, o governo Lula 3 encerrou seu primeiro ano com um
bom balanço, mas com muita coisa para reconstruir. Depois desse começo
animador, a arrumação das contas públicas deveria ser um dos objetivos
centrais. Seria preciso, em 2024, cuidar do estrago financeiro e administrativo
deixado pelo governo anterior.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
apontou a importância dessa tarefa, dependente em parte de uma eficiente
cooperação com o Congresso. Não se trataria apenas de produzir números mais
atraentes, mas de trabalhar pela saúde fiscal e pela solidez da economia. Seria
preciso buscar, entre outros objetivos, a contenção do endividamento público.
Isso incluiria trabalhar por déficit zero neste ano e algum superávit nos anos
seguintes.
O governo teria de iniciar o percurso num
ambiente de juros altos, muita incerteza e pouco investimento. Já enfrentado em
2023, o aperto monetário imposto pelo Banco Central (BC) deveria estender-se
pelo ano seguinte, embora com algum alívio. Em agosto do ano passado a taxa
básica passou de 13,75% para 13,25%, no início de um ciclo de cortes de 0,5
ponto porcentual.
Já reduzidos a 10,75%, os juros básicos
deverão ser novamente cortados na próxima deliberação do Copom, o Comitê de
Política Monetária do BC, programada para os dias 7 e 8 de maio. Uma nova
redução de 0,5 ponto poderá ocorrer, mas num cenário menos seguro. Diante das
novas incertezas, o Copom só indicou, na ata de março, o resultado provável de
sua próxima reunião.
Antes, os comunicados apontavam as decisões
prováveis das duas decisões seguintes. O texto recente destaca a insegurança
causada por fatores internacionais. As fontes de incerteza são facilmente
perceptíveis e uma das mais importantes é a política monetária americana,
calibrada para o enfrentamento de uma inflação elevada. Em recente entrevista,
o presidente do BC, Roberto Campos Neto, menciona a inflação americana ao
explicar por que o Copom passou a olhar apenas uma reunião à frente.
Nessa entrevista, assim como na ata da última
reunião, as incertezas foram associadas principalmente a fatores externos. Em
suas manifestações, o Copom tem dado muito menos importância do que em outros
tempos às perspectivas das contas públicas nacionais. A questão fiscal tem sido
tratada como se fosse, hoje, bem menos preocupante do que em décadas passadas.
Como o Copom tem sido, tradicionalmente, um vigilante severo das contas
públicas, sua linguagem recente parece justificar algum otimismo quanto às finanças
federais. Não há, no entanto, como apagar a história.
Será prudente manter alguma preocupação
quanto à segurança do Tesouro e, portanto, quanto à evolução da dívida pública
e das condições de financiamento do governo. Motivos para otimismo já ocorreram
em outros momentos, como na fase de reformas dos anos 90 e no começo deste
século. Mas a gestão prudente e segura das contas da União nunca se tornou um
fato rotineiro, absorvido no dia a dia da política e do mercado.
Há fortes e numerosos motivos, no Brasil,
para a insegurança quanto à evolução das contas públicas. Quando há, no
governo, gente comprometida com o equilíbrio fiscal, como parece haver neste
momento, seu trabalho pode ser ameaçado por outros membros do Executivo, por
líderes partidários e por parlamentares empenhados na gastança. O compromisso
de alguns ministros com a responsabilidade financeira tem pouco efeito, quando
parte do governo manobra, como nos últimos dias, para antecipar despesas.
A gestão de recursos públicos é prejudicada
também pelo engessamento orçamentário. A maior parcela das verbas é
comprometida com gastos obrigatórios. O dinheiro restante é devorado, em grande
parte, por emendas de interesse restrito ou simplesmente pessoal. As verbas do
Orçamento são públicas, em termos legais, mas acabam administradas, de forma
predominante, como recursos privados.
Os ministros da Fazenda e do Planejamento
terão muito trabalho se insistirem, de fato, em submeter o Orçamento federal a
uma política de equilíbrio e de eficiência. Os primeiros obstáculos poderão
surgir no Executivo. As intenções declaradas desses ministros podem justificar
algum otimismo, mas quem acompanha a gestão pública tem motivos suficientes
para preocupação e incerteza.
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