domingo, 14 de abril de 2024

Rolf Kuntz - Incertezas bilionárias

O Estado de S. Paulo

Dados sobre consumo, inflação e emprego justificam melhora das expectativas para 2024. Mas quem acompanha a gestão pública tem motivos suficientes para preocupação e incerteza

Consumo em alta, inflação em baixa e desemprego contido justificam a melhora das expectativas para o Brasil em 2024, com projeções de crescimento próximas de 2%. Os mais otimistas apostam num resultado pouco superior a essa marca. O otimismo é limitado, no entanto, pela insegurança internacional e pela incerteza quanto à evolução das contas públicas. Para defender o Tesouro, o presidente Luiz Inácio da Silva terá de resistir às pressões do PT e, mais do que isso, às próprias tendências. Como vários companheiros de partido, o presidente às vezes parece acreditar na gastança como fonte milagrosa de prosperidade. Além do maquiavelismo e do marxismo de botequim, há também um keynesianismo botequinesco.

Com avanço econômico de 2,9%, expansão do emprego e inflação em queda, o governo Lula 3 encerrou seu primeiro ano com um bom balanço, mas com muita coisa para reconstruir. Depois desse começo animador, a arrumação das contas públicas deveria ser um dos objetivos centrais. Seria preciso, em 2024, cuidar do estrago financeiro e administrativo deixado pelo governo anterior.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apontou a importância dessa tarefa, dependente em parte de uma eficiente cooperação com o Congresso. Não se trataria apenas de produzir números mais atraentes, mas de trabalhar pela saúde fiscal e pela solidez da economia. Seria preciso buscar, entre outros objetivos, a contenção do endividamento público. Isso incluiria trabalhar por déficit zero neste ano e algum superávit nos anos seguintes.

O governo teria de iniciar o percurso num ambiente de juros altos, muita incerteza e pouco investimento. Já enfrentado em 2023, o aperto monetário imposto pelo Banco Central (BC) deveria estender-se pelo ano seguinte, embora com algum alívio. Em agosto do ano passado a taxa básica passou de 13,75% para 13,25%, no início de um ciclo de cortes de 0,5 ponto porcentual.

Já reduzidos a 10,75%, os juros básicos deverão ser novamente cortados na próxima deliberação do Copom, o Comitê de Política Monetária do BC, programada para os dias 7 e 8 de maio. Uma nova redução de 0,5 ponto poderá ocorrer, mas num cenário menos seguro. Diante das novas incertezas, o Copom só indicou, na ata de março, o resultado provável de sua próxima reunião.

Antes, os comunicados apontavam as decisões prováveis das duas decisões seguintes. O texto recente destaca a insegurança causada por fatores internacionais. As fontes de incerteza são facilmente perceptíveis e uma das mais importantes é a política monetária americana, calibrada para o enfrentamento de uma inflação elevada. Em recente entrevista, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, menciona a inflação americana ao explicar por que o Copom passou a olhar apenas uma reunião à frente.

Nessa entrevista, assim como na ata da última reunião, as incertezas foram associadas principalmente a fatores externos. Em suas manifestações, o Copom tem dado muito menos importância do que em outros tempos às perspectivas das contas públicas nacionais. A questão fiscal tem sido tratada como se fosse, hoje, bem menos preocupante do que em décadas passadas. Como o Copom tem sido, tradicionalmente, um vigilante severo das contas públicas, sua linguagem recente parece justificar algum otimismo quanto às finanças federais. Não há, no entanto, como apagar a história.

Será prudente manter alguma preocupação quanto à segurança do Tesouro e, portanto, quanto à evolução da dívida pública e das condições de financiamento do governo. Motivos para otimismo já ocorreram em outros momentos, como na fase de reformas dos anos 90 e no começo deste século. Mas a gestão prudente e segura das contas da União nunca se tornou um fato rotineiro, absorvido no dia a dia da política e do mercado.

Há fortes e numerosos motivos, no Brasil, para a insegurança quanto à evolução das contas públicas. Quando há, no governo, gente comprometida com o equilíbrio fiscal, como parece haver neste momento, seu trabalho pode ser ameaçado por outros membros do Executivo, por líderes partidários e por parlamentares empenhados na gastança. O compromisso de alguns ministros com a responsabilidade financeira tem pouco efeito, quando parte do governo manobra, como nos últimos dias, para antecipar despesas.

A gestão de recursos públicos é prejudicada também pelo engessamento orçamentário. A maior parcela das verbas é comprometida com gastos obrigatórios. O dinheiro restante é devorado, em grande parte, por emendas de interesse restrito ou simplesmente pessoal. As verbas do Orçamento são públicas, em termos legais, mas acabam administradas, de forma predominante, como recursos privados.

Os ministros da Fazenda e do Planejamento terão muito trabalho se insistirem, de fato, em submeter o Orçamento federal a uma política de equilíbrio e de eficiência. Os primeiros obstáculos poderão surgir no Executivo. As intenções declaradas desses ministros podem justificar algum otimismo, mas quem acompanha a gestão pública tem motivos suficientes para preocupação e incerteza.

 

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