segunda-feira, 1 de abril de 2024

Sergio Lamucci - A força do mercado de trabalho e o consumo das famílias

Valor Econômico

O comportamento do emprego e da renda estimula a atividade, devendo ajudar a economia a crescer na casa de 2% neste ano

O mercado de trabalha segue forte em 2024, mostrando uma criação expressiva de empregos com carteira assinada e um aumento da renda bastante acima da inflação. Além disso, o número de demissões a pedido tem sido elevado, um outro sinal de aquecimento, indicando que os trabalhadores se sentem confortáveis para sair voluntariamente do emprego e buscar outras ocupações. Com o bom momento do mercado de trabalho e a retomada do crédito (ler mais em Crédito para consumo avança mais e pode alavancar PIB), o consumo das famílias deve mais uma vez puxar o PIB pelo lado da demanda. O Bradesco, que espera um crescimento de 2% neste ano, projeta um avanço de 2,8% para o consumo privado.

Os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de fevereiro voltaram a ficar bem acima das previsões dos analistas. As contratações com carteira assinada superaram as demissões em 306,1 mil vagas, número bem superior ao de 230 mil do consenso do mercado. Nos cálculos da LCA Consultores, o número de fevereiro ficou em 180,5 mil vagas na série com ajuste sazonal, inferior aos 219,6 mil de janeiro por esse critério, mas muito acima da média de 123,5 mil por mês registrada no ano passado.

Além disso, o Caged mostrou admissões superiores aos desligamentos de trabalhadores de modo disseminado pela economia, com saldo positivo de vagas em serviços, indústria, agropecuária, comércio e construção civil. A maior fatia, nota a LCA, ficou com o setor de serviços, respondendo por 63% do saldo de vagas criado no mês, o equivalente a 193 mil postos.

Também chama a atenção o número de demissões a pedido dos trabalhadores, que registrou recorde em fevereiro pelo segundo mês consecutivo, aponta a LCA. O dado ficou em 694.510 em fevereiro, atingindo 7,5 milhões no acumulado em 12 meses, o mais alto de uma série iniciada em 2004. “Em relação aos desligamentos totais do mês, 35,7% foram dessa modalidade, acima dos 34,5% de fevereiro de 2023, e a maior porcentagem para esse mês do ano desde o início da vigência do Novo Caged [em 2020]”, aponta análise da MCM Consultores Associados. “Além disso, na média móvel dos últimos 12 meses, atinge-se nova máxima histórica, com 34,3%”, diz a consultoria. Esses dados são mais um sinal de aquecimento do mercado de trabalho. Eles sugerem que quem está empregado pede demissão por conseguir outra ocupação considerada mais vantajosa, num cenário de maior oferta de vagas.

O Caged também trouxe uma evolução favorável do salário médio de admissão, que ficou em R$ 2.083 em fevereiro. A LCA observa que se trata de uma alta de 2,5% em relação a janeiro e de 1,4% na comparação com o mesmo mês do ano passado, descontada a inflação, além de o número ser 0,1% maior que o do mesmo mês de 2019, nível anterior à pandemia da covid.

Outros números divulgados na semana passada confirmam o forte crescimento da renda. Nos três meses até fevereiro, o rendimento habitual médio ficou em R$ 3.110, 4,3% a mais do que em igual período de um ano antes, já descontada a inflação, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. “Além da maior participação de vagas no setor privado com carteira assinada, que tendem a ser menos voláteis e mais rentáveis em média do que vagas informais, a política de reajuste de salário mínimo acima da inflação também contribui para a elevação dos rendimentos”, dizem os analistas da LCA. No trimestre encerrado em fevereiro, a participação dos trabalhadores do setor privado com carteira no total da população ocupada ficou em 37,9%, acima dos 37,5% registrados um ano antes.

A taxa de desemprego, por sua vez, ficou em 7,8% no período de dezembro a fevereiro de 2024, acima dos 7,5% dos três meses até novembro, mas bem abaixo dos 8,6% do mesmo período de um ano antes. Já na série livre de influências sazonais calculada pelo Itaú Unibanco, houve queda na desocupação de 7,8% no trimestre terminado em janeiro para 7,7% nos três meses até fevereiro.

Há números, porém, que mostram um cenário menos róseo no mercado de trabalho. No Caged, a maior parte do saldo de empregos se concentra em vagas de baixa remuneração. Em fevereiro, foram 75.013 postos até 1 salário mínimo e 185.814 entre 1 e 1,5 mínimo. Em resumo, grande parte dos empregos criados é de baixa qualificação.

Além disso, a subutilização da força de trabalho ainda continua elevada, embora tenha caído consideravelmente em relação aos níveis atingidos entre 2017 e 2022. Nos três meses até fevereiro, a taxa composta da subutilização ficou em cerca de 20,6 milhões de pessoas, equivalente a 17,8% da força de trabalho. Esse grupo engloba os desempregados, os ocupados que poderiam ou gostariam de trabalhar mais horas e os que integram a força de trabalho potencial. Esse terceiro agrupamento inclui pessoas que buscaram emprego, mas não estavam disponíveis para trabalhar na semana de referência da pesquisa do IBGE, e as que não procuraram trabalho, mas gostariam de ter um emprego e estavam disponíveis. Uma taxa de subutilização de 17,8% é bem menor que os 29,3% atingidos em 2021, mas ainda está acima dos 16,1% de 2015, dos 15,3% de 2014 e dos 17,5% de 2013.

Apesar de alguns indicadores menos positivos como esses, o mercado de trabalho tem dado fôlego à economia, especialmente ao consumo das famílias, que cresceu 3,4% em 2023, ano em que a economia avançou 2,9%. Para que o emprego e a renda sigam firmes, porém, é necessário que o investimento deslanche. A queda dos juros tende a fazer o setor privado investir mais neste ano, mas, para que o processo tenha continuidade, é essencial melhorar o ambiente de negócios e reduzir as incertezas fiscais. Sem isso, o investimento voltará a patinar. Se esse cenário prevalecer, os empresários não terão segurança para apostar na modernização e ampliação da capacidade produtiva, enfraquecendo o mercado de trabalho em algum momento.

Nenhum comentário:

Postar um comentário