Correio Braziliense
O revés mais sério do governo foi o Congresso
manter o veto de Jair Bolsonaro, de 2021, à criminalização das fake news
eleitorais, que violam as regras democráticas
Há que se ter certa cautela na avaliação das
derrotas sofridas pelo governo na derrubada dos vetos do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva pelo Congresso, na noite de terça-feira. Do ponto de vista do
jogo democrático, faz parte de um cenário em que o governo luta pelo
restabelecimento do “presidencialismo de coalizão”, enquanto os partidos do
Centrão que integram a sua própria base parlamentar, com os petistas docemente
constrangidos, pretendem impor um “semipresidencialismo” informal e
irresponsável.
A diferença entre um conceito e outro não é o compartilhamento do governo com os aliados, o que já existe, mas o grau de compromisso de suas respectivas bancadas com os interesses da sociedade e a qualidade de investimentos em políticas públicas. Uma análise atenta dos vetos derrubados e dos que foram mantidos mostra isso com clareza. As derrotas impostas ao governo foram mais simbólicas da agenda conservadora hegemônica no Congresso do que realmente um xeque-mate na governabilidade, para que o presidente Lula faça uma reforma ministerial. Não haverá reforma antes das eleições municipais.
O líder do governo no Congresso, senador
Randolfe Rodrigues (AP), resumiu a ópera: “Aqui vale a máxima de que o jogo é
jogado e lambari é pescado. O governo reconhece a posição da maioria do
Congresso e segue o jogo. Vamos para os próximos temas. Celebramos e
agradecemos ao Congresso a manutenção dos vetos da LDO e a percepção de ter
mantido outros cinco vetos, como a Lei Orçamentária e outros pontos que
implicariam aumento de gastos, com impacto fiscal. Reconhecemos o resultado
onde fomos derrotados”, disse. Os dois temas de mais repercussão política foram
a taxação de compras on-line no exterior de até US$ 50, o equivalente a R$ 260,
e as chamadas “saidinhas”.
A rigor, apesar de ter afirmado que era
contra porque considerava uma injustiça cobrar impostos sobre pequenas compras
que beneficiam os consumidores de baixa renda, Lula ganhou de dois lados: jogou
para a arquibancada, ao se posicionar contra o imposto, uma postura simpática à
sua base eleitoral; e o governo federal é que vai faturar com a cobrança de 20%
sobre o valor dessas compras, como, aliás, desejava o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, que se fez de morto na votação. Há uma certa “dialética” no resultado
dessa votação…
No caso da “saidinha”, o veto de Lula se
aplicava apenas aos presos que estão em regime semiaberto, ou seja, que
trabalham ou estudam durante o dia e dormem na cadeia. Esses presos costumam
ser liberados no Natal e em outras ocasiões para ficar com suas famílias. A
taxa de evasão e prática de crimes por esses presos, que estão em regime
semiaberto por progressão de pena e/ou bom comportamento, é baixíssima.
Randolfe ironizou a decisão, comentando que
atingirá também os condenados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro, mas não
é bem assim. Todos os presos já condenados têm direitos adquiridos com base no
Código Penal. A lei não pode ter efeito retroativo. Qualquer advogado
criminalista que recorrer aos tribunais terá ganho de causa. Até o fim de
abril, no caso dos vândalos que depredaram a Praça dos Três Poderes, eram 88
presos por esses ataques, e outros 1.557 cumpriam pena em regime semiaberto ou
aberto e foram submetidos a medidas como uso de tornozeleira e proibidos de
deixar o país.
Fake news
No mérito, a derrota mais séria foi o
Congresso manter a decisão de Jair Bolsonaro, que vetou, em 2021, a
criminalização das fake news eleitorais, como violação das regras democráticas.
Na Câmara, 317 deputados votaram para manter o veto do ex-presidente e apenas
139 foram contra, dos quais 115 votos vieram de legendas de esquerda: PT (65),
PDT (14), PSol (13), PSB (11), PCdoB (7) e PV (5). Dos 317 favoráveis a não
punir fake news, 191 foram dados pelos cinco partidos do Centrão que integra a
base de apoio ao Planalto: União (51), PP (42), Republicanos (40), PSD (37) e
MDB (21). Como o veto foi mantido pelos deputados, não foi necessário sequer
submeter a matéria à apreciação dos senadores.
Randolfe jogou a toalha quanto à agenda
conservadora do Congresso: “Conseguimos adiar duas vezes essas votações, mas
nada adiantou. E nada adiantaria mesmo que adiássemos 10 vezes. O placar seria
sempre esse. Precisamos reconhecer essas derrotas”, disse. Segundo o líder do
governo no Congresso, houve, nesta quarta-feira, uma reunião para avaliar os
resultados da noite de terça-feira entre o presidente Lula e seus articuladores
políticos: o ministro Alexandre Padilha e os líderes no Senado, Jaques Wagner
(PT-BA), e na Câmara, José Guimarães (PT-CE), além do próprio Randolfe.
Ficou decidido que esse “núcleo político” se
reunirá toda segunda-feira, com a participação eventual de ministros envolvidos
com a agenda do Congresso. Uma velha raposa do Senado aposta que na terceira
semana Lula já não participará da reunião. “Não adiantará nada, são eles com
eles, o que vai decidir os rumos do Congresso são as conversas de Lula com
Rodrigo Pacheco (PSD-MG), presidente do Senado, e Arthur Lira (PP-AL),
presidente da Câmara. Eles que mandaram recado.”
Cada qual com o seu cada qual.
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