O Globo
Não chegou a ser surpresa para ninguém que
acompanhe os debates no Congresso Nacional ver o governo Lula ser
derrotado nas votações da autorização
para a saidinha de presos e do artigo da nova Lei de Segurança
Nacional que previa
a punição à disseminação de fake news. Era o caminho natural num parlamento
dominado pela direita, ainda mais em ano eleitoral.
Já faz tempo que a cúpula lulista compreendeu que, nas “pautas de costume”, não há o que fazer a não ser marcar posição e torcer para não perder de muito. Sempre que entram na ordem do dia, temas como saidinha, demarcação de terras indígenas, descriminalização das drogas ou restrição a fake news vão direto para a coluna dos prejuízos da contabilidade governista.
Ainda assim, o placar de cerca de 300 votos a
120 nos dois projetos espantou não só a oposição, que esperava resistência
maior, como o próprio Palácio do Planalto, que preferia ter tido uma derrota
menos humilhante. Considerando os outros projetos em que o governo perdeu,
incluindo os que entraram na pauta de última hora — como
a autorização para clubes de tiros perto de escolas —, o resultado foi
pior do que até os pessimistas imaginavam.
Está claro, portanto, que faltou articulação.
A votação das saidinhas e de outros vetos do presidente foi adiada por semanas
justamente para que se encontrasse uma uma saída digna, uma vez que já se sabia
que não havia chance de vitória. Num determinado momento, os aliados de Lula
chegaram a acreditar até que conseguiriam manter as punições às fake news.
Ao final, nem os líderes do PT ajudaram
a combater os discursos dos bolsonaristas no plenário. E, apesar de o discurso
oficial do governo ser que o resultado já era esperado, na prática começou a
haver um ajuste de rota. A partir de segunda-feira, Lula deverá se reunir
semanalmente com seus líderes no Congresso e, a seguir, se encontrar mais
amiúde com as bancadas da base para tentar alinhar os ponteiros.
Pode melhorar, mas não resolverá.
A prova disso é o diagnóstico dos
governistas, sintomático da sinuca em que o governo se encontra. Os próprios
articuladores de Lula admitem não ter força contra o que chamam de “bancadas da
selfie”, orientadas pelas redes sociais. É uma forma oblíqua de reconhecer que,
se a esquerda governa o país, a direita governa o eleitorado e as redes
sociais.
Num Congresso em que os parlamentares se
garantem com recursos generosos e obrigatórios para suas emendas, sobra mesmo
pouca margem de manobra. É por isso que a estratégia do Planalto na relação com
o Congresso tem sido concentrar a energia nas pautas econômicas, em torno das
quais se podem obter acordos, e resistir como puder ao avanço dos projetos
conservadores.
Por trás dessa estratégia, está a suposição
de que basta a economia ir bem para que Lula seja competitivo em 2026. A
realidade, porém, desafia essa lógica.
Dados divulgados ontem pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
mostram que a soma de todos os salários em circulação na economia aumentou 8%
no último ano, e o país gerou 33% mais empregos formais. As previsões de
crescimento do PIB são
de 2% para este ano, mais que o esperado inicialmente e razoável para um
cenário de juros altos. Ainda assim, a popularidade do governo está em baixa, e
pesquisas recentes, como a Ipsos, revelam que, para 57% dos brasileiros, o país
está na direção errada.
A explicação é mais ou menos consensual:
embora desempenho econômico ruim ainda possa ser fatal para a continuidade de
um governo, já foi o tempo em que bons resultados garantiam a vitória nas
urnas. Fatores ideológicos pesam, indicadores de segurança pública fazem cada
vez mais diferença, e manter uma agenda sintonizada com o futuro é essencial.
Lula, porém, mantém postura apenas reativa na
segurança. Se agarra a propostas impregnadas de naftalina — como a construção
de refinarias na Petrobras,
que, além de terem sido foco de corrupção, não contribuem para a necessária
transição energética, ou a “celetização” dos motoristas de Uber, que eles
mesmos abominam. Como se não bastasse, ainda torce o nariz para os evangélicos
e o agronegócio, em vez de buscar algum tipo de aproximação.
O vareio tomado no Congresso é sintoma, e não causa, desse estado de coisas. Para enfrentá-lo de verdade, não adianta apenas melhorar a comunicação, encher a agenda de reuniões ou abrir o cofre para os parlamentares. É preciso, antes de mais nada, desapegar do passado e olhar para os problemas do presente com a cabeça no futuro. Mas talvez seja exigir demais de Lula.
Os evangélicos e o agronegócio é que torcem o nariz para o Lula e não o inverso.
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