Folha de S. Paulo
Números do mercado de trabalho no primeiro
trimestre foram bons além do previsto
Este é um país conflagrado, bidu. Dedica-se a
guerras político-culturais por qualquer motivo, das últimas do Xandão
do Supremo à música de cantores populares e casamentos de
"famosos" e "influencers". Quando começar a campanha para a
eleição municipal, deve haver picos de burrice, mentira e
"polarização".
Dados econômicos causam o torpor do enfado na
maioria das pessoas. São ainda mais desprezados nesse ambiente inflamável,
quando não são desmentidos nas redes com fé cega, faca amolada e nenhum
argumento.
No entanto, números recentes, como os do emprego indicam melhorias reais.
O número de pessoas ocupadas, com algum
emprego, está crescendo a 2,3% ao ano: rápido. Havia desacelerado até outubro
de 2023, mas se recupera desde então. O salário médio cresce ao ritmo anual de
4% acima da inflação.
A massa salarial, soma de todos os
rendimentos do trabalho,
cresce a 6,6% ao ano. Está em um nível cerca de 16% maior do que o dos picos de
2014 e 2015.
São contas feitas com dados do IBGE, divulgados
nesta terça-feira (30), quando também saíram os números do emprego formal, dos
registros do Ministério do Trabalho (vulgo Caged). No primeiro trimestre, foram
criados cerca de 719 mil empregos, bem mais do que os 536 mil do início de
2023.
O mercado formal está movimentado, com muitas
admissões e demissões, com alta forte do salário de admissão. Isso quer dizer
também que mais pessoas têm oportunidade de mudar de emprego, por um trabalho
melhor.
O índice de sofrimento ou de infelicidade
("misery index", em inglês) é uma medida elementar de bem-estar
econômico e da conjuntura, da economia no curto prazo, uma ideia do economista
americano Arthur Okun (1928-1980).
É a soma das taxas anuais de inflação e
de desemprego.
Para os meses de março, está no menor nível desde 2012, período para o qual há
dados comparáveis. Desemprego e inflação estão em níveis historicamente baixos.
O mal-estar difuso permanece, porém, como se
pode notar também pela ligeira baixa de popularidade de Lula da Silva ou pelo
nível ainda baixo da confiança do consumidor.
Mesmo dando o desconto do clima político e o
fato de que o país ainda não se recuperou de uma década de desastre
socioeconômico, o tamanho do desânimo é um pouco intrigante, porém.
Quem quer que comente a queda
recente da taxa de inflação será apedrejado nas redes e noutros fóruns
virtuais, nos quais se vai ler também que o IBGE mente. Em parte, entende-se a
reação.
A taxa de inflação, no caso a variação da
média dos preços para o consumidor, é de fato menor. Mas o nível de preços
fundamentais continua alto em relação ao salário médio.
Entre os preços mais conhecidos e
acompanhados pelo consumidor estão os de comida, combustíveis, remédios,
energia e transporte.
Desde pouco antes do início do impacto da
epidemia (março de 2020) até março de 2024, a média do preço dos alimentos
levados para casa aumentou 46,7%; o salário médio subiu 31,2%. Desde 2012, a
disparidade havia sido tão ruim apenas no ano de 2016 da Grande Recessão.
A vida despiorou um tico até para quem está
no fundo do poço do inferno social, quem não tem trabalho algum ou sobrevive
dos bicos mais tristes. As taxas de pobreza e miséria diminuíram por causa do
Bolsa Família ampliado.
A alta da dívida pública, a perspectiva
crônica de juros altos, a guerra dos impostos travada pelas elites, a falta de
investimento etc. não entram no radar popular. Comida cara ajuda a explicar o
desânimo, assim como a impaciência justa depois de uma década de sofrimento ou
frustração.
"Polarização" não explica o aumento
do desânimo entre eleitores lulistas. Parece haver algo que ainda não entrou no
radar das elites explicadoras.
A vida é difícil independente da carestia.
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