segunda-feira, 17 de junho de 2024

Ana Maria Diniz - O futuro possível requer coragem

Valor Econômico

Para o mundo melhorar, temos de evitar que as pessoas sejam seduzidas pelo discurso catastrofista

Há momentos em que é muito importante relembrar a História. Acredito que estamos em um desses momentos. O pessimismo é a grande realidade instalada a nível global. O desânimo e o desalento imperam, e a maioria das pessoas acha que a humanidade está sem rumo. Muitos, inclusive, já jogaram a toalha. Alguns, de tão desiludidos, anseiam pelo fim do mundo. Entre os grupos etários, a juventude é o mais afetado. Uma pesquisa com 10 mil jovens de 10 países publicada no “The Lancet” há um ano e meio revelou que 75% deles achavam o futuro assustador; 56%, que a humanidade estava condenada. Por essa razão, 48% afirmaram que não teriam filhos. O que podemos esperar do futuro se os mais novos, responsáveis por construí-lo, estão totalmente sem esperança? No limite, este pensamento fatalista pode representar um retrocesso civilizatório, ou mesmo o fim dos nossos tempos.

Há 35 anos, uma multidão que não aceitou continuar no obscurantismo fez o impossível se tornar realidade. O ano de 1989 foi um verdadeiro “annus mirabilis”, como se diz em latim, literalmente mudou tudo. Os protestos por liberdade que irromperam no Leste Europeu no período escalaram para a imensa Revolução Pacífica, culminando na queda do Muro de Berlim e no colapso soviético. Livre do fascismo e do comunismo, o mundo estava fadado a ser democrático. Nas palavras de Francis Fukuyama, era o fim da História como tal. A perspectiva de que seria substituída por outra mais justa, mais tolerante, guiada pela razão e pelo progresso, gerou uma enorme onda de esperança. Foi o início de uma época de otimismo e progresso.

Mas a utopia liberal das democracias perfeitas durou pouco. O panorama atual é desolador: vivemos uma mistura tóxica de insatisfação, ressentimento e intolerância, inclusive por parte dos que se apresentam como os defensores da diversidade, da equidade e da inclusão, mas perseguem e cancelam quem pensa diferente - a liberdade de expressão é um direito só deles, pois se acham os detentores da verdade. O grande perigo é que novamente estamos diante da ameaça do totalitarismo, do fundamentalismo religioso e do populismo autoritário. Hoje, o caminho do meio, do bom senso em torno de ideais comuns, construído a duras penas, foi totalmente bloqueado, está fora de moda e não tem apelo. Estamos vivendo o enfraquecimento das democracias com o abalo sistemático das instituições e dos valores democráticos em diversos países. Até os Estados Unidos e a França, dois bastiões da democracia liberal, apresentam sinais de deterioração.

No Brasil, a situação também é crítica. Os valores e convicções que servem de alicerces para a nossa frágil democracia começaram a ser degradados há 20 anos pela corrupção, pela pobreza e por apostas erradas da política econômica e fiscal dos governos de plantão. Tudo isso minou a confiança da população nas instituições. Na última edição do ranking “Democracy Index”, da “The Economist”, ficamos na 47ª posição entre 167 países, o que nos coloca na categoria “democracia imperfeita”.

O país está cansado de promessas de crescimento infundadas e de políticas sociais de maquiagem. Estamos a um passo de virar um país autoritário. Não bastasse, o Brasil entra agora na perigosa seara da insegurança jurídica e acelera ladeira abaixo para perder a confiança dos investidores nacionais e internacionais. É possível mudar esse jogo, temos só que acreditar nisso!

Precisamos superar o pessimismo e unir todos as pessoas de bom senso, de direita e de esquerda, diante um de um projeto sensato para o país. É isso que propõe o cientista político Luiz Felipe D'ávila no novo livro “Vire à direita e siga em frente”. Para D'ávila, só há uma alternativa para deixarmos um país melhor para os nossos filhos e netos. Os defensores da liberdade precisam sair do seu casulo e lutar nas ruas e na imprensa, no mercado e nas urnas, para construir um país realista, confiável, aberto para o mundo, com capacidade de crescimento, oportunidade de trabalho para todos, o mais rápido possível.

Certamente, o mundo não está em sua melhor forma, longe disso. No entanto, hoje temos muito mais informações do que jamais imaginamos ter e, por meio delas, podemos ver que, de perto e sem nenhum viés, o mundo melhorou drasticamente ao longo dos séculos. Essas mesmas informações nos mostram que tudo de bom que aconteceu foi consequência de ações e de muito esforço. Como diz o psicólogo Steven Pinker, o progresso não é inevitável, é intencional e pode ser direcionado, pois não é mera consequência do destino. Portanto, o progresso, se for motivado por ambições elevadas para uma sociedade melhor, pode se transformar numa grande conquista e num meio para criarmos um mundo e um país melhor.

O otimismo dos primórdios do século 20 cedeu lugar ao pessimismo quando populistas e outros políticos iliberais foram eleitos. Para o mundo melhorar, temos de evitar que as pessoas sejam seduzidas pelo discurso catastrofista.

Foi uma longa jornada até deixarmos de ser subjugados por reis, ditadores e tiranos e nos tornarmos cidadãos livres, responsáveis por nossas escolhas. Enfrentamos períodos de obscurantismo e de intolerância, de guerras e conflitos, para expurgar fanáticos e sabotadores da liberdade. Não podemos perder essa conquista jamais. Não podemos nos deixar contaminar e paralisar pela desesperança.

A lição de 1989 é que mudanças espetaculares são possíveis. Mesmo a situação mais terrível pode ser superada com racionalidade, com fé e coragem. O pragmatismo é o antídoto para combater as paixões extremistas e está na hora de usá-lo. A clareza de ideias, a diplomacia a organização e determinação são os meios. As pessoas podem construir o próprio futuro a partir de uma concepção de “bem comum”, do que queremos como sociedade e de quais os valores e os princípios nos servirão de bússola para chegar ao nosso destino.

Não somos vítimas passivas de fatos inesperados sobre os quais não temos controle. Nem das decisões de líderes, mesmo que democraticamente eleitos, com as quais não concordamos.

 

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