quarta-feira, 12 de junho de 2024

Bernardo Mello Franco – Uma professora no Congresso

O Globo

Deputada por um mandato, Conceição Tavares combateu FH e o liberalismo tucano e errou ao prever fracasso do Plano Real

Em 1994, Maria da Conceição Tavares decidiu trocar a sala de aula pela tribuna. Candidatou-se a deputada federal pelo PT. Apesar da campanha modesta, recebeu 40 mil votos. Foi sua primeira e única experiência na política institucional.

Ao debutar na Câmara, a professora já deu uma amostra de seu estilo. “Sei que ninguém me está ouvindo, mas Vossa Excelência pelo menos está”, disse ao presidente Luís Eduardo Magalhães. “É minha estreia neste Congresso, e não tinha a menor intenção de que fosse desta maneira.”

Além de estranhar a balbúrdia, Conceição estava irritada com mudanças na Previdência que aumentariam a mordida nos salários dos trabalhadores. “Sou uma pessoa séria, honesta, amiga de muitos que compõem o governo. Mas o que está sendo proposto é um absurdo”, protestou.

A economista fez oposição implacável a Fernando Henrique Cardoso, seu ex-colega de exílio no Chile. “A evolução política de FH é a síntese perfeita dos descaminhos da nossa transição democrática”, disparou, em janeiro de 1998. Crítica à aliança com o PFL, ela disse que o tucano havia passado por uma metamorfose: de “cabeça de área dos intelectuais de centro-esquerda do PMDB” a “presidente virtual do Arenão”.

Nos “Diários da Presidência”, FH se queixa das cutucadas e chama a então deputada, um ano mais velha, de “atrevida”: “Não teve respeito por mim, não tem o direito de dizer o que disse na campanha, uma mulher que me conhece a vida toda”.

Conhecida pelo tom combativo, a professora pôs a indignação permanente a serviço de suas ideias. Defendeu a reforma agrária, a distribuição de renda e a atuação do Estado como indutor do desenvolvimento. Atacou o neoliberalismo, os privilégios e as privatizações.

Errou feio ao prever o fracasso do Plano Real, mas não deixou de contestar a política econômica dos tucanos. Chegou a bater boca com o ministro Pedro Malan, um de seus ex-alunos que ocupavam altos postos na Esplanada.

“Lutei durante muito tempo, com esses meninos que estão no poder, por um país menos injusto, para sair do subdesenvolvimento e pela estabilidade. Continuamos com um país injusto e com mais subdesenvolvimento, enquanto a estabilidade é um mito que se está esvaindo pelos dedos da própria equipe”, sentenciou, em julho de 1998.

Num Congresso em que as mulheres de esquerda podiam ser contadas nos dedos, a economista usou sua veemência para abrir caminho. “O governo tinha medo da Conceição. Ela gritava com todo mundo. Como eu a conhecia bem, sabia que a tática era gritar mais alto”, diverte-se o ex-colega Milton Temer. “Ela foi uma deputada incansável e absolutamente original. Não conheci ninguém parecido”, elogia.

Ao fim do mandato, a economista anunciou que não concorreria à reeleição. Preferiu voltar à rotina de professora emérita da UFRJ. Os obituários publicados nos últimos dias exaltaram sua produção intelectual, mas dedicaram poucas linhas à passagem por Brasília. Quando questionada, ela dizia não sentir saudades da Câmara.

“Não aconteceu nada de especial na minha vida parlamentar”, desdenhou em 2019, em entrevista aos Cadernos do Desenvolvimento. “Porque você não tem a vocação política, tem a vocação acadêmica”, tentou contemporizar o ex-senador Saturnino Braga. “Porque aquele Parlamento é uma m...!”, rebateu Conceição, antes de definir a experiência como “uma tristeza”.

 

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