O Globo
Aos olhos dele, o comportamento dos
brasileiros se explica pelo clima
Foram necessários apenas cinco minutos e 13 segundos, o tempo do eclipse em maio de 1919, para que as teorias de Albert Einstein fossem comprovadas. Sobral, no interior do Ceará, e a ciência seriam outras a partir dali. De Londres, Einstein e uma plateia de estudiosos analisavam os dados enviados por cientistas desde um laboratório precariamente instalado na cidadezinha cearense. Diante do eclipse às 9 da manhã, parte da população de Sobral, assustada com o repentino escurecimento, escondeu-se dentro da igreja. Poderia ser o anunciado fim de mundo. Atordoados, os galos da vizinhança voltaram a cantar com a chegada da inesperada noite.
Mais de cem anos depois, os sobralenses ainda
são lembrados do fenômeno por uma obra do artista Murilo Sá Toledo assentada na
praça principal. Para a ciência, a escultura com a figura de Einstein também
marca a comprovação de suas teorias em substituição ao modelo mecânico de Isaac
Newton de explicação do Universo.
Em sua visita ao Brasil seis anos depois,
Einstein não iria a Sobral, só pisaria no Rio de Janeiro. No delicioso “Os
diários de viagem de Albert Einstein: América do Sul, 1925”, organizado por
Ze’ev Rosenkranz, suas impressões não poupam os brasileiros de críticas e
surgem vazadas por preconceitos típicos das teorias europeias do período.
Calma, patriotas: os argentinos recebem as piores notas — são vistos como “mais
ou menos sórdidos” e “indizivelmente estúpidos”.
Aos olhos de Einstein, o comportamento dos
brasileiros se explica pelo clima, na clássica teoria de que a temperatura dos
trópicos não permite boa reflexão e introspecção. O historiador Arnold Toynbee
também defendia a ideia. Para Einstein, a comprovação prática está nos
circunlóquios linguísticos estampados nos discursos de boas-vindas de alguns de
seus anfitriões — “se eu sou o elefante, eles são os macacos”.
O périplo do cientista passou por Brasil,
Argentina e Uruguai.
De março a maio de 1925, fez inúmeras palestras, participou de dezenas de
regabofes e se aborreceu profundamente com as gentilezas e rapapés de seus
anfitriões. Poupou mesmo apenas Montevidéu e
os uruguaios de suas observações enviesadas. Achou feia Buenos Aires,
mas elogiou a beleza do Rio e saudou a miscigenação dos brasileiros.
Um pouco do mau humor de Einstein pode ser
creditado ao coração ferido. Meio a contragosto, aceitara o convite feito pelas
comunidades judaicas dos três países para defender o sionismo e buscar esquecer
sua secretária. Os cientistas também amam. Betty Neuman, ainda na casa dos
vinte e poucos anos, era sobrinha de um grande amigo e balançava as convicções
do velho sátiro, afamado mulherengo, que tomara a ingrata resolução de viver o
resto de seus dias com a mulher, Elsa, para quem, aliás, escreveu o diário de
viagem.
O Brasil da década de 1920, no campo das
ciências exatas, tinha pouco a oferecer em troca da visita. Contavam-se nos
dedos os estudiosos capazes de entender as teorias de Einstein. Só após sua
partida seria fundada, no tardio 1934, a Universidade de São Paulo. Não custa
lembrar que o atraso também se deve à proibição pelos portugueses dos cursos de
graduação no Brasil, só atenuada com a chegada de D. João VI, em 1808.
A autoimagem dos brasileiros nem sempre
encontra eco nas impressões registradas pelos visitantes estrangeiros. Quase
esquizofrenia entre fala e ato. Não se contam aqui os livros dos naturalistas e
protocientistas, sempre embevecidos pela biodiversidade e exuberância da
natureza local, caso do russo-germânico Langsdorff num único exemplo.
Parece que a beleza natural condena o
raciocínio dos compatriotas, como reage o poeta franco-suíço Blaise Cendrars,
que privou da intimidade dos modernistas Mário e Oswald de Andrade em três
longas viagens pelo país. Segundo ele, as propostas estéticas dos Andrades eram
apenas êmulos das vanguardas europeias (o italiano Marinetti iria pela mesma
trilha). Opinião diferente teria o franco-argelino Albert Camus, que se mostrou
impressionado com as ideias de Oswald de Andrade sobre antropofagia e
dependência cultural. Mas que não poupou críticas ao comportamento do poeta
Augusto Frederico Schmidt, famoso glutão e sempre malcomportado à mesa.
Também existem rosas na relação, como
deixaram registros as visitas de dois escritores americanos. William Faulkner
engoliu todo o álcool disponível, e suas bebedeiras renderam vários folclores.
Idem John dos Passos, que rodou o mundo e só no Brasil terminou com o apelido
dado pelo poeta Paulo Mendes Campos: Johnnie Walker.
Einstein foi um cientista brilhante, mas era um ser humano como outro qualquer, com defeitos como qualquer um. Além disso, foi grandemente influenciado pelas comunidades judaicas, que financiaram sua vinda ao Brasil como informa o colunista, e esperavam que ele as apoiasse, como efetivamente sempre conseguiram. Noutro exemplo de que a objetividade dos cientistas é mais pra inglês ver do que realmente uma verdade científica...
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