sexta-feira, 21 de junho de 2024

César Felício - Sucessão na Câmara volta a passar pelo Orçamento

Valor Econômico

Custo político para se construir uma candidatura vitoriosa às presidências das Casas subiu muito

O ministro do Supremo Tribunal Federal Flávio Dino marcou no calendário uma data importante para a escolha das futuras Mesas Diretoras da Câmara e do Senado: no dia 1º de agosto está convocada uma audiência de conciliação para se discutir o orçamento secreto, que, como o gato de Schrodinger, é presumido vivo e morto ao mesmo tempo. Só abrindo a caixa do experimento, com a exposição a ser feita por representantes dos deputados, senadores, TCU e do governo se saberá se a cápsula radioativa da decisão do STF de dezembro de 2022, que acabou com as emendas de relator, matou ou não o gato.

Nas palavras de Dino: “Até o presente momento, não houve a comprovação cabal nos autos do pleno cumprimento dessa ordem judicial.” Deixaram de existir as RP 9, jargão técnico que denominava as antigas emendas de relator, duto sem transparência de recursos para indicações das cúpulas da Câmara e do Senado. Dino deixa no ar a possibilidade de que o diabo tenha muitos nomes. “A mera mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como inconstitucional pelo STF, qual seja, a do ‘orçamento secreto’”, escreve o ministro. Cita as RP 2 (despesas discricionárias dos ministérios), RP 8 (emendas de comissões do Congresso) e “emendas pizza”. Atenção para a expressão “emendas pizza”, tecnicamente inexistente e até então não mencionada publicamente. O ministro não explicou o que quis dizer. Uma das características da pizza é ter fatias iguais.

O que se comenta em gabinetes da Câmara é que parte dos recursos orçamentários que antes fluíam pelas RP 9 correria por meio da ampliação dos limites de gastos do Executivo em R$ 15,8 bilhões, viabilizada pela recriação do Dpvat. A maior parte deste crédito foi utilizada para benefícios previdenciários e seguro-desemprego, mas houve abertura de espaço para pagamento das emendas de comissão, parcialmente vetadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sanção do Orçamento.

Dentro do TCU a avaliação é que não há elementos, por enquanto, para associar diretamente esses recursos a um mini-orçamento secreto. A audiência de agosto pode jogar alguma luz no tema.

Até lá, já terão sido feitos todos os empenhos acertados entre governo e Legislativo antes das vedações legais para as eleições municipais, que começam a vigorar a partir do dia 5. Aguarda-se por exemplo, o empenho de 55% das transferências especiais, também conhecidas como “emendas Pix”. Mas uma deliberação de Dino pode afetar o que for liberado depois das eleições de outubro, influenciando portanto a disputa das Mesas.

A disputa no Senado parece resolvida a favor do senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), mas a da Câmara dos Deputados caminha para uma solução somente em fevereiro. Ela se desenvolverá em alguns lances. O primeiro, provavelmente em agosto, será uma tomada de posição do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). As maiores apostas são de que declare apoio ao líder do União Brasil na Casa, Elmar Nascimento (BA).

Se isso ocorrer, é bastante provável que o vice-presidente da Casa, Marcos Pereira (Republicanos-SP) busque uma aliança com os partidos de dois outros pretendentes menos cotados, o MDB de Isnaldo Bulhões (AL) e o PSD de Antônio Brito (BA).

Na época do orçamento secreto a pleno vapor a situação era muito menos fluida e o controle da cúpula das Casas Legislativas sobre a base mais firme. A atenuação desse mecanismo empoderou individualmente os parlamentares, já que as emendas individuais impositivas foram turbinadas.

O custo político para se construir uma candidatura vitoriosa às presidências das Casas subiu muito, sobretudo na Câmara. Lira conta com a pauta para construir alianças com o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro e com bancadas de grupo de pressão, como a dos ruralistas. Quanto mais se restringir o Orçamento, maior será a dependência de concessões na pauta para manter a hegemonia.

Está dentro desse roteiro, por exemplo, a PEC 9, que anistia partidos políticos pelo não cumprimento de cotas. As multas da Justiça Eleitoral podem devorar os recursos que os próprios partidos recebem dos fundos públicos para a disputa da eleição.

O governo talvez se adiante para não trabalhar com fatos consumados. Não está descartado no PT apoio a nenhum dos postulantes. Há uma avaliação de que Elmar larga em vantagem. Mas Pereira conta com as insatisfações que o estilo de Lira foi acumulando ao longo do tempo: o esvaziamento das comissões com a criação de grupos de trabalho e a definição da pauta do plenário em cima da hora são dois entre os fatores lembrados.

Pereira deve aguardar o movimento de Lira antes de agir. O Republicanos é um partido que negocia uma federação com o PP, partido do presidente da Câmara, e está profundamente vinculado com os projetos eleitorais da oposição, cenário que não se alterou com a ida de Silvio Costa Filho para o Ministério dos Portos e Aeroportos. Uma aliança com o governo não é a sua opção preferencial para se viabilizar, segundo avaliação de interlocutores do deputado.

A divisão dentro do Centrão deve jogar a definição só para depois de dezembro, quando o próximo Orçamento for votado. Um ruído que se crie na negociação orçamentária pode abrir caminho até para um “outsider”, como Severino Cavalcanti foi em 2005.

 

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