O Estado de S. Paulo
Na mesma semana em que descobre o volume de
subsídios, o governo comemora a aprovação do Projeto Mover, que prevê subsídios
de R$ 19 bilhões à indústria automobilística
O dinheiro vai dar ou não vai? A mesma
pergunta que o homem comum faz no seu cotidiano, os governos, às vezes, têm de
levantar a respeito do seu destino. A diferença fundamental é que o homem comum
não consegue imprimir dinheiro, e o recurso inflacionário, portanto, está fora
de seu alcance.
Ainda assim, é possível que esse longo debate sobre as contas do governo chegue à opinião pública, desde que alguns dos debatedores se disponham a traduzi-lo em termos.
Até o momento, parecia que os contendores se
dividiam apenas em dois grupos: os que queriam gastar mais para realizar
políticas sociais, e os que propunham austeridade para evitar inflação e crise
maior.
A política de aumentar a arrecadação foi
desde o princípio do governo a maneira de contornar esse dilema. Afinal, era
possível gastar mais sem necessariamente fazer disparar a inflação e afugentar
investidores.
Acontece que esse recurso parece ter se
esgotado. Não há muito por onde aumentar a arrecadação, e as propostas que
surgem no Senado para preencher a lacuna produzida pela desoneração da folha de
pagamentos pareceram muito precárias.
É preciso achar uma solução permanente, e as
ideias pareceram as que nos acometem quando a coisa aperta em nosso cotidiano:
buscar dinheiro esquecido no bolso de alguma casaco, abrir o cofre das
crianças.
A última tentativa improvisada de Fernando
Haddad de conseguir algum dinheiro acabou resultando em uma medida provisória
rejeitada pelo Senado, tal a reação negativa dos empresários.
Diante de tantos impasses, a crise evoluiu.
Numa reunião com o presidente, Simone Tebet disse que Lula da Silva ficou
impressionado com o volume dos subsídios no Brasil, que beiram os R$ 600
bilhões. Uma palavra mágica foi introduzida na discussão: subsídios.
Mágica porque sempre esteve no ar. É tema de
campanha presidencial, possivelmente foi discutida na transição e aparece agora
como uma descoberta. É impressionante que Lula tenha ficado impressionado.
A hipótese mais realista é a de que já
houvesse uma política de subsídios, discutida e programada com cuidado. Na
mesma semana em que descobre o volume de subsídios, o governo comemora a
aprovação do Projeto Mover, que basicamente prevê subsídios de R$ 19 bilhões à
indústria automobilística.
É algo feito para impulsionar a transição
energética, área em que os subsídios hoje têm importância, a julgar pelo que
acontece nos EUA. As vantagens oferecidas aos projetos inovadores na transição
energética preocupam a Europa, que não pode competir no mesmo nível.
A sensação que tive da reunião é a de que os
subsídios se arrastam na economia brasileira e se ampliam sem que haja um elo
com a política econômica de médio e longo prazo.
De qualquer forma, o encontro entre Tebet,
Haddad e Lula deu ao presidente a possibilidade uma inflexão. Ele reagia à
ideia de cortar gastos porque estava concentrada na desvinculação dos
benefícios da Previdência ao salário mínimo, e também no dispositivo que
aumenta os gastos de saúde e educação com o aumento da arrecadação.
Lula passou a aceitar corte de gastos desde
que não onere os mais pobres, aposentados e dependentes da saúde e ensino
públicos.
Ele voltou sua atenção para os subsídios à
agricultura, R$ 60 bilhões, e o setor de combustível, R$ 32 bilhões.
Mas será tudo tão simples assim? Se for, por
que tanto drama ao longo desses primeiros meses de governo?
Aparentemente não. O processo de ajuste
fiscal é complicado, depende de análises técnicas, de visões políticas, de
capacidade de convencimento.
É possível até que grande movimento de
opinião apoie uma melhor qualidade de gastos do governo, desde que ele também
dê o exemplo, comece por si próprio, pela máquina dispendiosa, temas como
Previdência de militares, gastos dos altos escalões da Justiça, Parlamento
dispendioso e caótico de seus quase R$ 50 bilhões em emendas.
Seria uma batalha nunca vista no Brasil e o
próprio presidente, para liderá-la, teria de observar sua retaguarda, pois um
grande tema dos sites de oposição é o fato de ter se hospedado num hotel na
Itália tão luxuoso que a diária chega a R$ 70 mil. É o que a família de classe
média paga por um ano de aluguel, logo, teria muita dificuldade em acompanhá-lo
na luta.
De qualquer forma, uma vez que os cortes são
necessários, quanto mais transparência, melhor. Não dá para manter um Estado em
muitos aspectos inoperante gastando tanto dinheiro. Na verdade, esse era um
tema de 2013. Quem não lembra que as revoltas eram bem mais do que pelos 20
centavos no preço do transporte coletivo?
Sempre se fala em passar o Brasil a limpo. Um
dos caminhos seria devolver em serviços de qualidade os impostos que as pessoas
pagam.
Se o resultado do debate orçamentário
apontasse para isso e não fosse apenas uma discussão pragmática sobre contas de
chegar, ele terá valido a pena.
A entrada em cena de uma plateia interessada
pode mudar seus rumos, embora por enquanto as coisas estejam ainda nas mãos
especializadas à espera de tradutores.
70 mil?!
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