sexta-feira, 21 de junho de 2024

Fernando Gabeira - Briga orçamentária: o papel da plateia

O Estado de S. Paulo

Na mesma semana em que descobre o volume de subsídios, o governo comemora a aprovação do Projeto Mover, que prevê subsídios de R$ 19 bilhões à indústria automobilística

O dinheiro vai dar ou não vai? A mesma pergunta que o homem comum faz no seu cotidiano, os governos, às vezes, têm de levantar a respeito do seu destino. A diferença fundamental é que o homem comum não consegue imprimir dinheiro, e o recurso inflacionário, portanto, está fora de seu alcance.

Ainda assim, é possível que esse longo debate sobre as contas do governo chegue à opinião pública, desde que alguns dos debatedores se disponham a traduzi-lo em termos.

Até o momento, parecia que os contendores se dividiam apenas em dois grupos: os que queriam gastar mais para realizar políticas sociais, e os que propunham austeridade para evitar inflação e crise maior.

A política de aumentar a arrecadação foi desde o princípio do governo a maneira de contornar esse dilema. Afinal, era possível gastar mais sem necessariamente fazer disparar a inflação e afugentar investidores.

Acontece que esse recurso parece ter se esgotado. Não há muito por onde aumentar a arrecadação, e as propostas que surgem no Senado para preencher a lacuna produzida pela desoneração da folha de pagamentos pareceram muito precárias.

É preciso achar uma solução permanente, e as ideias pareceram as que nos acometem quando a coisa aperta em nosso cotidiano: buscar dinheiro esquecido no bolso de alguma casaco, abrir o cofre das crianças.

A última tentativa improvisada de Fernando Haddad de conseguir algum dinheiro acabou resultando em uma medida provisória rejeitada pelo Senado, tal a reação negativa dos empresários.

Diante de tantos impasses, a crise evoluiu. Numa reunião com o presidente, Simone Tebet disse que Lula da Silva ficou impressionado com o volume dos subsídios no Brasil, que beiram os R$ 600 bilhões. Uma palavra mágica foi introduzida na discussão: subsídios.

Mágica porque sempre esteve no ar. É tema de campanha presidencial, possivelmente foi discutida na transição e aparece agora como uma descoberta. É impressionante que Lula tenha ficado impressionado.

A hipótese mais realista é a de que já houvesse uma política de subsídios, discutida e programada com cuidado. Na mesma semana em que descobre o volume de subsídios, o governo comemora a aprovação do Projeto Mover, que basicamente prevê subsídios de R$ 19 bilhões à indústria automobilística.

É algo feito para impulsionar a transição energética, área em que os subsídios hoje têm importância, a julgar pelo que acontece nos EUA. As vantagens oferecidas aos projetos inovadores na transição energética preocupam a Europa, que não pode competir no mesmo nível.

A sensação que tive da reunião é a de que os subsídios se arrastam na economia brasileira e se ampliam sem que haja um elo com a política econômica de médio e longo prazo.

De qualquer forma, o encontro entre Tebet, Haddad e Lula deu ao presidente a possibilidade uma inflexão. Ele reagia à ideia de cortar gastos porque estava concentrada na desvinculação dos benefícios da Previdência ao salário mínimo, e também no dispositivo que aumenta os gastos de saúde e educação com o aumento da arrecadação.

Lula passou a aceitar corte de gastos desde que não onere os mais pobres, aposentados e dependentes da saúde e ensino públicos.

Ele voltou sua atenção para os subsídios à agricultura, R$ 60 bilhões, e o setor de combustível, R$ 32 bilhões.

Mas será tudo tão simples assim? Se for, por que tanto drama ao longo desses primeiros meses de governo?

Aparentemente não. O processo de ajuste fiscal é complicado, depende de análises técnicas, de visões políticas, de capacidade de convencimento.

É possível até que grande movimento de opinião apoie uma melhor qualidade de gastos do governo, desde que ele também dê o exemplo, comece por si próprio, pela máquina dispendiosa, temas como Previdência de militares, gastos dos altos escalões da Justiça, Parlamento dispendioso e caótico de seus quase R$ 50 bilhões em emendas.

Seria uma batalha nunca vista no Brasil e o próprio presidente, para liderá-la, teria de observar sua retaguarda, pois um grande tema dos sites de oposição é o fato de ter se hospedado num hotel na Itália tão luxuoso que a diária chega a R$ 70 mil. É o que a família de classe média paga por um ano de aluguel, logo, teria muita dificuldade em acompanhá-lo na luta.

De qualquer forma, uma vez que os cortes são necessários, quanto mais transparência, melhor. Não dá para manter um Estado em muitos aspectos inoperante gastando tanto dinheiro. Na verdade, esse era um tema de 2013. Quem não lembra que as revoltas eram bem mais do que pelos 20 centavos no preço do transporte coletivo?

Sempre se fala em passar o Brasil a limpo. Um dos caminhos seria devolver em serviços de qualidade os impostos que as pessoas pagam.

Se o resultado do debate orçamentário apontasse para isso e não fosse apenas uma discussão pragmática sobre contas de chegar, ele terá valido a pena.

A entrada em cena de uma plateia interessada pode mudar seus rumos, embora por enquanto as coisas estejam ainda nas mãos especializadas à espera de tradutores.

 

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