terça-feira, 25 de junho de 2024

Joel Pinheiro da Fonseca - Responsabilidade e vontade política

Folha de S. Paulo

Qualquer alta da receita é neutralizada por aumento de gastos obrigatório

Nenhuma regra, por si só, garante seu próprio cumprimento: se governo e Congresso quiserem, ela será violada. Vimos isso com as sucessivas violações do teto de gastos e agora com o novo arcabouço. Quando o tema é gasto público (ou isenção tributária, o que dá no mesmo), Lula e a maioria dos deputados e senadores estão juntos: querem sempre mais. Sem vontade política, as regras são só palavras mortas num papel.

No momento, quem pressiona por algum tipo de responsabilidade fiscal são o ministro da Fazenda, a ministra do Planejamento e os sinais preocupantes que vêm do mercado. Lembrando que responsabilidade fiscal não significa nenhum tipo de austericídio caricato, mas simplesmente que o aumento de despesas se dê de forma controlada, sem que a relação dívida/PIB cresça de maneira explosiva.

A situação do Brasil é complexa. Precisamos, ao mesmo tempo, de proteção social, ajuste fiscal e crescimento econômico. No longo prazo, esses fins se reforçam. O objetivo é o bem-estar da população, especialmente dos mais vulneráveis. Para atingi-lo, o Brasil ainda precisa crescer o PIB para se tornar um país desenvolvido. E, para isso, o Estado brasileiro não pode deixar os gastos saírem do controle. Sem ajuste fiscal, inflação e dólar disparam, juros têm que subir, o crescimento desanda, o desemprego cresce, os indicadores sociais pioram.

No presente, contudo, esses três objetivos impõem limites um ao outro. A necessidade de crescer —levando em conta nossa carga tributária já alta— significa que o ajuste não poderá vir apenas da receita; o Estado precisará cortar gastos. Ao mesmo tempo, dado o compromisso social do Estado, o corte de gastos não pode ser feito às custas da base da pirâmide. É preciso identificar privilegiados e passar a conta para eles.

Existem alguns grupos privilegiados óbvios, como juízes e militares. Cortar seus privilégios nem deveria levantar polêmica. Nosso Judiciário custa 1,6% do PIB anualmente. A média de países emergentes é 0,5% ao ano, ou seja, um terço do nosso. Com os militares, o caso é igualmente gritante: o déficit anual da previdência dos militares foi de R$ 49,7 bi em 2023. Em termos per capita, o déficit anual do militar aposentado é de R$ 158,8 mil. O dos demais funcionários públicos, R$ 68,8 mil.

Do lado da arrecadação, vivemos uma situação disfuncional, na qual qualquer aumento de receita é neutralizado por aumento de gastos obrigatório. O governo arrecada mais, mas ao fazer isso é obrigado a gastar mais também. Na mesma linha, uma série de benefícios são atrelados ao salário mínimo, o que significa que qualquer aumento nele gera custos proibitivos ao governo. No cálculo do economista Marcos Mendes, se os gastos públicos fossem vinculados apenas à inflação, e não ao aumento do salário mínimo ou aumento de receitas, o Estado brasileiro teria uma redução de R$ 131,6 bi em despesas em 2024.

O Estado brasileiro precisa ter a capacidade de escolher onde e quanto gastar. Sem isso, os aumentos obrigatórios de gasto se transformam em mais renda para o funcionalismo e para aposentados, sem benefício à população. Mudar isso não será possível sem comprar brigas difíceis. Na falta delas, sobrará o contigenciamento de gastos, que acaba prejudicando sempre o elo mais fraco, que depende do serviço público. Ou, então, a volta da inflação e da recessão. O caminho a seguir é claro, mas exige uma coragem que o governo até agora não mostrou.

 

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