Folha de S. Paulo
Presidente da França queria reduzir esquerda
e direita a extremos minoritários
A ultradireita deve ter perto de 37% dos
votos no primeiro turno da eleição legislativa da França,
neste domingo. A coalizão de esquerda, ecologistas e centro-esquerda teria 29%.
A coalizão de centro, liderada pelo presidente da República, Emmanuel
Macron, ficaria com 20%. O que restou da centro-direita, 7%. É o que
diziam pesquisas (Ifop, Ipsos).
Suponha-se que viesse a ser essa a composição
da Assembleia Nacional, o que é bem incerto, dado o sistema eleitoral. Seria o
resultado, em parte, do fracasso político de Macron.
Seria também mais um capítulo dos fracassos
de público dos partidos de centro. Isto é, dessa convergência de
centro-esquerda e centro-direita no centrismo liberal-tecnocrático, evidente
desde os anos 1990 no mundo rico.
Macron teria de chamar a ultradireita para formar um governo minoritário, a Reunião Nacional, de Marine Le Pen. Apenas por milagre haveria aliança do "Juntos" de Macron com a salada da esquerda (socialistas, ecologistas e "França Insubmissa", esquerdona tradicional, majoritária nessa coalizão).
Macron foi eleito presidente em 2017.
Incentivou a eleição de deputados novatos. Pregava a oxigenação do sistema
político, a reaproximação de governo e cidadãos, a modernização da França
(liberalizar um pouco). Sentia o cheiro de queimado no sistema político.
Levava consigo parte das sobras da ruína do
Partido Socialista (centro-esquerda); começou a sugar o sangue da
centro-direita, que também minguou. Pretendia criar um grande centro, um
"mundo novo", relegando esquerda e direita para extremos com votações
minoritárias.
Parece que não deu certo.
O projeto de renovação política logo murchou.
Macron viria a se tornar versão tardia da "Terceira Via", de líderes
como Bill Clinton (presidente democrata dos EUA, 1993-2001) e Tony Blair
(premiê trabalhista britânico, 1997-2007).
A Terceira Via era o nome fantasia de
governos liberal-tecnocráticos, da indistinção de centro-esquerda e
centro-direita. Sob vários aspectos, são o motivo político das crises
socioeconômicas do século 20 e, pois, da atual crise antissistema, com derivas
autoritárias.
Macron não soube lidar com a revolta popular
dos "coletes amarelos", que começou como protesto contra um imposto
verde sobre combustíveis, em 2019. Fez reforma trabalhista, baixou impostos
sobre empresas. O povo miúdo e do interior ficou meio na mesma.
Reeleito em 2022, abraçou de vez a
centro-direita. Endureceu leis para imigrantes. Enfiou pela goela dos
franceses, por decreto, uma reforma da Previdência que causou protestos de rua
gigantescos (2023). Sua aprovação desceu então a 26% (está em 30%). No começo
do governo, em 2017, passava de 60%. Na epidemia, ficou em torno de 40%.
Foi do Partido Socialista. É quadro da cúpula
intelectual, cultural e política da França. Graduou-se em filosofia, formou-se
no ninho da elite executiva, na Escola Nacional de Administração, fez mestrado
em políticas públicas, foi executivo do banco Rotschild.
Pouco depois de eleito, ficou conhecido como
"presidente dos ricos", arrogante, imperial, "Júpiter". O
crescimento do PIB per capita desde 2017 foi de 5%. Melhor que os 3% da
Alemanha, pior do que Itália, Espanha, Portugal e da média da eurozona.
Já houve "coabitação" (presidente
de um partido, primeiro-ministro e ministério de outro). Mas são raras as
coalizões ideológicas mistas na França. A exceção maior foi na Quarta República
(1946-58), que teve 22 governos em 12 anos, em contexto político muito
diferente, instável e na iminência de revolução, que não cabe rememorar aqui,
hoje.
Ora não há diálogo possível no
"tripartismo", como até houve no pós-guerra (Macron chama os
programas adversários de ameaça de "guerra civil"). Há limites
políticos, econômicos, institucionais e internacionais para os planos da esquerda
e da ultradireita. O plano macronista de criar um centro grande, dominante e
renovado, não dá conta das crises sociais e de outras insatisfações do
eleitorado.
O mandato de Macron vai até 2027. Até lá,
governos parlamentares podem cair em série e paralisar o país. Em meados de
2025, pode haver outra eleição parlamentar.
Difícil é achar saída para a crise do século
21.
A ultradireita se vê como ''saída''.
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