domingo, 14 de julho de 2024

Bernardo Mello Franco - Mais revólver, menos guaraná

O Globo

Governo se omite, e reforma tributária cria incentivo fiscal para compra de armas de fogo

A Câmara excluiu as armas de fogo do imposto seletivo, também chamado de imposto do pecado. A sobretaxa vai encarecer refrigerantes, bebidas alcoólicas, cigarros e apostas esportivas. Mas não será cobrada de pistolas, espingardas e munições.

A proposta aprovada pelos deputados diz que o objetivo desse imposto é desestimular o consumo de bens prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Se a justificativa for verdadeira, suas excelências devem considerar um revólver menos nocivo que um guaraná.

A reforma tributária promete simplificar negócios e alavancar a economia. Ao regulamentar as mudanças, os congressistas mantiveram distorções e abriram espaço para novos privilégios.

No caso das armas, o resultado foi espantoso. O texto derruba o imposto de quase 90% para 26,5%, alíquota a ser cobrada de bens e serviços em geral. Isso significa que a taxação das armas será idêntica à que incide sobre flores, brinquedos ou perfumes, alertou o deputado Chico Alencar, do PSOL. Ele não foi o único a apontar o contrassenso na votação de quarta-feira.

As deputadas Reginete Bispo, do PT, e Jandira Feghali, do PCdoB, lembraram que armas de fogo são usadas em mais de 50% dos assassinatos de mulheres. José Nelto, voz solitária no PP, arriscou um argumento religioso: “Além de ser pecado, é pecado mortal, porque mata”.

A bancada da bala engatilhou os discursos de sempre. “Querem desarmar o cidadão de bem”, disse Alberto Fraga, do PL. “Armas não matam. Quem mata são as pessoas”, emendou Gilson Marques, do Novo.

O sofisma ignora que pessoas armadas matam muito mais que pessoas desarmadas. Segundo o Atlas da Violência, do Ipea, quase 70% dos homicídios no país são cometidos com armas de fogo.

“Esses dados que eles falaram aqui é tudo mentira”, esgoelou-se o deputado Cabo Gilberto Silva, do PL. Seu correligionário Sargento Gonçalves foi mais sincero. Admitiu que estava ali para defender os interesses da indústria bélica, “que gera tanto emprego”. Ele subiu à tribuna com um prendedor de gravata em formato de fuzil, o mesmo usado pelos filhos de Jair Bolsonaro.

Apesar da pregação de Lula pelo desarmamento, o governo não se mexeu para barrar a boiada. Quando o PSOL propôs incluir armas e munições no imposto do pecado, o Planalto liberou os partidos aliados para votar como quisessem. O texto acabou rejeitado por 316 a 155.

Os governistas alegam que a bancada da bala venceria de qualquer jeito, e que o debate poderia atrapalhar a aprovação do texto-base da reforma tributária. Pode ser, mas a omissão neste caso não parece uma escolha aceitável.

Nos quatro anos de Bolsonaro, o número de brasileiros com registro de armas aumentou quase sete vezes. Lula cumpriu a promessa de revogar decretos e portarias que haviam desfigurado o Estatuto do Desarmamento, mas não agiu para barrar o novo incentivo fiscal, que pode restaurar o primado do bangue-bangue.

 

2 comentários:

  1. O comércio e a indústria de armas e munições agradecem imensamente aos deputados que defendem seus mortais interesses. Novamente, Lula e o PT decepcionam quem votou neles. Os violentos CACs também ganharam sobrevida com estes impostos propostos pela Câmara.

    ResponderExcluir