O Globo
Governo se omite, e reforma tributária cria
incentivo fiscal para compra de armas de fogo
A Câmara excluiu as armas de fogo do imposto
seletivo, também chamado de imposto do pecado. A sobretaxa vai encarecer
refrigerantes, bebidas alcoólicas, cigarros e apostas esportivas. Mas não será
cobrada de pistolas, espingardas e munições.
A proposta aprovada pelos deputados diz que o
objetivo desse imposto é desestimular o consumo de bens prejudiciais à saúde ou
ao meio ambiente. Se a justificativa for verdadeira, suas excelências devem
considerar um revólver menos nocivo que um guaraná.
A reforma tributária promete simplificar negócios e alavancar a economia. Ao regulamentar as mudanças, os congressistas mantiveram distorções e abriram espaço para novos privilégios.
No caso das armas, o resultado foi espantoso.
O texto derruba o imposto de quase 90% para 26,5%, alíquota a ser cobrada de
bens e serviços em geral. Isso significa que a taxação das armas será idêntica
à que incide sobre flores, brinquedos ou perfumes, alertou o deputado Chico
Alencar, do PSOL. Ele não foi o único a apontar o contrassenso na votação de
quarta-feira.
As deputadas Reginete Bispo, do PT, e Jandira
Feghali, do PCdoB, lembraram que armas de fogo são usadas em mais de 50% dos
assassinatos de mulheres. José Nelto, voz solitária no PP, arriscou um
argumento religioso: “Além de ser pecado, é pecado mortal, porque mata”.
A bancada da bala engatilhou os discursos de
sempre. “Querem desarmar o cidadão de bem”, disse Alberto Fraga, do PL. “Armas
não matam. Quem mata são as pessoas”, emendou Gilson Marques, do Novo.
O sofisma ignora que pessoas armadas matam
muito mais que pessoas desarmadas. Segundo o Atlas da Violência, do Ipea, quase
70% dos homicídios no país são cometidos com armas de fogo.
“Esses dados que eles falaram aqui é tudo
mentira”, esgoelou-se o deputado Cabo Gilberto Silva, do PL. Seu
correligionário Sargento Gonçalves foi mais sincero. Admitiu que estava ali
para defender os interesses da indústria bélica, “que gera tanto emprego”. Ele
subiu à tribuna com um prendedor de gravata em formato de fuzil, o mesmo usado
pelos filhos de Jair Bolsonaro.
Apesar da pregação de Lula pelo desarmamento,
o governo não se mexeu para barrar a boiada. Quando o PSOL propôs incluir armas
e munições no imposto do pecado, o Planalto liberou os partidos aliados para
votar como quisessem. O texto acabou rejeitado por 316 a 155.
Os governistas alegam que a bancada da bala
venceria de qualquer jeito, e que o debate poderia atrapalhar a aprovação do
texto-base da reforma tributária. Pode ser, mas a omissão neste caso não parece
uma escolha aceitável.
Nos quatro anos de Bolsonaro, o número de
brasileiros com registro de armas aumentou quase sete vezes. Lula cumpriu a
promessa de revogar decretos e portarias que haviam desfigurado o Estatuto do
Desarmamento, mas não agiu para barrar o novo incentivo fiscal, que pode
restaurar o primado do bangue-bangue.
O comércio e a indústria de armas e munições agradecem imensamente aos deputados que defendem seus mortais interesses. Novamente, Lula e o PT decepcionam quem votou neles. Os violentos CACs também ganharam sobrevida com estes impostos propostos pela Câmara.
ResponderExcluirCruzes!
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