Folha de S. Paulo
Se o STF assumir funções de natureza
governativa, quem ficará responsável por garantir a regra da lei?
Rodrigo
Pacheco, presidente do Senado, declarou
nesta semana estar "muito entusiasmado com a iniciativa do STF [Supremo
Tribunal Federal] de, ao invés de simplesmente decidir pela
inconstitucionalidade daquilo que aprovamos no Congresso, poder inaugurar
um ambiente
de conciliação e composição". Mais entusiasmados ainda devem estar
todos aqueles que se apropriaram ou adquiriram ilegitimamente terras indígenas nas
últimas décadas.
A Constituição de 1988 reconheceu aos povos indígenas "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam". Essas terras são "inalienáveis e indisponíveis", sendo "nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse dessas terras". Cabendo à União demarcá-las.
Contra a letra e o espírito da Constituição
foi formulada a tese do marco
temporal. O objetivo dessa tese mais política do que jurídica é restringir
os direitos "originários" sobre as terras que os indígenas
"tradicionalmente ocupam", conferindo validade a diversas formas
de usurpação das terras indígenas, sob o pretexto de que os indígenas não
exerciam domínio sobre essas terras em 5 de outubro de 1988.
Depois de mais de uma década de litígio em
torno da tese do marco temporal, o STF declarou
que a malfadada tese é incompatível com o artigo 231 da Constituição Federal.
Logo, que qualquer tentativa de flexibilizar os direitos fundamentais e
originários dos indígenas às suas terras configura uma inaceitável afronta à
Constituição.
Em clara retaliação a esta decisão do STF,
o Congresso
Nacional aprovou projeto de lei reestabelecendo
a tese do marco temporal. Para reduzir o risco de ver essa lei ser
declarada inconstitucional, a bancada anti-indigenista propôs uma PEC inserindo
o marco temporal no próprio texto constitucional, em clara violação a uma
cláusula pétrea da Constituição, que reconhece os direitos mais fundamentais
desse grupo minoritário e vulnerável.
É neste contexto que o decano do
Supremo entendeu por bem submeter os conflitos fundiários relacionados
a terras indígenas a um processo
de "conciliação e composição" de interesses, a ser realizado
pelo próprio Supremo.
A inovação é muito preocupante, por dois
motivos. Em primeiro lugar, porque amplia
ainda mais os poderes do tribunal, que passará a exercer uma função
cada vez mais política de coordenar e compor interesses, pertinente aos órgãos
de representação, em detrimento de do cumprimento de sua missão institucional
que é a garantia da Constituição; em especial a defesa dos direitos de minorias
vulneráveis, com o os povos indígenas.
Em segundo lugar, porque, ao permitir a
flexibilização dos direitos dos povos indígenas estabelecidos pela
Constituição, ratificados pelo plenário do STF, a decisão do decano do Supremo
abre um perigosíssimo precedente para a flexibilização de outros direitos
previstos na Constituição. Se prevalecer essa lógica, nossos
direitos mais fundamentais ficarão vulneráveis aos interesses mais
mesquinhos daqueles que detém poder.
A proposta de transformar o STF em uma
onipotente e onipresente mesa de conciliação, não apenas rebaixa os direitos
fundamentais à condição de meras reivindicações retóricas, como também subtrai
dos órgãos representativos a função de coordenar politicamente conflitos de
natureza econômica e social. O mais grave, no entanto, é que se
o STF assumir funções de natureza governativa, quem ficará responsável por
garantir a regra da lei? Quem defenderá os direitos fundamentais daqueles que
os ameaçam?
Muito bom! Realmente os direitos indígenas e de outras minorias correm cada vez mais perigo, ainda mais se o STF estiver disposto a conchavos, como parece querer o ministro e empresário Gilmar Mendes.
ResponderExcluirVERDADES DO DECANO
ResponderExcluirÉ SEMPRE BOM LEMBRAR QUE, PARA O GILMAR,
VENDES VEM ANTES DE MENDES