Folha de S. Paulo
STF tentou, mas acordo com Executivo não
levará a mudanças significativas
A negociação entre os Poderes em torno da
reforma das emendas parlamentares não conseguiu acordo para reduzir o valor
total delas. Esse é o ponto central do problema.
Como afirmei em artigo com
Hélio Tollini, nesta Folha, as emendas já chegam a 23% das
despesas discricionárias. Em países da OCDE que admitem emendas, elas raramente
chegam a 1% das discricionárias.
Não sem razão, o ministro Flávio Dino, em sua
decisão liminar que suspendeu o pagamento de emendas, argumentou que "o
percentual de comprometimento da parcela discricionária do Orçamento tende a
(...) inviabilizar a consecução de políticas públicas, atingindo o núcleo do
Princípio da Separação dos Poderes, cuja eficácia deve ser imediatamente
resguardada". Se havia desrespeito a essa cláusula pétrea antes do acordo,
continua havendo.
Para reduzir as emendas, o STF teria que
tomar o traumático caminho de decretar inconstitucional dispositivos da própria
Constituição. Daí a tentativa de resolver no diálogo.
O resultado foi um compromisso de aumento de
transparência, bem como de mudança das emendas de bancada e de comissão, que
focariam em projetos de impacto regional ou nacional, evitando a fragmentação
de recursos em pequenas obras e serviços de impacto local.
Boa parte do que foi combinado já está na legislação, e o Congresso ignora. Logo, o compromisso não parece crível.
O Congresso tem mais informações e
instrumentos que os outros Poderes para, durante a tramitação do Orçamento,
continuar aprovando dotações genéricas, que se fragmentam em pequenas despesas
durante a execução da despesa. E tem incentivos para fazê-lo, pois nosso
sistema eleitoral premia os parlamentares que conseguem recursos para seus
redutos e para seus financiadores de campanha.
Ao mesmo tempo, bons resultados de políticas
públicas e melhorias da economia, decorrentes de boa gestão orçamentária,
contam mais para a popularidade do presidente que dos congressistas.
Meus colegas do Ibre (Instituto Brasileiro de
Economia) pensam diferente. Em sua Carta de abril último, e manifestações posteriores,
consideram incorreta a crítica à expansão das emendas, pois ela
"subentende que o Congresso
Nacional é incapaz de alocar recursos de forma benéfica para o
país". E que seria "irrealista (...) o retorno ao status quo
anterior, (...) em que o Congresso, de forma infantilizada, não tinha
participação quase nenhuma no processo orçamentário efetivo". Afinal,
"a experiência orçamentária em países com democracia avançada mostra que
há papel importante do Poder Legislativo na coordenação das políticas públicas,
em conjunto com o Poder Executivo".
Para eles, o caminho estaria em melhorar a
assessoria técnica do Congresso, para que se produzam emendas melhores, além de
aumentar a transparência, fortalecer as comissões temáticas e ampliar sua
interação com as áreas setoriais do governo. Algo similar ao que saiu do acordo
entre os Poderes.
O problema central desse raciocínio é que
"papel importante do Poder Legislativo" no Orçamento não é sinônimo
de emenda parlamentar. Nas boas práticas internacionais, a participação do
Congresso concentra-se no debate de prioridades das políticas públicas e na
fiscalização da execução do Orçamento, não no poder unilateral de ditar as
despesas.
Ademais, não é por falta de estrutura técnica
no Congresso que as emendas são ruins. A assessoria existe, é de qualidade,
numerosa e bem remunerada. Mas ignorada quando faz alertas
"inconvenientes".
A ideia de convencer o Legislativo a fazer
melhorias no processo orçamentário, no contexto brasileiro, lembra a frase de
Sinclair Upton: "É difícil fazer um homem entender algo quando seu salário
depende de ele não entender".
Quando a carreira política depende de que as
emendas sejam pulverizadas, paroquiais e, muitas vezes, corruptas, não haverá
disposição para aperfeiçoar nada.
Transparência imposta de fora e ação mais
enérgica dos órgãos de controle sempre ajudam. Mas não mudam a essência da
distorção.
Temos três caminhos possíveis.
No primeiro, reformulamos o sistema eleitoral
de modo a aumentar os incentivos dos congressistas a terem comportamento
responsável em termos fiscais e de qualidade de políticas públicas, e aí algum
espaço para emendas seria viável.
No segundo, mantemos o atual sistema
eleitoral e reduzimos drasticamente o poder de emendar, o que também melhorará
o fiscal e as políticas públicas.
No terceiro, mantemos tudo como está,
aceitando políticas públicas piores e desequilíbrio fiscal, remediando com
fiscalização e tentativas de transparência.
Por ora, estamos escolhendo a terceira opção.
Muito bom!
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