quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Vinicius Torres Freire - O que esperar de Galípolo no BC

Folha de S. Paulo

Melhor é que se esqueça do BC, que venha calmaria e que a Selic fique onde está, por ora

Luiz Inácio Lula da Silva enfim indicou Gabriel Galípolo para presidir o Banco Central. O que de melhor pode acontecer a Galípolo? Que se esqueçam dele, pelo menos no que diz respeito a taxas de juros.

Infelizmente, tão cedo não vão esquecer Galípolo. Assim sendo, será melhor que fale muito pouco. Ao falar, que seja contido e tedioso. Difícil também. O novo presidente do BC terá de demonstrar "credibilidade". De resto, nos acostumamos à falação exagerada dos encarregados da política monetária —e sobre eles.

Em particular em países periféricos, como o Brasil, instáveis na economia e na política, com o problema fiscal sabido, a direção do BC está quase sempre vendida, arrastada por correntes econômicas e financeiras. Mais importante é evitar besteiras, excessos maiores nos juros. O que são essas correntes?

Taxas de juros e mudanças maiores de ritmo da economia americana. Preço de commodities. O preço do dólar, que depende também dos primeiros dois fatores. O ritmo do crescimento da dívida do governo brasileiro.

Quando há turbulência nessas correntes, espera-se que a direção do BC diga alguma coisa, dê alguma direção. O mundo do dinheiro espera que qualquer chefe de BC insinue algo sobre o que fazer a respeito. No caso de Galípolo, nomeado por um governo petista, que alardeava esperar outra "filosofia" no BC, questões e testes serão imediatos e intensos. Como diz o clichê, se espera que Galípolo seja "duro", implacável com o risco de inflação.

Com alguma sorte e sensatez, espera-se que o trabalho de "manter a fama de mau" do BC seja feito na transição de Roberto Campos Neto para Galípolo. A rigor, porém, não há motivo decisivo para alta da Selic, embora a taxa de juro real na praça esteja perto de 7,5% ao ano e se espere Selic perto de 11,5% (até março, a taxa real esteve entre 5,8% e 6%).

É muito provável que a taxa básica de juros dos Estados Unidos comece a baixar em setembro; que a economia americana desacelere sem se estatelar (crise americana provoca aversão a risco, fuga de capital e alta do dólar). Essa perspectiva e alguma sensatez fiscal no Brasil podem contribuir para a valorização do real, outra ajuda para inflação e juros aqui.

Há uma discussão sobre o efeito do mercado de trabalho aquecido na inflação, mas está difícil ter juízo mais preciso. O "impulso fiscal" (gasto extra do governo), embora relevante, será menor em 2025. De resto, na própria projeção do BC a inflação no primeiro trimestre de 2026 baixaria a 3,2% caso a Selic ficasse em 10,5% a perder de vista. Como diz o jargão, a Selic está em "terreno contracionista": em tese, segurando o ritmo do PIB. Algum sangue-frio e linguagem "dura" poderiam evitar, por ora, nova alta da Selic —infelizmente, "o mercado" está ouriçado, e a próxima reunião do BC é daqui a apenas 20 dias.

Ainda assim, na perspectiva otimista de calmaria na finança dos EUA e de contenção fiscal mínima no Brasil, é possível baixar o preço do pedágio que os donos do dinheiro vão cobrar de Galípolo. Nesse mundo mais róseo, restaria ao presidente do BC administrar uma calmaria e tirar o BC do centro da confusão, a partir do fim deste ano e durante 2025. Se o governo também ajudar.

Claro que há gente no governo e no PT que espera reviravolta. Não pode haver: pelas próprias normas definidas por este governo, o regime é de metas de inflação, com o objetivo de 3% pelos próximos três anos. Há até quem espere do BC mudança que eleve o ritmo do PIB, reindustrialização (sic), fim do rentismo, rios de leite e mel etc. É maluquice.

Por ora, quanto à política monetária (o BC tem outras funções importantes), o que interessa é fazer o BC sair da confusão entre o governo e "o mercado". Que o esqueçam.

 

Um comentário: