sábado, 21 de setembro de 2024

Antonio Lavareda* - as pesquisas influenciam as eleições?

O Globo

Em artigo, presidente de honra da Abrapel destaca efeitos positivos e negativos da divulgação dos levantamentos

No mundo, a resposta prevalecente é afirmativa na maioria dos países. Predomina o entendimento de que sua publicação pode prejudicar de alguma forma a higidez das disputas, ao menos na fase final, nos dias que antecedem as votações. Dois terços das nações que fazem eleições regulares em cinco continentes determinam algum período de blackout, de vedação da divulgação de pesquisas antes das eleições. Enquanto nos EUA, sob o manto da 1ª Emenda, não há qualquer proibição a respeito, na Europa, dos 41 países com processos eleitorais frequentes apenas 11 não têm interdições, as quais costumam variar entre um e seis dias. No Brasil, a resposta também vai na mesma direção, porque é expressamente proibido divulgar pesquisas no dia do pleito até o fechamento das urnas, conforme a Lei 9504/1997 que visa evitar influências de última hora no comportamento dos eleitores.

Mas, afora o exame do tema através desse enquadramento legal, essa pergunta pode ser respondida a partir de três perspectivas.

O primeiro enfoque é acadêmico. Poucas áreas da ciência política são tão estudadas quanto a de eleições. No meu caso, há décadas me debruço sobre ela. Foi minha principal área de estudos no mestrado em sociologia e no doutoramento em ciência política. A maioria dos livros que escrevi versa sobre eleições.

E o que tenho constatado? Uma porção significativa da literatura destaca os efeitos positivos da divulgação das pesquisas ao promover a transparência da informação, e ao estimular a participação cidadã, aumentando o grau de interesse dos indivíduos e o sentimento de envolvimento com a marcha das eleições.

Ao mesmo tempo, as ciências sociais catalogaram cinco diferentes tipos de impacto direto, alguns deles potencialmente “negativos”, decorrentes da publicação das pesquisas. Porém, como se verá, todos estão associados a diferentes perfis psicológicos dos cidadãos.

1. Efeito bandwagon. Efeito manada. A tendência de um segmento do público a seguir o líder, a apoiar o vencedor.

2. Efeito underdog. A solidariedade ao azarão, combinada com um certo voto de protesto, um sucedâneo do voto em branco ou nulo. Foi isso que provavelmente impulsionou, em 2018, o Cabo Daciolo, permitindo-lhe ultrapassar Marina Silva e Henrique Meirelles.

3. Estímulo ao absenteísmo. Por parte de alguns que ao verem seus candidatos ou sem chances ou já sabidamente vitoriosos por largas margens, e sentindo que o resultado já está definido resolvem não ir votar. Sobre isso, um texto clássico de Seymour Sudman (1986) concluiu que havia um declínio entre um e cinco pontos percentuais do voto total em distritos da Costa Oeste norte americana onde as urnas fechavam muito tarde e os eleitores tomavam conhecimento das pesquisas de boca de urna do resto do país. Naqueles casos em que se antevia vitórias claras, quando as estimativas anteriores eram de empate ou muito próximas disso. Polêmicas sobre as projeções nos anos 80 e na eleição de 2000 levaram os principais veículos e os pesquisadores a aderirem desde então a um embargo voluntário da boca de urna até que todas as seções tenham seus trabalhos concluídos.

4. Voto estratégico. A informação qualificada proveniente das pesquisas ajuda um contingente de pessoas a redirecionar seu voto para tentar derrotar o candidato pelo qual têm maior rejeição. Exemplo: para um eleitor paulistano “estratégico” de direita a pergunta inescapável é: quem tem mais condições de derrotar Boulos? Conforme já escrevi a respeito (Lavareda,2023), o voto estratégico é próprio de contextos pluripartidários. Atingiu em diferentes momentos 5% dos votantes no Reino Unido, 6% dos canadenses, 9% dos alemães, 7% dos portugueses, e pelo menos 4% dos votantes brasileiros. O que pode fazer uma grande diferença em contextos de competição acirrada.

5. Voto randômico. Por fim, o voto errático. No Brasil, 10% dos eleitores já confessaram que mudaram em algum momento suas preferências por motivos os mais aleatórios. As pesquisas podendo ser um desses fatores.

Como vimos, não há uma resposta conclusiva das ciências sociais, um saldo líquido dos prós e contras do papel desempenhado pelas pesquisas. Se jogam um papel mais positivo ou mais negativo no processo de tomada de decisão dos eleitores.

O segundo enfoque é o dos seus efeitos sobre as campanhas. Qual o impacto que as pesquisas divulgadas têm sob a ótica dos que estão no bunker, no QG do marketing dos candidatos?

David Shaw, um veterano pollster e estrategista, é autor da famosa síntese dos 3Ms para descrever os efeitos das pesquisas sobre as campanhas. Mídia, moral e money. As campanhas veem o seu espaço na imprensa florescer ou murchar ao ritmo dos levantamentos. O ânimo, a moral da equipe, ser jogada para o alto ou para baixo em função dos números divulgados, não importando que seus trackings apresentem resultados diferentes. E as doações, ou mesmo o dinheiro do Fundo Eleitoral, irá fluir ou deixar de fluir ao sabor dos percentuais publicados, que sugerem maiores ou menores chances do candidato ou da candidata. Ou seja, os resultados divulgados produzem o céu e o inferno no interior das campanhas.

Eu vivi isso de muito perto, e por muitos anos, em 91 campanhas majoritárias dentro e fora do país, atuando como estrategista, coordenador das pesquisas, ou coordenador de todo o marketing dos candidatos. A ansiedade despertada pela proximidade dos números é imensa. E a divulgação tem efeitos psicológicos profundos.

Hoje, a maior quantidade de institutos ajuda a diluir um pouco seu impacto. Mas ainda assim é possível supor que seja bastante grande. E não adianta falar em “movimentos nas margens de erro”. O cérebro das pessoas computa o valor nominal, o desempenho na questão estimulada. Pelo que, o eventual desencontro das medições, em razão de suas metodologias, sempre gera perplexidade e insatisfação.

Imaginemos a montanha russa emocional na semana passada em São Paulo. O QG de Marçal foi tomado de euforia na quarta-feira, quando souberam pela Quaest que estavam no segundo lugar, subindo quatro pontos (de 19% para 23%), praticamente empatados com Nunes (que tinha 24%). Euforia que no dia seguinte seria substituída pela depressão, ao saberem pelo Datafolha que continuavam em segundo lugar, porém caindo (de 22% para 19%). E aparecendo distantes oito pontos, portanto fora da margem de erro, de Ricardo Nunes, que surgiu com 27% — o incumbente com o qual Marçal disputa o que tenho chamado “a primária da Direita”.

Emoções também tiveram lugar no QG de Boulos. Na quarta, provavelmente tensos, porque haviam oscilado negativamente na Quaest (de 22% para 21%), e na quinta respirando aliviados com o Datafolha onde o candidato tinha crescido de 23% para 25%.

E quanto mais disputadas as eleições, mais episódios assim se sucederão. É inevitável. O terceiro e último ângulo é o da mídia, da grande imprensa, onde o noticiário das pesquisas termina assumindo a condição de eixo central da cobertura das campanhas. Acompanho de perto há 12 anos. Quando me afastei do dia a dia profissional nas campanhas, tornei-me comentarista regular de eleições. Tendo colunas ou participando de quadros na rádio e na TV.

Nessa dimensão, o que se constata? A imprensa, de uma forma geral, embora não aprofunde essa discussão, procura enfatizar o papel democrático da divulgação dos levantamentos eleitorais. De fato, ela permite o acesso dos cidadãos a informações que sem isso estariam restritas ao grupo de candidatos, chefes partidários e dos seus marqueteiros, consumidores intensivos desses dados.

Nesse sentido, a resposta da mídia tem valência inequívocamente positiva. As pesquisas — ou sua publicização — contribuem no processo informativo das campanhas, não apenas alimentando o discernimento dos analistas, porém, e mais importante, servindo como duplo espelho dos eleitores, que nelas conseguem cotejar, comparar suas inclinações individuais com as opiniões, atitudes e preferências coletivas.

É lógico que juntamente com esse papel de excepcional importância, venha uma grande responsabilidade. Sempre haverá muito por fazer, e creio que a maioria dos grandes veículos tem consciência disso. Alguns criaram editorias específicas ou mantêm um time de jornalistas especializados em pesquisas de opinião. Conscientes de que a pesquisas tem, sim, impacto nas campanhas eleitorais. Conscientes de que elas afetam a competitividade dos concorrentes, subsidiam o processo decisório de muitos eleitores, e influenciam a cobertura dos próprios veículos.

Portanto, todo esforço dos jornalistas e dos institutos de pesquisa será de fundamental importância. É crucial destacar seu caráter momentâneo. Contextualizar os números obtidos. Lembrar das margens de erro. Enfatizar que mudanças sempre poderão ocorrer até a última hora. Porque esses levantamentos medem atitudes, e sempre haverá - como de resto em relação a qualquer objeto — alguma diferença no traslado de atitudes para comportamentos. Ou seja, imprensa e pesquisadores de forma incessante precisam ajudar o público a interpretar corretamente as pesquisas como o que de fato são: ferramentas de análise do cenário eleitoral. Que devem identificar tendências, mas não podem ser encaradas como Oráculos. Não devem ser tomadas como previsões infalíveis do que terá lugar nas urnas.

* Antonio Lavareda é cientista político e sociólogo. É presidente de honra da Associação Brasileira de Pesquisadores Eleitorais (Abrapel). Baseado em palestra no Seminário “Pesquisa” do Lide (20/09).

Um comentário:

  1. Magnífico, excepcional! Leitura imperdível! O autor consegue sintetizar décadas de trabalhos e experiências com eleições num texto muito informativo e cristalino, objetivo e isento. Parabéns ao autor, e ao blog por divulgar trabalho de tanta qualidade!

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