O Globo
Seu esquema de campeonato de cortes rompeu
com a paridade entre os candidatos
A ação que corre na Justiça
Eleitoral acusa Pablo Marçal de driblar a legislação de duas
maneiras: usando recursos não declarados e fazendo impulsionamento ilícito nas
mídias sociais. Segundo a Lei das Eleições e resolução do TSE,
candidatos são obrigados a declarar todas as doações e todos os gastos à
Justiça Eleitoral. Podem fazer impulsionamento, mas apenas por meio das
ferramentas fornecidas pelas plataformas, seguindo as diretrizes do TSE.
Impulsionamento é o aumento do alcance de postagens nas mídias sociais por meio de pagamento. Hoje, apenas o Facebook permite impulsionamento eleitoral — YouTube e TikTok optaram por não oferecer o serviço nestas eleições. Essas regras todas buscam garantir, por um lado, transparência (qualquer eleitor pode ver como cada candidato impulsiona sua propaganda) e, por outro, algum tipo de equidade ou paridade de armas na corrida eleitoral.
A acusação diz que Pablo Marçal usou recursos
não declarados para pagar a usuários para viralizar nas mídias sociais trechos
de seus vídeos, os “cortes”. Marçal criava campeonatos em que os participantes
recortavam trechos de seus vídeos e os publicavam, buscando a viralização. Quem
atingisse o maior número de visualizações no TikTok, YouTube ou Instagram ganhava
prêmios em dinheiro. A genialidade de Marçal é que ele colocava 5 mil pessoas
para trabalhar para sua campanha, mas premiava apenas os dez que tivessem
melhor desempenho.
Para entender como o engenhoso esquema de
Marçal funcionava, criei com meu colega, o cientista da computação Marcio
Moretto, um modelo a partir de informações que constam no processo e em
reportagens. Usamos também um estudo acadêmico que apresenta a distribuição de
visualizações em vídeos feitos por usuários no YouTube
Num dos casos documentados na ação, Marçal
criou um campeonato de 20 dias durante a pré-campanha e a campanha, entre os
dias 30 de julho e 18 de agosto. Quem conseguisse o maior número de acessos a
um corte de vídeo de Marçal acompanhado da hashtag #prefeitomarçal recebia
prêmios em dinheiro. Além disso, os vencedores ganhavam também acesso a cursos
imersivos de negócios. Noutro concurso, para o qual obtivemos o regulamento
detalhado, os concorrentes precisavam publicar pelo menos 1,5 vídeos por dia e
não podiam ficar três dias sem publicar. Durante o campeonato, os competidores
só podiam publicar vídeos de Marçal e do influenciador Renato Cariani. Uma
reportagem do jornal Hora do Povo traz o depoimento de uma participante que
ganhou o primeiro lugar num campeonato de cortes com um vídeo que obteve 233
mil visualizações. Num vídeo de Marçal, citado na ação, ele diz que há quase 5
mil pessoas participando dos seus campeonatos de cortes.
Usamos esses parâmetros para criar uma
estimativa do alcance dos vídeos num campeonato de cortes. Adotamos a
distribuição típica da visualização de vídeos de YouTube relatada no estudo
acadêmico. Para o modelo, supusemos que o vídeo vencedor na competição obteve
233 mil visualizações, como na reportagem, e que havia 5 mil concorrentes,
segundo o relato de Marçal, cada um deles publicando 30 vídeos (1,5 vídeo por
dia em média). Deve ser uma estimativa conservadora, porque esse era o mínimo
exigido pelo regulamento de Marçal. O modelo estima que, apenas nesse
campeonato, o candidato conseguiu 492 milhões de visualizações de seus vídeos.
Ele teria alcançado esse número assombroso de
visualizações com uma premiação de apenas R$ 16 mil. No mercado, mede-se o
custo do impulsionamento por uma medida conhecida como CPM, custo por mil
impressões. De acordo com profissionais da área, o CPM da Meta no
período eleitoral custa em torno de R$ 8,15. Com o campeonato de cortes, de
acordo com nosso modelo, Marçal gerou 492 milhões de visualizações com R$ 16
mil, um CPM de R$ 0,03.
Se as denúncias todas se confirmarem, Marçal
não apenas usou recursos não declarados e fez impulsionamentos clandestinos e
ilegais. Seu esquema de campeonato de cortes rompeu também com a paridade de
armas, já que ele conseguiu publicar em plataformas que não aceitavam
impulsionamento oficial. Além disso, cada real ilegalmente investido por ele
tinha 250 vezes (!) o impacto do dinheiro legalmente empregado por um candidato
concorrente que seguisse as regras da Justiça Eleitoral.
Muito original, muito interessante e informativo. O colunista divulga trabalho próprio com resultados surpreendentes, ao menos pra mim. Muito convincente!
ResponderExcluirMuito bom!
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