domingo, 1 de setembro de 2024

Elio Gaspari - 60 milhões de escovas de dentes

O Globo

A repórter Andreza Matais revelou que a Justiça Federal suspendeu a licitação do Ministério da Saúde para a compra de 60 milhões — repetindo: 60 milhões — de kits com escova de dentes, fio dental e dentifrício. Acionado, o Tribunal de Contas da União (TCU) reconheceu que o pregão estava viciado.

Pindorama tem uma estrutura robusta para defender o cofre da Viúva. É o Sistema U. Além do TCU, há a Controladoria-Geral da União (CGU). O TCU barrou a maluquice do trem-bala. Em 2019, a CGU detonou uma licitação de R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, para equipar escolas públicas com laptops e computadores. Nessa festa, uma escola de Minas Gerais que tinha 255 alunos receberia 30.030 laptops.

Infelizmente, não foram responsabilizados os autores da malandragem.

Com o pregão dos 60 milhões de escovas de dentes, a Justiça e o TCU funcionaram, mas não basta.

O kit teria o logotipo do programa Brasil Sorridente. A área jurídica do Ministério da Saúde advertiu para o “risco” de a iniciativa ser considerada “publicidade institucional ou distribuição gratuita de bens, a depender da forma como for feita”. Não foi ouvida, e o pregão foi em frente.

O bicho tinha cabeça pequena e pescoço grande. O edital que anunciava o pregão informava que “o custo estimado da contratação possui caráter sigiloso”. (Seria coisa de uns R$ 400 milhões.)

O bicho tinha também pernas enormes. Os interessados tinham quatro dias para apresentar suas propostas (a lei fala em oito dias) e três para produzir amostras das bolsinhas de plástico com o logotipo do programa. Segundo o Ministério, os prazos eram curtos porque é necessário prevenir as cáries.

A juíza federal Luciana Raquel Tolentino de Moura, da 7ª Vara de Brasília, barrou a girafa:

“Não se verifica nos autos justificativa capaz de ensejar o exíguo prazo concedido para participação na licitação. Assim, o certame encontra-se em desacordo com o regramento legal, restringindo a concorrência, dificultando a escolha da melhor proposta e até mesmo prejudicando o tratamento isonômico das concorrentes.”

O ministro Benjamin Zymler, do TCU, amarrou o bicho:

“A mera alegação de urgência em prevenir a ocorrência de cáries e outras patologias bucais não justifica a redução dos prazos licitatórios, pois não se imagina que a redução de oito para quatro dias úteis para a apresentação das propostas impacte na política de saúde bucal.”

Segundo o Ministério da Saúde, 94 empresas foram consultadas e sete apresentaram propostas. Contudo, depois das decisões da Justiça e do TCU, fechou a boca.

As ações da juíza e do TCU repetiram o êxito da CGU no caso da compra dos laptops. A bolsa da Viúva foi protegida. O melhor que pode acontecer é que não se repita a pizza de 2019.

As girafas, como os jabutis, têm dono. O episódio lançou um facho de luz sobre o aparelhamento petista das arcas do Ministério da Saúde.

(O Ministério poderia também avaliar a saúde mental dos doutores que usaram as cáries dos outros para justificar a pressa.)

Queimadas e incêndios

Com centenas de incêndios nas matas brasileiras e pelo menos dez pessoas presas só em São Paulo, os governos estão cautelosos e evitam atribuir uma parte da desgraça à ação de criminosos.

O Ministério do Meio Ambiente não é polícia, mas a doutora Marina Silva comporta-se como se fosse presidente de uma banca de doutorado. Trata dos problemas em tese.

No século passado, alguns incêndios de canaviais eram coisa de militantes políticos.

Elon Musk x Moraes

Torcer por Elon Musk no seu litígio com o ministro Alexandre de Moraes pode ser uma anomalia.

Mesmo assim, o bilionário deu-lhe um drible digno de Garrincha e/ou Maradona. Ao ver que Moraes mandou bloquear as contas da sua Starlink prometeu aos seus 215 mil clientes brasileiros manter, de graça o serviço de conexão com a internet por satélites.

A ver.

Alerta no PT

As pesquisas colocaram a infantaria do PT em estado de alerta. Em cinco capitais os seus candidatos a prefeito patinam com um só dígito.

Pelo tamanho e simbolismo, o desempenho de Guilherme Boulos em São Paulo decidirá o balanço da eleição municipal.

Lula perderá seu bode

A escolha de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central poderá trazer (ou não) algum alívio para o Planalto com uma queda na taxa de juros. Lula, contudo, perderá seu bode. Com a economia andando de lado, Roberto Campos Neto era um bode ideal.

Sem Campos Neto na vitrine, o bode ideal seria o presidente da Câmara, Arthur Lira, mas escalá-lo seria má ideia, pois sua caneta tem mais tinta.

Ademais, Dilma Rousseff resolveu brigar com Eduardo Cunha quando ele presidia a Câmara e deu-se mal.

Campos e as pressões

O doutor Roberto Campos Neto disse que Galípolo “vai passar por pressão, como eu passei”. Uma parte da pressão, vinda de Lula e do PT, é conhecida. Se houve outras, bem que poderia revelá-las.

De qualquer forma, até hoje Galípolo não foi votar vestindo uma camisa vermelha.

Maduro e Lula

Depois de sugerir que Lula deveria tomar chá de camomila, Nicolás Maduro usou o negacionismo eleitoral de Bolsonaro para alfinetar a diplomacia brasileira.

Enquanto a ditadura venezuelana sobe o tom com o Brasil em manifestações públicas, aumenta o receio de que ele baixe o nível, remexendo velhas negociações dos dois países.

Supremas câmeras

O rápido bate-boca do ministro Dias Toffoli com o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, foi um mau momento da história da Corte.

Há anos, discute-se a utilidade de TV Justiça. Seus adversários sustentam que as câmeras criaram uma fogueira de vaidades e têm alguma razão.

O video do bate-boca dura cerca de um minuto. Depois dele, será difícil argumentar contra a existência das câmeras.

Trump pisou onde não devia

Donald Trump parece desorientado. Só isso explica sua decisão de transformar uma ida ao Cemitério Nacional de Arlington num evento de campanha eleitoral.

Arlington era a fazenda da família da mulher de Robert Lee, o comandante das tropas rebeldes durante a Guerra da Secessão (1861-1865). Antes mesmo da rendição do general a propriedade foi tomada pelo governo para dar sepultura aos soldados do Norte. Depois, aceitou-se também os do Sul, mais os americanos mortos em outros combates, bem como figuras ilustres. Lá estão os restos mortais de John e Robert Kennedy.

Trump quis fazer um evento para seduzir os veteranos e os irritou.

 

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