O Globo
Novo presidente do Banco Central vai ter que superar a intimidade com o governo para preservar a independência das decisões de política monetária
O próximo mandato na presidência do Banco Central será um novo teste na autonomia. Roberto Campos Neto enfrentou a hostilidade da primeira travessia de governo, Gabriel Galípolo terá que superar a intimidade com o governo do presidente que o escolheu, para preservar a independência das decisões de política monetária. A conjuntura é desafiadora tanto pelos indicadores ruins quanto pelos bons. A inflação está perto do teto da meta e há dúvidas sobre os dados fiscais, mas o país cresce além do previsto e o mercado de trabalho vive seu melhor momento em dez anos, com desemprego baixo e alta de renda. No pano de fundo, a maior economia do mundo prepara uma queda de juros numa conjuntura com dados oscilantes.
Foi correto deixar o nome de Gabriel Galípolo
amadurecer em público antes de anunciá-lo. A manobra era arriscada, mas
funcionou. Não houve tremores quando a indicação foi confirmada. A alta do
câmbio, no dia seguinte, se deve mais à economia internacional, tanto que o
dólar subiu contra outras moedas emergentes. O BC fez dois
leilões de dólar na sexta-feira apesar de a moeda americana nem ter atingido
níveis a que já chegou. Mesmo assim terminou o dia com ligeira
alta. Mas o país tem US$ 350 bilhões de reservas.
Galípolo já está em contato com o Senado. Faz
bem. É a hora de conversar com os senadores da Comissão de Assuntos Econômicos,
e com todos os outros, porque a votação definitiva será a do plenário. O
contexto eleitoral, que exacerba a polarização e esvazia o Congresso, é ruim,
mas Galípolo quando era secretário-executivo do Ministério da Fazenda mostrou
habilidade no diálogo com correntes diferentes do Parlamento. O ideal é que
seja sabatinado logo. A situação de estar oficialmente indicado, mas não sabatinado,
não deveria se prolongar por muito tempo.
Há outras diretorias a preencher e foi bom
não ter havido uma indicação em bloco. A presidência do Banco Central do Brasil
é um cargo relevante demais para ser anunciado no meio dos outros diretores,
por uma estratégia qualquer. Mas ao pensar nos novos nomes, uma questão deveria
estar no tabuleiro decisório. Será muito feio se voltar a ser uma diretoria só
de homens. O governo anterior, tão misógino, nomeou duas mulheres. A cena dos
homens do poder reunidos, sem uma mulher sequer, está ficando cada vez mais
indigesta de ver.
Na reunião de setembro, os olhos estarão mais
em Galípolo do que em Roberto Campos Neto. O poder ascendente é sempre mais
forte do que o poder poente. O que a maioria do mercado financeiro espera é uma
alta da taxa de juros e o início de um pequeno ciclo de aperto. Há razões para
isso? Existem algumas. A inflação está muito resistente perto do teto da meta.
Nos próximos dias será anunciada a inflação de agosto e a notícia será boa:
número perto de zero. Isso reduzirá um pouco o acumulado em 12 meses mas permanecerá
longe de 3%, que é a meta contínua que o BC tem que perseguir.
O presidente Lula fez
declarações amenizadoras da tensão em torno do próximo mandato, sustentando que
“se ele tiver que baixar juros, baixa, se tiver que aumentar, aumenta”. Mas
Lula ainda demonstra não aceitar a nova situação do Banco Central. Disse que
ele vai trabalhar com a autonomia do Henrique Meirelles. O presidente do BC dos
primeiros dois mandatos de Lula teve autonomia concedida pelo presidente. Subiu
juros logo ao chegar para a estratosfera de 26,5%. Houve vários momentos de
tensão com o PT que Meirelles venceu. Mas agora é diferente. O BC é autônomo na
lei. E nos dois últimos anos de mandato presidencial certamente haverá vários
momentos de tensão em torno da sempre controversa questão dos juros.
Os dados de sexta-feira sobre desemprego
trouxeram notícias boas que são avaliadas pelo avesso do mercado. A taxa de
desemprego e o nível de renda estão no melhor momento em dez anos. Isso é visto
como véspera de pressão inflacionária. O
economista Daniel Duque, especialista no tema, em entrevista a Ana Carolina
Diniz, do blog, avaliou que ainda não está havendo pressão
inflacionária vinda do baixo nível de desemprego e da recuperação da renda.
O melhor caminho para a atuação do Banco
Central é ser técnico, livre de pressões do mercado e das campanhas políticas,
para atingir a sua missão de manter a inflação baixa, que sempre será o melhor
ambiente para qualquer presidente da República.
Verdade.
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