Folha de S. Paulo
Sem saber para onde ir, país torra dinheiro
petrolífero, destrói ambiente e futuro
Luiz Inácio
Lula da Silva prometeu reconstruir a BR-319, estrada que liga Manaus a Porto
Velho (Rondônia), como se sabe. Fez a promessa no Amazonas, no auge
do ruído midiático sobre o incêndio do
Brasil. Convém voltar ao assunto.
O caso é uma caricatura de dilemas
brasileiros e do governo Lula.
É um exemplo da falta de planos do que fazer quanto a energia, investimento,
ambiente e até das contas públicas. Vai dar besteira.
O que fazer de petróleo e de sua renda enorme e crescente? De rodovias e ferrovias na floresta? Como gerar mais eletricidade em horário de pico sem mais dano ambiental?
Fora da Amazônia e dos círculos de
ambientalistas e cientistas, pouca bola se deu para a BR-319. Manaus não tem
conexão rodoviária com o restante do país, entre outros isolamentos dessa
região metropolitana com 2,6 milhões de habitantes. A reconstrução da BR-319
está emperrada desde 2005 por embates judiciais e administrativos.
Seus defensores dizem que será obra com
sistemas de segurança ambiental inédita, além de ser estrada
cercada, com travessias aéreas e subterrâneas para animais e
controle de quem e do que vai passar por lá. Etc. Para críticos, a rodovia vai
facilitar a destruição. Por onde passam, estradas de fato reduzem o custo de
empreendimentos (legais ou ilegais).
O dilema é piorado pela expansão dos crimes
organizados, pela dificuldade estatal de combater a destruição da floresta e a
conexão amazônica de negócios legais e ilegais, pelo fato do plano de
desenvolvimento local (Zona Franca) ser erro econômico enorme quase
incorrigível.
É apenas um dilema. A exploração
do petróleo no mar do Amapá, mesmo que não derrame gota de óleo,
criará incentivos para a ocupação desordenada e destruição ambiental do estado
(a história da urbanização brasileira).
Quão essencial é o petróleo? Em 2014, o país
produzia 2,3 milhões de barris por dia. Em 2024, deve produzir 3,5 milhões. Em
uma conta de guardanapo, pelo preço atual do barril, a renda petroleira passou
de US$ 58,8 bilhões por ano para US$ 91,4 bilhões, sem contar efeitos
indiretos.
A renda nacional aumentou com isso, assim
como a receita do governo. Nesses anos, a taxa de investimento produtivo do
país não aumentou. O setor público tem déficit. Estamos queimando receita
petrolífera finita em gasto corrente.
Segundo a Empresa de Planejamento Energético
(estatal), a produção para de crescer em 2030, em 5,3 milhões de barris por
dia. O que fazer? Explorar mais? Menos? Há alternativas?
No caso da eletricidade, vamos
precisar de mais térmicas a gás (da exploração petrolífera) para atender ao
consumo do horário de pico, para a qual a solar não dá conta? De
Angra 3 ou Nuclear "x"? Como revolucionar produção e consumo de
energia? Secas mortíferas, cada vez mais prováveis, podem parar as
hidrelétricas.
Precisamos da Ferrogrão
(ferrovia que vai da soja do Mato Grosso a porto no Pará, mais rasgo na
Amazônia)? No caso de restrições ou alternativas ao consumo mundial
de grãos e carnes, como o país vai pagar as contas externas?
De onde vai sair o dinheiro para proteger a
Amazônia (polícia, servidores ambientais, investimento produtivo) e para zerar
desmatamentos? Do petróleo? Mas já não estamos gastando todo o dinheiro
petrolífero em outra coisa?
Não temos plano, até aqui. Sobrou para Lula
fazer.
Pois é.
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