O Globo
Desempenho da economia vem surpreendendo
positivamente, mas expansão de gastos públicos traz preocupação
O desempenho da
economia vem surpreendendo positivamente desde 2021, depois de
muitos anos de decepção. É o que mostram as discrepâncias entre as projeções
dos analistas para o PIB a cada início de ano e os resultados efetivos.
Com o crescimento de 1,9% no primeiro
semestre deste ano em relação ao semestre anterior, descontada a sazonalidade,
a história se repete agora. Mantido o atual patamar do PIB no segundo semestre
(variando apenas conforme o padrão sazonal), a alta de 2,5%
em 2024 já estará garantida, ante projeção de 1,5% ao final de 2023.
Outra boa notícia é o crescimento mais disseminado entre setores e regiões do país nos últimos anos, além da queda do desemprego. Os vários vagões da locomotiva estão em movimento.
Para além de fatores pontuais, como a
recuperação do Rio Grande do Sul (a destruição de capital instalado não contrai
o PIB, mas os gastos de socorro e reconstrução, sim), as razões das surpresas
são debatidas entre os economistas.
Parte pode decorrer da retomada das reformas
estruturais em 2016, o que significa ganho de potencial de crescimento de longo
prazo; parte pode ser fruto do expansionismo fiscal.
Separar o que é ganho estrutural, com
ampliação da capacidade produtiva do país, e o que é estímulo governamental à
demanda é insumo essencial para o trabalho do Banco Central no controle da
inflação. Avanços na oferta de bens, serviços e infraestrutura significa menor
risco inflacionário diante de estímulos à demanda.
As duas explicações para as surpresas com o
crescimento da economia não são excludentes. O debate está mais na importância
relativa de cada uma. Para muitos, o fato de o investimento estar muito baixo
indicaria pouca contribuição das reformas.
No entanto, a tendência dos últimos anos tem
sido mais benigna, com crescimento acumulado do investimento desde a inflexão
no primeiro trimestre de 2017 (28%) superior ao do PIB (16%). Paralelamente, a
produtividade da economia ensaia uma recuperação, como apontado pelo Ibre-FGV.
É inegável, porém, uma boa dose de
artificialismo por conta da expansão de gastos públicos, o que traz
preocupação. Os excessos fiscais machucam muito o ambiente macroeconômico por
conta da necessidade de financiar a dívida pública crescente, o que exige juros
mais altos e prejudica a iniciativa privada.
Uma peculiaridade do Brasil é que a política
fiscal é pro-cíclica – quando a economia vai bem, os gastos do governo sobem –,
quando o ideal seria que ela fosse anticíclica, suavizando o ciclo econômico.
Quando o consumo das famílias está muito aquecido e o desemprego baixo,
recomenda-se o governo segurar os gastos para evitar aumento da inflação e ao
mesmo tempo assegurar uma trajetória não explosiva da dívida pública. Essa boa
prática tem sido frequentemente desconsiderada, tendo sido observada de forma
consistente apenas nos governos FHC e Michel Temer.
Enquanto isso, muitas regras fiscais reforçam
a característica pro-cíclica da política fiscal, como as atuais, com a
vinculação de despesas a variáveis sensíveis ao comportamento do PIB. É o caso
dos gastos com Previdência associados ao salário-mínimo, e este ao crescimento
do PIB; e as despesas com educação e saúde, que estão vinculados às receitas do
governo, também impactadas pelo PIB. São necessárias mudanças nessas regras.
Como dramático agravante, temos a baixa
qualidade do gasto público e seu financiamento por meio de um sistema
tributário complexo e repleto de distorções. Isso significa pior alocação de
recursos na economia e menor potencial de crescimento.
O governo minimiza o problema, apesar de o
aumento de gastos ser muito rápido, inclusive como proporção do PIB, enquanto
busca caminhos do lado da receita para zerar o déficit primário, como
prometido. A fórmula de ajuste importa. Pode-se até evitar um desequilíbrio
fiscal grave, mas não se constrói a boa reputação de compromisso com a
disciplina fiscal.
Isso torna a tarefa do BC mais difícil. Mesmo
que venha ser possível manter a Selic estável, voltar a cortá-la estará fora do
radar por um bom tempo.
E repetindo velhos padrões, quando a economia
vai bem, reformas são adiadas e, pior, muitas vezes se reavivam vícios do
passado, como agora, com o dirigismo estatal, o loteamento de cargos e o uso
indevido de fundos de pensão das estatais.
Cedo ou tarde essas escolhas cobram seu
preço, trazendo decepções.
Lendo e aprendendo.
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